Aclamada pelo público e ovacionada pela
crítica, Chernobyl representa a redenção da HBO em um ano que ficará marcado
pelas penúrias da última temporada da série mais famosa da emissora.
Ágil em inocular sua trama, Chernobyl não inventa
meandros com o intuito de protelar obviedades da estória, tal qual a iminente
explosão da usina que intitula o programa e alicerça a narrativa. Nesse sentido,
a minissérie aproveita-se de uma estrutura não linear que avança e retrocede no
tempo de acordo com a conveniência do texto, o que, sobretudo, é feito de modo orgânico.
Ademais, convém ressaltar que desde o primeiro instante os soviéticos são
apresentados como indivíduos desumanizados, sisudos, ásperos e inflexíveis,
retrato que se articula com evidente viés político e enfatiza sumária culpa comunista
pelo maior desastre nuclear da história. Dito isso, cabe recordar que a Rússia,
logo após a conclusão de Chernobyl, anunciou sua própria série com a finalidade de contar sua versão dos acontecimentos, o que, pouco distante do âmbito televisivo,
ratifica as intrigas entre Estados Unidos e a mesma que se mantêm intensas até
os dias de hoje.
Embora Valery Legasov seja o personagem que
mais se aproxima de um protagonista, a
grande estrela do programa é a própria Chernobyl. Isto é, a catástrofe que
alavanca as principais circunstâncias da série é destrinchada de inúmeras
maneiras e sob distintos parâmetros que elucidam a gravidade da situação e suas
terríveis consequências. Para isso, constituem-se diversos arcos, cada qual com
seu intuito, seja o que explora as nuances mais humanas e emotivas do entrecho por
meio da personagem Lyudmilla, seja o subnúcleo do Pavel que aborda um jovem
compelido pelo governo a realizar um trabalho martirizante e potencialmente fatal
enquanto apresenta de forma desesperançosa os irreversíveis impactos causados à
fauna e flora. De similar modo, desenvolve-se o plot dos mineiros e o
dos vários voluntários que se submetem a laboriosas e letais atividades, plot
que, além do mais, realça e critica a colocação do Estado em deixar a
integridade de seus cidadãos sempre em segundo plano, bem como sublinha um
patriotismo tóxico e fanático.
As alfinetadas tecidas pelo roteiro ganham
contornos mais densos com as tentativas de acobertamento do governo e relutância
em aceitar as trágicas ocorrências. Tal postura ignóbil se maximiza consoante manobras
políticas do mesmo que atribuem completa responsabilidade à classe operária,
sem que os verdadeiros culpados jamais sejam punidos. Não obstante, a cadeia de
acontecimentos determinantes para concepção do desastre é esmiuçada
gradualmente, o que permite o espectador ter uma perspectiva nítida acerca das
causas administrativas que culminaram na explosão. Assim também se destacam as
comparações históricas e contextuais feitas pelo professor Legasov que, mesmo
expostas e repetidas demasiadamente, facilitam a absorção do público a respeito
da magnitude destrutiva do "acidente".
Tocante à confecção individual das personas,
são o professor Legasov, Ulana e o Boris os únicos personagens descamados com
maior afinco. Ou seja, Legasov, além de pilar narrativo, é a figura que arca
com os principais dilemas éticos do programa e suas decorrências; Ulana, ainda
que deslocada durante os episódios incipientes, logo encontra seu nicho como
fio condutor das descobertas da trama; e Boris, apesar de ser um homem duro, é exceção
entre os soviéticos retratados ao demonstrar vontade em fazer o que é certo. Já
entre os semblantes secundários, vale evidenciar Dyatlov e Fomin que, respectivamente,
incorporam o estereótipo do soviético execrável e uma paródia do político ingênuo
em mais uma acometida do roteiro que busca condenar e ridicularizar os inimigos
ideológicos da América. No entanto, embora a empreitada obtenha êxito no que objetiva,
a mesma contradiz o teor verossímil imposto pelo texto.
Concernente à já mencionada subtrama do
personagem Pavel, esta, apesar de contextualmente enxerta de forma crítica e
efetiva, torna-se estruturalmente dispersa conforme o tratamento avulso do script
que opta por trabalhar todo o arco em um só episódio; cria-se, portanto, um
senso de aleatoriedade. Do mesmo modo, acentua-se o plot da supracitada Lyudmilla
que abruptamente é abandonado pelas diretrizes do roteiro. Isto é, moldam-se
vários subnúcleos que ficam em aberto até um apanhado final sobre os principais
fatos e personagens que influenciaram a série; ainda assim, um breve resumo ao
correr dos créditos finais é insuficiente mediante o tempo até então dedicado a
tais personas.
No que se refere a aspectos técnicos, Chernobyl
é irretocável. A utilização de uma fotografia acinzentada com traços predominantemente
escuros exalta o tom acabrunhado do enredo e configura belíssimos e trágicos enquadramentos;
trechos filmados manualmente elevam a dramaticidade das cenas; e sequências em
slow motion, auxiliadas por contemplativos planos-detalhes, exultam a atmosfera
lúgubre com invejável esmero estético. A reconstrução temporal é minuciosamente
caracterizada por ambientações caóticas delineadas por corpos, fumaça e entulho
que se contrastam aos lauréis que permeiam os salões onde homens poderosos
tomam decisões nefastas, ao passo que grotescos trajes de proteção responsáveis
por compor majoritariamente o figurino da série preconizam mau agouro. Por sua
vez, a trilha soturna dita o ritmo tétrico preestabelecido, e o uso de uma
maquiagem detalhista, dentre as maneiras encontradas pelo texto para introduzir
tensão, ganha notoriedade ao imprimir um realismo palpável que se respalda na
angústia proveniente das chagas dos personagens.
Chernobyl, embora lide com alguns percalços é,
em suma, uma minissérie chocante, aflitiva, mordaz, apreensiva, visualmente
requintada e, acima de tudo, didática e relevante.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Primeiro episódio: 6 de maio de
2019
Último
episódio: 3 de junho de 2019
Dirigido por: Johan Renck
Com: Jared Harris, Stellan Skarsgård, Paul Ritter…
País: EUA; Alemanha e Reino Unido
Gênero: Drama
Status: Finalizada
Duração (aproximadamente): 58
minutos
Sinopse (Google):
Homens e mulheres corajosos agem heroicamente
para mitigar danos catastróficos quando a Usina Nuclear de Chernobyl sofre um
acidente em 25 de abril de 1986.
Avaliação (1ª Temporada):
IMDb
(2019): 9,5
Rotten:
96%
Metacritic:
83%
Filmow
(média geral): 4,7
Adoro
Cinema (usuários): 4,8
Kontaminantes (Matheus J. S.):
8,5
Sem dúvida uma das melhores series de todos os tempos, nota 10.
ResponderExcluirNunes
A série realmente é boa e possui virtudes, porém aproveito a oportunidade para lhe recomendar e ressaltar uma série extremamente melhor: BREAKING BAD!
ExcluirAssista e me fale a respeito.
Já tentei assistir mais não consegui para mim breaking nas e um extrato de pó de nada.
ExcluirNunes
Breaking Bad é genial, diferentemente de Chernobyl que é amador nesse sentido. Aproveita e assista Vivarium tbm.
ExcluirBob esponja e muito melhor que breaking bad
ExcluirDiscordo, mas compreendo o seu posicionamento. Aproveitando a deixa, gostaria de lhe recomendar um desenho de tamanha qualidade também: Alvinnn e os Esquilos.
ExcluirCanal para assitir: GLOOB.