Precursor do torture porn, Jogos Mortais
chegava aos cinemas em 2004 com uma trama que, embora provavelmente tenha sido
vendida mais pelas sequências sangrentas, se mostra interessante e bem
elaborada.
Considerando o baixo orçamento disponível para
produção, certamente glamorosos efeitos especiais e visuais estavam fora de
questão, o que fez, certo e felizmente, com que os desenvolvedores tivessem que
voltar sua atenção para o enredo, o grande forte do filme. Dirigido e
roteirizado (estória) por James Wan (Invocação do Mal, Sobrenatural, Velozes e
Furiosos 7...), o cineasta demonstra genialidade ao conceber uma narrativa barata
que se passa durante grande parte dentro de um quarto, que se sustenta
principalmente por seus diálogos naturais e fluidos e as gradativas revelações
acerca do que se acontece. Isto é, visto que o palratório entre os
protagonistas dita o ritmo do longa, o script é inteligente ao engajar o
espectador dentre os mistérios que cercam os protagonistas, envolvendo-o de
forma a refletir, repensar e se intrigar corrente as descobertas compartilhadas
entre as figuras em cena. Em contraparte, é sugestivo ao enfatizar específicas
informações e atitudes dos mesmos que um não fornece e esconde do outro, o que
leva o público a duvidar da integridade dos personagens e a veracidade de suas
falas.
Sem nunca tornar-se verborrágico, a película
cria uma excelente dinâmica entre seus dois principais rostos ratificado pelo
bom trabalho de interpretação, ou seja, os atores sabem se comportar contundentemente
às várias situações em tela, que vão desde eventos permeados por uma atmosfera
sutilmente cômica até o traumático e apreensivo drama e o enigmático suspense.
Ademais, ao optar pelo uso de flashbacks, que aqui é funcional, o filme leva o
espectador a conhecer melhor seus personagens, bem como o caminhar da
investigação sobre Jigsaw e os policiais responsáveis pelo caso (bem utilizados
e relevantes ao roteiro), sempre fornecendo dados pertinentes ao público sem se
deixar ficar demasiado expositivo.
Jogos Mortais, racional ao dosar sua verba em
elementos de real importância, é extremamente imersivo mediante a confecção
sórdida de suas ambientações relacionadas às vítimas, a maquiagem consoante o
passar dos acontecimentos e o estado de degradação física (sujeira, feridas e
palidez) em que as mesmas se encontram, além dos segmentos de maior agonia
referentes a determinados eventos impossíveis de se concretizar perante certos
impasses e empecilhos (como o alcançar de um celular a um metro de distância
impossibilitado por uma corrente ou a angústia de se falar por um celular com a
família feita refém e nada se poder fazer). Reiterando os míseros 1,2 milhões
de dólares gastos no longa, a equipe técnica teve de se contentar com moderados
baldes de sangue, o que atribui um ar de genuína aflição nos momentos mais
violentos, distante da agressividade gráfica tarantinesca, bem como não o é tão
visceral quanto seus pôsteres pode aparentar.
Clássico do horror moderno, Jogos Mortais é um
filme marcante por diversos motivos, seja por sua inesquecível música-tema (Hello Zepp), seu
singular modo de gravar determinadas cenas sob uma câmera frenética e insana
acentuada por uma trilha sonora grave ou até mesmo por seu aterrorizante e
icônico boneco. No entanto, seu principal aspecto remete ao memorável
"anti-herói" Jigsaw e sua filosofia de vida, resumindo, "aqueles
que não apreciam a vida não merecem viver". Agora, se você se pergunta o
porquê do uso da palavra anti-herói e não vilão ou antagonista, a resposta é
simples, isto é, visto que o anti-herói é um ser que oscila sobre a linha tênue
que separa o bem do mal, Jigsaw, apesar de seus jogos macabros, é o responsável
por salvar vidas, como dito por uma de suas próprias vítimas. Ademais, o mesmo
se encarrega pela limpa de inúmeros criminosos das ruas e pela mudança de
perspectiva de seus jogadores (por exemplo, o colocar de um ponto final num
vício), o que acarreta muita contradição conforme seus métodos e geralmente põe
o espectador a questionar sua moral. No mais, considerando que a identidade do
reputado maníaco ao longo de muito tempo é uma incógnita, o longa usufrui deste
fator a estimular a imaginação de seu público e criar um ar escuso a respeito
da fisionomia e histórico de Jigsaw.
Todavia, dentre seus muitos acertos, a película
peca no inconclusivo plot do Zep, no arco obsessivo do Tapp que poderia ter
sido mais bem explorado, na concepção da personagem Diana que nada mais sabe
fazer a não ser gritar pela mãe e em seu desfecho que, embora surpreendente e
brilhantemente arquitetado, deixa pendências que mereciam ser esclarecidas.
Jogos Mortais é atmosférico, desenvolve bem
seus personagens, sabe lidar com o reduzido orçamento, falha pouco, entretém, é
imprevisível e sabe incitar seu espectador.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica
(Adoro Cinema):
Data de lançamento (Brasil): 4 de fevereiro de 2005 (1h 44min)
Data de lançamento (Brasil): 4 de fevereiro de 2005 (1h 44min)
Direção: James Wan
Elenco: Leigh Whannell, Cary Elwes, Danny Glover…
Gêneros: Terror; Suspense
Nacionalidade: EUA
Avaliação:
IMDb:
7,7
Rotten:
49%
Metacritic:
46%
Filmow
(média geral): 3,7
Adoro
Cinema (usuários): 4,2
Kontaminantes (Matheus J. S.): 8
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