- Quem nasce em Bacurau, é o quê?
- É gente.
A resposta dada por um menino à pergunta
supracitada sintetiza com simplicidade parte do escopo da obra de Kleber
Mendonça e Juliano Dornelles. Tão abrangente quanto incisivo em suas
empreitadas, Bacurau é fruto da melhor safra que o cinema nacional tem a
oferecer.
Primeiramente, no que diz respeito ao trecho
acima frisado, Bacurau é um filme que visa, essencialmente, enaltecer o
espírito brasileiro, sobretudo evidenciar ao mundo a humanidade que existe até
no mais recôndito dos lugares. Para tal, o roteiro abdica de um protagonista
específico e centraliza uma pequenina cidade do interior pernambucano, fazendo
de seus simplórios cidadãos gladiadores na luta contra o preconceito e a
discriminação étnico-racial.
Dito isso, a forma com que a cidade é
apresentada exerce suma influência no envolvimento do espectador na trama e,
principalmente, no relacionamento que virá a se estabelecer entre público e
personagens. Em outras palavras, a cadência paulatina do primeiro ato dedica-se
a familiarizar o assistente ao cotidiano daquelas pessoas e o modus operandi
da região, enquanto, paralelamente, a inserção de elementos minimalistas e
enigmáticos fomenta as camadas mais intrigantes do texto.
Outrossim, no que concerne a concepção estética
da cidade de Bacurau, Mendonça e Dornelles procuram extrair o mais
autenticamente possível a identidade do povo nordestino que, para todos os
efeitos, representa a impermista efígie do semblante tupiniquim. Nesse sentido,
a aridez do povoamento e as altas temperaturas do mesmo desenham visualmente
uma região tipicamente brasileira, ao passo que tais aspectos singularizam,
concomitantemente, um famoso gênero cinematográfico que teve seu auge durante a
segunda metade do século passado: o western.
Posto isto, a mão da direção também é notória
no que se refere à mescla de tons pela qual o longa passeia. Desde o já
mencionado western, são comuns os flertes da película com o sci-fi,
o drama, suspense e ação. Desse modo, realça-se a confecção atmosférica que
estima um senso de remanso que prediz a tempestade, enquanto os segmentos mais
violentos caracterizam uma visceralidade gráfica pontuada pela concisão com que
é empregada.
Entretanto, discorrer sobre Bacurau sem pautar
as principais críticas que o roteiro agrega seria um pecado imane. Isto é,
quando sob análise, percebe-se que o grande alvo do filme não se encontra posto
em um grupo ou uma pessoa, mas sim em uma ideia amplamente disseminada pelo
exterior que apregoa uma falsa perspectiva dos valores e atributos nacionais.
Não raras são as vezes que a nação verde e amarela é ridicularizada em mídias
estrangeiras, fazendo-se prezar um perfil estereotipado do povo canarinho.
Nesse cenário, a falta de ambiguidade dos
vilões reflete a repulsiva intolerância pregada pelos mesmos. Tangentes a
ideais xenofóbicos, o ódio e a presunçosa superioridade semeada pelos
antagonistas leva o espectador a reflexões pertinentes, tais como: o que os faz
pensar que são superiores a nós? O que os diferencia dos mais cruéis e
extremistas genocidas da história, como Hitler, Stalin e Gengis Khan? Em
contraparte, os heróis de Bacurau destacam-se pela complexidade de seus arcos,
o forte caráter e a pujante presença em tela, sendo Domingas, Lunga e Pacote os
principais expoentes.
Por fim, as alfinetadas narrativas não se
resumem somente aos gringos. A putrefação política que há anos assola o país
ganha ênfase sob a pele do prefeito Tony Júnior, encorpando em uma só pessoa
todos os governantes que vendem sua terra mãe para os estrangeiros, desde
matérias-prima até o povo em si. No mais, o plot dos forasteiros, por
sua vez, critica uma segregação regional existente dentro do próprio Brasil.
Em suma, Bacurau é uma obra mordaz, bem
ajambrada e socialmente relevante que representa a apoteose do cinema nacional.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 23 de agosto de 2019
Direção: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
Elenco: Sônia Braga, Udo Kier, Barbara Colen…
Gênero: Suspense
Nacionalidades: Brasil e França
Sinopse (Google):
Os moradores de um pequeno povoado do sertão
brasileiro, chamado Bacurau, descobrem que a comunidade não consta mais em
qualquer mapa. Aos poucos, percebem algo estranho na região: enquanto drones
passeiam pelos céus, estrangeiros chegam à cidade.
Avaliação:
IMDb:
8,6
Rotten:
90%
Metacritic:
82%
Filmow
(média geral): 4,4
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,8/3,5
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 9,5
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