Após o estardalhaço que Jordan Peele causou em
Hollywood com o famigerado Corra!, o diretor, dois anos mais tarde, retorna aos
holofotes da indústria cinematográfica com Nós. Será que o novo longa
corresponde as entusiásticas críticas que vem recebendo?
Dentre todos os adjetivos que podem ser
atribuídos a Nós, nenhum se encaixa tão perfeitamente quanto provocativo.
Mais instigante que Corra!, a nova obra de Peele se apropria de uma narrativa
esdrúxula calcada em importantes comentários sociais que, divergente de seu
trabalho anterior, não se limita a furtar ideias de outras produções. Dito
isso, cabe realçar o fato, mediante certas ressalvas, do roteiro pouco se
importar com a capacidade de compreensão geral dos espectadores e usufruir de
uma série de singularidades para contar sua estória, o que permite uma total
liberdade criativa e poupa o mesmo de procurar artifícios para tornar o texto
mais palatável. Entretanto, embora seja apreciável que o cineasta tenha
aprendido com alguns dos erros de outrora, Peele continua a pecar no que
concerne à vertente cômica.
Comediante de longa data, Jordan não se contém
e, assim como em Corra!, permanece enxertando piadas fora de tempo que fomentam
um desequilíbrio tonal. Nesse quesito, Gabe é o principal responsável pelos relapsos
climáticos do enredo, visto que sua função na película nada mais é que vestir a
máscara caricata de um pai apalermado. Em contraparte, uma das maiores virtudes
de Nós está na maneira minimalista que o filme encontra para imprimir tensão,
ou seja, esta descende da ênfase em pequeninos detalhes, de discretos e
enervantes toques ao fundo de uma cena e do silêncio especulativo e
inquietante. Ademais, a utilização de planos mais extensos que o habitual e de
lentos e apreensivos travellings em 360° corroboram a atmosfera vigente.
Outrossim, reiterando que o glamour do longa em
grande parte provém do subjetivismo de seu texto e das perspectivas diversas
que este possibilita, convém ressaltar alguns percalços que tomam a forma de
trechos expositivos que elucidam elementos que alavancariam maiores debates sem
serem mastigados para o público. Por outro lado, as metáforas ilustradas por
simbologias denotam imane eficácia e sutileza, tendo em vista que elas se
acoplam quase que imperceptivelmente aos cenários e às cenas. Desse modo,
acentua-se a meticulosa construção cenográfica articulada pela direção,
considerando que Peele insere propositalmente objetos específicos durante
momentos-chave do script com o único intuito de incitar o assistente.
Até mesmo breves sequências televisivas diegéticas exercem significância
perante as diretrizes tomadas pelo entrecho.
O figurino característico, a trilha composta
por músicas populares e os enigmáticos minutos incipientes também são passíveis
de múltiplas interpretações. Contudo, determinadas críticas do roteiro são
perspícuas, estas vinculadas ao tratamento desumano que se dá popularmente para
com pessoas marginalizadas, discrepâncias entre camadas sociais e a nulidade do
convívio entre semelhantes, ademais da película fornecer uma abordagem ímpar a
respeito das metodologias utilizadas por campanhas sociais sob uma ótica incisiva
e irônica. Logo, desenvolve-se uma reviravolta final que, apesar de a princípio
aparentemente "forçada", mostra-se, em síntese, contextualmente pertinente,
além de compactuar as pautas até então fomentadas. Todavia, enquanto a película
esbanja-se assaz arrojada em âmbitos que objetivam incomodar o espectador, o
mesmo não pode ser dito da concepção dos personagens, estes que, embora
desconstruam o arquétipo de burro disseminado no gênero, são
unilaterais, fúteis e singelos algoritmos complementares do arco da Adelaide,
única que foge à regra e possui um sólido e intrigante plot individual.
Referente à performance cênica dos atores,
todos demonstram competência e versatilidade, especialmente ao incorporarem os
doppelgängers da trama e suas personalidades contrastantes. No entanto, atores de
renome, como a Elizabeth Moss, são desperdiçados em papeis pequenos e pouco
exigentes com ínfima relevância no enredo. Porém, ao passo que a produção não
sabe aproveitar seu elenco ostensivo, a mesma goza com proficiência de seus
recursos narrativos, tais como o uso de sucintos e funcionais flashbacks organicamente impostos. No
mais, certas conveniências do script destacam-se, visto que estas têm a
exclusiva finalidade de facilitar a vida das figuras em tela sem agregar nada
profícuo ao desenvolvimento do longa.
Em suma, Nós, ainda que imperfeito, é um filme
angustiante, sugestivo, autoral e desafiante.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de
lançamento (Brasil): 21 de março de 2019
Direção:
Jordan Peele
Elenco:
Lupita Nyong'o, Winston Duke, Elisabeth Moss...
Gênero:
Terror
Nacionalidade:
EUA
Sinopse (Google):
Adelaide e Gabe levam a família para passar um
fim de semana na praia e descansar. Eles começam a aproveitar o ensolarado
local, mas a chegada de um grupo misterioso muda tudo e a família se torna
refém de seres com aparências iguais às suas.
Avaliação:
IMDb: 7,0
Rotten:
94%
Metacritic:
81%
Filmow
(média geral): 3,9
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,3/4,5
Kontaminantes (Matheus
J. S.): 7,5
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