14 de setembro de 2019

Kontaminantes ☣ , Era Uma Vez Em... Hollywood , Drama-filme , Filmes ,

Era Uma Vez Em... Hollywood

Pôster


Adorado por uns e odiado por outros, é fato que o alarde acarretado pela estreia de um filme dirigido por Quentin Tarantino não pode ser ignorado. Nono longa do cineasta, Era Uma Vez Em... Hollywood é uma produção repleta de virtudes que se enquadra como a mais singular da carreira do diretor. Vamos descobrir o porquê!
Muitos das características que assinam o histórico de Tarantino se encontram na película, tais como: volumosos diálogos; gêneros distintos em consonância; violência escrachada; arcos paralelos sobre diferentes personagens etc. Todavia, o filme pode ser qualificado como o menos "tarantinesco" dos nove até então concebidos, haja visto que o cineasta opta por um enredo baseado em fatos praticamente isento de exageros e excessos narrativos, além de linear e fluido sem a típica divisão em capítulos que o respectivo tanto aprecia. A sanguinolência igualmente é comedida, e o roteiro calcado em eventos e personalidades reais, assim como trágicos, respaldam uma estória pragmática que tem os pés no chão muito mais do que o diretor está acostumado a trabalhar. Em outras palavras, Era Uma Vez Em... Hollywood é a obra mais pessoal, circunspecta, ímpar e desafiante da carreira de Quentin.
Nesse sentido, o longa articula-se como uma exuberante homenagem a Hollywood e a indústria cinematográfica e seus astros. Dito isso, o espectador é convidado a acompanhar três plots sobre indivíduos vinculados ao mundo do cinema que, de certa forma, se concatenam. Em um deles, protagonizado por Rick Dalton (DiCaprio), o entrecho desmistifica a visão popular do que é ser ator e expõe as várias dificuldades que norteiam a vida artística. Para tal, o público se vê imbuído nos conflitos do personagem, estes que vão desde crises de alcoolismo até um insuficiente desempenho profissional. É também sobre este arco que o script retrata a transição que Hollywood vivia no momento e como as mudanças decorrentes impactaram a vida de inúmeras pessoas do ramo. Ademais, Tarantino aproveita-se dos filmes e seriados falsos os quais o Rick integra o elenco para tecer diversas referências a sua própria cinebiografia, além de fazer uma ode às grandes influências de sua carreira - como o tradicional faroeste spaghetti - e reverenciar ícones e clássicos da sétima arte.
Concernente ao subnúcleo do Cliff Booth (Brad Pitt), a película, ao escrutinar a rotina do personagem como faz-tudo, explicita o contraste entre a vida de ator e dublê, além de enfatizar as atribulações diárias de uma classe que não raro é menosprezada nos bastidores da indústria cinematográfica. Entretanto, o plot da persona supracitada ganha destaque principalmente por conta do carisma da mesma e as distintas abordagens que a subtrama possibilita serem exploradas. Dentre elas, realça-se a polêmica representação do ator Bruce Lee (que rende uma sequência hilária, deve-se ressaltar), uma eficaz mescla de gêneros que permite o texto flertar com a mais pura comédia até o mais tenso suspense, e a introdução orgânica da "Família Manson" que posteriormente exerce suma relevância no enredo e serve como associação histórica a proliferação de movimentos hippies da época. Ou seja, nesse aspecto o script mostra-se assaz perspicaz ao adaptar os eventos reais dentro do cenário fictício e entrelaçar ambas correntes de modo inventivo e premeditado, o que, consequentemente, contextualiza o espectador menos informado e cria um palco propício para o desfecho sob os parâmetros estabelecidos pelo roteiro.
Com relação ao terceiro alicerce da película, este consumado pela personagem Sharon Tate, Era Uma Vez Em... Hollywood comete seus maiores deslizes. A priori, pode-se dizer que as recentes críticas direcionadas as poucas falas da figura em questão são justificadas, visto que a persona somente dança e nada mais faz do que esbanjar seus formosos atributos corpóreos. Isto é, mesmo que a intenção do entrecho seja a de retratar a atriz da maneira mais puritana e incólume possível, este peca ao não atribuir mais ações para a personagem efetuar, o que torna o arco da mesma, por ora, estafante, e afeta o ritmo do longa como um todo. (SPOILERS A SEGUIR) Ademais, ainda que a respectiva vertente narrativa não possua a mesma força e entusiasmo de suas tangentes, é sobre ela que se orquestra o clímax da obra, este arquitetado de modo a alterar os fatos que inspiraram o filme para, enfim, conceber um enorme tributo a memória de Sharon Tate; é belo, sensível e tocante. (FIM DOS SPOILERS)
No que se refere novamente ao Cliff e o Dalton, o longa impõe acerca destes uma dinâmica orgânica e bastante autêntica. Logo, quando ambos separam-se durante o segundo ato, a película perde uma parcela de sua impetuosidade, o que se intensifica perante muitas das sequências verborrágicas que, mesmo marcas registradas do diretor, são demasiado excedentes, tornando-se, portanto, fastidiosas. Nesse quesito, vale sublinhar que quarenta minutos a menos seriam suficientes para calibrar o texto. Em contraparte, o terceiro ato ostenta um equilíbrio tonal primoroso que, ademais de unificar os subnúcleos ramificados, oferece um extraordinário fecho banhado por litros de sangue que externa toda a violência até então acanhada; é uma visceralidade narrativa catártica que sela o filme ao melhor "estilo Tarantino".
Para contar essa gigantesca estória, a direção usufrui de uma série de artifícios engenhosos que conferem a mesma uma identidade própria. Em outras palavras, é comum o emprego de elementos extradiegéticos que transmitem ao assistente a ocorrência de um pensamento ou uma lembrança, permitindo assim uma maior imersão do público na vida dos personagens e, por vezes, ocasionando um efeito irônico conforme as contradições do que uma pessoa diz e o que realmente aconteceu. Outro recurso bastante acionado é o de enquadramentos que capturam apenas as costas dos protagonistas enquanto estes perambulam de carro pela cidade, o que, naturalmente, cria um laço de maior intimidade entre espectadores e personagens. Outrossim, o uso de cortes secos sinérgicos a um salto temporal de somente alguns segundos mostra-se uma ferramenta eficiente ao emular as várias tomadas de uma cena em um tradicional set de filmagens. Por outro lado, as arremetidas avulsas de uma narração em voice over são simplesmente dissonantes e desnecessárias.
Agregando todos os tópicos até então acentuados, encontra-se o distrito de Hollywood. Consistido com imane vigor e vivacidade, este tem todo o seu esplendor salientado por profusos âmbitos técnicos. Por conseguinte, ganha notoriedade uma trilha de presença constante que mantém-se esbanjando vitalidade e é composta por canções nostálgicas, esta que, aliada a ênfase concedida pela paleta de cores a tons quentes com realce para um caloroso amarelo, evoca o efervescente espírito do período emoldurado. No mais, cabe frisar a minuciosa confecção cenográfica que exalta as maravilhas estéticas de Hollywood e, concomitantemente, delineia as muitas locações utilizadas nas produções falsas que o longa apresenta.
Por fim, convém enaltecer as performances do elenco. DiCaprio, como de praxe, tem uma atuação brilhante que se baseia na oposição de sua frustração longe das câmeras com as incontáveis facetas que ele tem de incorporar quando diante dos holofotes; é uma atuação de imensa sagacidade que alcança seu auge com a volubilidade emocional manifestada pelo personagem. Já Pitt encarna com assaz conforto a ideia de um homem audaz, pujante, despojado, misterioso e extremamente carismático. Remetente ao desempenho cênico de Margot Robbie, não há muito o que se falar, exceto que a atriz trabalha bem e com consentaneidade mediante as limitações do texto que lhe é fornecido. Por sua vez, os ostensivos rostos coadjuvantes possuem participações tão pequeninas que se difunde a impressão de que poderiam ter sido mais bem aproveitadas.
Em suma, Era Uma Vez Em...Hollywood não é um filme para todos os gostos nem para todos os fãs de Tarantino, mas ainda assim é divertido, surpreendente e contagiante.
Matheus J. S.

Assista e Kontamine-se

Comente, Compartilhe e Siga Nosso Blog

Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 15 de agosto de 2019
Direção: Quentin Tarantino
Elenco: Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie…
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA

Sinopse (Google):
No final da década de 1960, Hollywood começa a se transformar e o astro de TV Rick Dalton e seu dublê Cliff Booth tentam acompanhar as mudanças.

Avaliação:
IMDb: 8,0
Rotten: 85%
Metacritic: 83%
Filmow (média geral): 3,9
Adoro Cinema (usuários/adorocinema): 3,3/3,0
Kontaminantes (Matheus J. S.): 7,5
Avaliação

Nenhum comentário:

Postar um comentário