Um dos aspectos fundamentais para o bom
funcionamento da série se deve aos diversos vínculos que a mesma propõe para
com seu espectador. Adultos ou adolescentes, ambos são introduzidos de
distintas formas no mundo de Stranger Things, seja pelas inúmeras referências a
década de 80 e a atmosfera extremamente imersiva do respectivo período que
satisfará os mais velhos, seja pela abordagem do desenvolvimento de seus
personagens joviais, o frenesi das sequências mais agitadas e a comicidade que
agradará os mais jovens. Outro fator que se responsabiliza pelo sucesso do
programa é o misto de gêneros sem perda de foco, isto é, suspense e ficção
científica coordenados a pitadas de terror, ação e drama num turbilhão de
eventos extremamente instigantes e imprevisíveis.
Stranger Things compreende e dialoga com seu
público, o que é ressaltado pela mescla de contextos, visto que a série
consegue e sabe, como e quando, agradar o mais entediado espectador com o
realce do intrigante plot acerca do desaparecimento de Will, atiçar o tato dos
mais curiosos com o debate de intricadas teorias científicas, alavancar as
expectativas dos teóricos da conspiração com a ênfase em experimentos
laboratoriais ilícitos e a apresentação de uma "sociedade secreta",
compor e exaltar o ar aterrador com o enaltecer de segmentos apreensivos e o
implemento de um monstro horrendo e temível, satisfazer os mais ávidos por
sangue com boas e ágeis cenas de combate e descontrair o clima com o caráter
saudosista na figura das crianças que homenageiam a cultura geek, seja nos
jogos de RPG, nas menções a ícones da música, literatura e cinema, e até na
forma como se vestem, se comportam e encaram as situações de seu cotidiano com
citações e analogias. A dramatização do enredo fica por conta das incógnitas
pendentes do sumiço do garoto Bayers: ele está vivo? Onde está? O que
exatamente aconteceu? Por que ele? Embora nem todas as respostas venham à tona,
o roteiro é genuíno na confecção de Joyce Bayers, interpretada magistralmente
por Winona Ryder, uma mãe aflita com a perda de seu filho, em desespero,
desamparada, inconsolável e implacável em sua busca, quase que paranoica e
vista por muitos como louca.
A química entre os personagens é fantástica,
bem como a concepção individual de cada um e as atuações. Dentre o grupo
principal, Mike é quase que um "líder azedo" que se encarrega do
abrigo e inclusão de Onze na equipe, ademais de, para com a mesma, estabelecer
um forte laço de carinho e interesse recíproco. Dustin é o mais hilário e
sensato, modelando para com todos à sua volta relações saudáveis e amistosas,
Lucas o mais impulsivo que funciona muito bem em conjunto com os outros
integrantes, enquanto Will, mesmo com pouquíssimo tempo de tela, tem sua
ausência dolorosamente sentida pelo grupo e, por meio de flashbacks, salientado
o companheirismo com Jonathan (irmão mais velho), sua influência sobre o caçula
e o apoio emocional, além do sublinho no compacto relacionamento maternal de
amor e carinho. Jonathan, por sua vez, não se enquadra a convenções sociais, se
distancia e se isola das pessoas e, ademais de partilhar do martírio de sua mãe
consoante à perda de Will que também acarreta em confrontos, inicia uma improvável
e surpreendente aliança com Nancy (irmã mais velha de Mike). Já esta, a
"garota certinha" namorada do "popular da escola", desolada
pela culpa do desaparecimento de sua amiga Bárbara, simultaneamente se encontra
numa jornada de descobertas femininas e no centro dum complexo triângulo, visto
que integra com Steve um romance, mas se identifica com Jonathan e se vê muito
próxima dele (além da dinâmica entre os atores ser excelente), o que,
certamente, desencadeia atritos típicos de adolescentes, fator que corrobora
para o aprofundamento da personalidade do trio.
Ratificando a nuance dramática do entrecho,
destaca-se Onze que, deslocada, em descoberta do mundo e em busca de mútua
aceitação no bando mirim, igualmente é atormentada por seu passado, pelos experimentos
o qual foi cobaia e pela imagem de seu pai que a induziu aos atos desumanos, o
Dr. Brenner, uma figura impassível, ameaçadora e cruel, o antagonista humano e
catalisador de todos os males da temporada. Em contraparte, pelo lado dos
mocinhos a notoriedade se restringe a Jim Hopper, um dos grandes nomes do ano,
sempre com uma forte presença de tela, imponente, convicto e sagaz,
desempenhando a função de delegado "casca grossa" carismático e
conflituoso que, também pelo recurso de flashbacks, é assombrado por seu
histórico, ou seja, pela perda de sua filha e o divórcio consequente que,
ademais, na tarefa de salvar Will vê uma forma de rendição. Seja nas frases
sarcásticas, no liderar das investigações, na inflexibilidade ao lidar com as
crianças mediante situações que exigem seriedade ou no uso de artimanhas e
estratégias para um determinado fim, Hopper constantemente suscita mais do que
aparenta, concebendo um personagem cativante e essencial para o progresso da
trama, porém de moral e arco questionáveis.
Oitentista desde sua modesta (mas sensacional) abertura até a
seleta trilha sonora, o programa transmite com maestria o espírito da época, o
que é enfatizado pela família tradicional de Mike, a frequente aparição do
tabaco, as vestimentas características, os padrões de moda, aparatos
tecnológicos... Igualmente primoroso na execução de passagens que se tornam
memoráveis, Stranger Things, logo no segmento inicial do episódio 3 (Holly,
Jolly), tem o cuidado de seus desenvolvedores reiterado com uma sequência
antagônica e concomitante de regozijo e sofrimento, onde, ao correr de rápidos
cortes, são frisados gemidos de prazer e agonia, levando o público, trágico e
brilhantemente, a vivenciar percepções completamente inversas.
No mais, os personagens secundários funcionam
bem como sustento das cenas menos relevantes, isto é, como o humor advindo dos
oficiais Powell e Callahan, a contínua assistência e o compromisso do dever de
Florence a Hopper, a indiferença de Ted (pai do Mike e da Nancy), as tentativas
de Karen por uma melhor comunicação para com os filhos (Mike e Nancy), a inocência
de Holly, a bondade e inteligência do prof. Clarke e a rebeldia e algazarra de
Carol e Tommy (colegas do Steve). Além, os suspiros derradeiros da temporada
não podem ser esquecidos, já que os mesmos são responsáveis por agregar dúvidas
e elementos irresolutos impulsores ao ano seguinte.
Stranger Things é tributo, entretenimento e um
belo retrato da amizade.
Matheus J. S. 10
Quem nunca quis viver uma grande aventura?
Superar desafios? Ser aceito? Ter amigos de verdade para sempre? Esses são
alguns dos temas recorrentes dos filmes e entretenimentos dos anos oitenta. Mas
o que faz uma série de hoje ambientada naquela época contendo uma enormidade de
referências fazer um sucesso avassalador como ST?
Além do teor nostálgico que faz a alegria dos
quarentões e cinquentões, somados a neo-cultura geek ou nerd (ou outro termo
adequado), também podemos dizer que quarenta anos depois, mesmo com o salto
tecnológico e a teórica quebra das distâncias, os anseios de grande parte da
humanidade continua sendo praticamente os mesmos e ainda contamos com uma maior
abrangência de faixas etárias, se antes o contexto era voltado para um público
especifico, hoje facilmente conquista crianças, jovens e adultos. Neste quesito,
ST ganha mais um ponto a seu favor, mostrando com mais ou menos ênfase os
conflitos e ambições das três gerações presentes na série. Logo nos primeiros
momentos da série conseguimos identificar os estereótipos presentes, adultos
com problemas, jovens procurando o seu lugar no mundo e crianças que conseguem
transportar toda a coragem, lealdade e conquistas das suas fantasias para a sua
realidade.
Falando novamente sobre referência, esse é mais
um acerto de ST e certamente corresponde a um terço do sucesso da mesma.
Provavelmente é impossível perceber todas as referências em um primeiro
momento, porém é fato que dificilmente não se tratará de um mega sucesso da
época ou de algo icônico, daqueles que sempre vira tema de conversas de quem
passou por aquele período, e quem não se identifica quando um personagem da
ficção compartilha dos seus gostos ou algo que você curtiu ou fez... isso tudo
gera uma sensação ambígua de existência estreitando os laços que unem a ficção
e o real. O grande lance é colocar todas as referências de um modo que não
sufoque o apreciador ou comprometa a trama, o que ocorre naturalmente na série.
Enquanto algumas referências são modestas, outras são escandalosamente
mostradas em mais de um momento, entre elas podemos destacar ET, Os Goonies e
também o nome de Stephen King que é lembrado por referências a seus
personagens, suas obras e adaptações. Ainda falando sobre referências e King
(escritor este que emplacou cinco adaptações este ano), não é difícil que em
algum momento da série vejamos referências que não existam devido ao grande
volume delas, digo isto porque não encontrei ninguém citando It-A Coisa e, em
dois momentos, eu vi nitidamente cenas do livro e de sua primeira adaptação. Um
desses momentos é a cena da pedreira que lembra a lendária batalha de pedras, e
também a cena do ônibus que lembra a foto do Clube dos Otários.
Os personagens ganham mais ou menos relevância
de acordo com a subtrama do episódio e provavelmente maior destaque de acordo
com a evolução do arco que atualmente está em sua segunda temporada e ainda
pode render inúmeros plot twist e revelações, sendo o principal o de um grupo
de crianças do qual giram os acontecimentos que impulsionam o enredo e dão
suporte para o desenvolvimento dos outros. Mais uma vez a produção acerta, logo
que poucos projetos envolvendo um elenco infantil não deslancharam.
Independente do desempenho da atuação de cada ator, é fato e certo que o
público sempre elege os seus personagens favoritos, a carisma do ator e a força
do personagem contribuindo, porém usar a semelhança física do ator e
estereótipo do personagem do qual eles fazem referência é uma jogada mestre.
Talvez nem todos conheçam, mas o Mike não lembra o Elliot (Et), o Lucas o
Larvell Jones (Loucademia de Polícia) e o Dustin o Gordo de Os Goonies? Apenas
alguns dos inesquecíveis daquela década.
A trama aborda temas como poderes psiônicos,
realidade paralela, agência secreta de pesquisa do governo... velhos conhecidos
da ficção cientifica. Tendo um desenvolvimento onde os principais personagens
são envolvidos de uma maneira distinta, correndo paralelamente em direção ao
vértice principal do enredo, isso faz com que mantenha o interesse e a
expectativa em alta pelo próximo episódio.
Resumindo, estes foram alguns pontos que
atraíram o meu interesse e mantiveram o prestígio em alta do primeiro ao último
episódio desta primeira temporada, deixando a pergunta se ST conseguirá manter
esse padrão, pois o risco de tropeçar em seus próprios passos é alto e real.
Por enquanto só cabe a nós torcer pela produção não se perder na receita e não
errar a mão na dosagem dos ingredientes.
leonejs.
9
Com oito episódios e nenhum filler, Stranger
Things traz uma história sensacional que gira em torno de vários personagens e
ao mesmo tempo é cheio de referências do século passado. A série inova ao
juntar diversas coisas que já vimos em filmes bons e antigos, crianças se
aventurando em meio ao perigo, telecinese, experimentos científicos, terror...
e tudo isso acontecendo em uma pequena cidade, e ela consegue fazer isso
perfeitamente.
Com certeza essa série tem grande potencial, e
se suas próximas temporadas continuarem assim, ela poderá ser considerada uma
das melhores já feitas.
Murillo J. S. 10
Assista e Kontamine-se
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Primeiro
episódio: 15 de julho de 2016
Criado
por: Matt Duffer, Ross Duffer
Com: Winona
Ryder, David Harbour, Finn Wolfhard…
País:
EUA
Gênero
(s): Fantasia; Suspense
Status:
Renovada
Duração
(aproximadamente): 55 minutos
Avaliação:
IMDb
(2016- ): 9,0
Rotten:
94%
Metacritic:
76%
Filmow
(média geral): 4,5
Adoro
Cinema (usuários): 4,1
Kontaminantes (média): 9,5
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