23 de julho de 2019

Kontaminantes ☣ , Chernobyl , Séries ,

Chernobyl

Tv


Aclamada pelo público e ovacionada pela crítica, Chernobyl representa a redenção da HBO em um ano que ficará marcado pelas penúrias da última temporada da série mais famosa da emissora.
Ágil em inocular sua trama, Chernobyl não inventa meandros com o intuito de protelar obviedades da estória, tal qual a iminente explosão da usina que intitula o programa e alicerça a narrativa. Nesse sentido, a minissérie aproveita-se de uma estrutura não linear que avança e retrocede no tempo de acordo com a conveniência do texto, o que, sobretudo, é feito de modo orgânico. Ademais, convém ressaltar que desde o primeiro instante os soviéticos são apresentados como indivíduos desumanizados, sisudos, ásperos e inflexíveis, retrato que se articula com evidente viés político e enfatiza sumária culpa comunista pelo maior desastre nuclear da história. Dito isso, cabe recordar que a Rússia, logo após a conclusão de Chernobyl, anunciou sua própria série com a finalidade de contar sua versão dos acontecimentos, o que, pouco distante do âmbito televisivo, ratifica as intrigas entre Estados Unidos e a mesma que se mantêm intensas até os dias de hoje.
Embora Valery Legasov seja o personagem que mais se  aproxima de um protagonista, a grande estrela do programa é a própria Chernobyl. Isto é, a catástrofe que alavanca as principais circunstâncias da série é destrinchada de inúmeras maneiras e sob distintos parâmetros que elucidam a gravidade da situação e suas terríveis consequências. Para isso, constituem-se diversos arcos, cada qual com seu intuito, seja o que explora as nuances mais humanas e emotivas do entrecho por meio da personagem Lyudmilla, seja o subnúcleo do Pavel que aborda um jovem compelido pelo governo a realizar um trabalho martirizante e potencialmente fatal enquanto apresenta de forma desesperançosa os irreversíveis impactos causados à fauna e flora. De similar modo, desenvolve-se o plot dos mineiros e o dos vários voluntários que se submetem a laboriosas e letais atividades, plot que, além do mais, realça e critica a colocação do Estado em deixar a integridade de seus cidadãos sempre em segundo plano, bem como sublinha um patriotismo tóxico e fanático.
As alfinetadas tecidas pelo roteiro ganham contornos mais densos com as tentativas de acobertamento do governo e relutância em aceitar as trágicas ocorrências. Tal postura ignóbil se maximiza consoante manobras políticas do mesmo que atribuem completa responsabilidade à classe operária, sem que os verdadeiros culpados jamais sejam punidos. Não obstante, a cadeia de acontecimentos determinantes para concepção do desastre é esmiuçada gradualmente, o que permite o espectador ter uma perspectiva nítida acerca das causas administrativas que culminaram na explosão. Assim também se destacam as comparações históricas e contextuais feitas pelo professor Legasov que, mesmo expostas e repetidas demasiadamente, facilitam a absorção do público a respeito da magnitude destrutiva do "acidente".
Tocante à confecção individual das personas, são o professor Legasov, Ulana e o Boris os únicos personagens descamados com maior afinco. Ou seja, Legasov, além de pilar narrativo, é a figura que arca com os principais dilemas éticos do programa e suas decorrências; Ulana, ainda que deslocada durante os episódios incipientes, logo encontra seu nicho como fio condutor das descobertas da trama; e Boris, apesar de ser um homem duro, é exceção entre os soviéticos retratados ao demonstrar vontade em fazer o que é certo. Já entre os semblantes secundários, vale evidenciar Dyatlov e Fomin que, respectivamente, incorporam o estereótipo do soviético execrável e uma paródia do político ingênuo em mais uma acometida do roteiro que busca condenar e ridicularizar os inimigos ideológicos da América. No entanto, embora a empreitada obtenha êxito no que objetiva, a mesma contradiz o teor verossímil imposto pelo texto.
Concernente à já mencionada subtrama do personagem Pavel, esta, apesar de contextualmente enxerta de forma crítica e efetiva, torna-se estruturalmente dispersa conforme o tratamento avulso do script que opta por trabalhar todo o arco em um só episódio; cria-se, portanto, um senso de aleatoriedade. Do mesmo modo, acentua-se o plot da supracitada Lyudmilla que abruptamente é abandonado pelas diretrizes do roteiro. Isto é, moldam-se vários subnúcleos que ficam em aberto até um apanhado final sobre os principais fatos e personagens que influenciaram a série; ainda assim, um breve resumo ao correr dos créditos finais é insuficiente mediante o tempo até então dedicado a tais personas.
No que se refere a aspectos técnicos, Chernobyl é irretocável. A utilização de uma fotografia acinzentada com traços predominantemente escuros exalta o tom acabrunhado do enredo e configura belíssimos e trágicos enquadramentos; trechos filmados manualmente elevam a dramaticidade das cenas; e sequências em slow motion, auxiliadas por contemplativos planos-detalhes, exultam a atmosfera lúgubre com invejável esmero estético. A reconstrução temporal é minuciosamente caracterizada por ambientações caóticas delineadas por corpos, fumaça e entulho que se contrastam aos lauréis que permeiam os salões onde homens poderosos tomam decisões nefastas, ao passo que grotescos trajes de proteção responsáveis por compor majoritariamente o figurino da série preconizam mau agouro. Por sua vez, a trilha soturna dita o ritmo tétrico preestabelecido, e o uso de uma maquiagem detalhista, dentre as maneiras encontradas pelo texto para introduzir tensão, ganha notoriedade ao imprimir um realismo palpável que se respalda na angústia proveniente das chagas dos personagens.
Chernobyl, embora lide com alguns percalços é, em suma, uma minissérie chocante, aflitiva, mordaz, apreensiva, visualmente requintada e, acima de tudo, didática e relevante.
Matheus J. S.

Assista e Kontamine-se

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Ficha Técnica:
Primeiro episódio: 6 de maio de 2019
Último episódio: 3 de junho de 2019
Dirigido por: Johan Renck
Com: Jared Harris, Stellan Skarsgård, Paul Ritter…
País: EUA; Alemanha e Reino Unido
Gênero: Drama
Status: Finalizada
Duração (aproximadamente): 58 minutos

Sinopse (Google):
Homens e mulheres corajosos agem heroicamente para mitigar danos catastróficos quando a Usina Nuclear de Chernobyl sofre um acidente em 25 de abril de 1986.

Avaliação (1ª Temporada):
IMDb (2019): 9,5
Rotten: 96%
Metacritic: 83%
Filmow (média geral): 4,7
Adoro Cinema (usuários): 4,8
Kontaminantes (Matheus J. S.): 8,5
Avaliação

6 comentários:

  1. Sem dúvida uma das melhores series de todos os tempos, nota 10.

    Nunes

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    Respostas
    1. A série realmente é boa e possui virtudes, porém aproveito a oportunidade para lhe recomendar e ressaltar uma série extremamente melhor: BREAKING BAD!
      Assista e me fale a respeito.

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    2. Já tentei assistir mais não consegui para mim breaking nas e um extrato de pó de nada.

      Nunes

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    3. Breaking Bad é genial, diferentemente de Chernobyl que é amador nesse sentido. Aproveita e assista Vivarium tbm.

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    4. Bob esponja e muito melhor que breaking bad

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    5. Discordo, mas compreendo o seu posicionamento. Aproveitando a deixa, gostaria de lhe recomendar um desenho de tamanha qualidade também: Alvinnn e os Esquilos.
      Canal para assitir: GLOOB.

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