Sinônimo de qualidade, em 2014 a HBO
apresentava The Leftovers ao mundo, infelizmente com menor repercussão do que
deveria, afinal sua temporada de estreia já justificava a reputação da
emissora.
Uma série que tem como princípio o repentino
desaparecimento de 2% da população mundial já é intrigante por si só, pois o
que aconteceu com essas pessoas? Para onde elas foram? Por que elas? No
entanto, The Leftovers deixa estas questões em segundo plano e trata como
prioridade os seres humanos deixados para trás, empreitada inteligente que
permite com que o espectador trabalhe sua imaginação e a série caminhe com os
pés no chão. Em meio a este cenário, o programa opta por um ritmo mais lento
que possibilita uma natural compreensão e afeiçoamento do assistente para com
os personagens e seus dilemas, além de paulatinamente o permitir apresentar as
consequências propiciadas pelo fatídico dia, sejam pessoal ou socialmente
falando. Ao invés de estampá-las todas de uma vez em um único episódio, a
sutilidade com que o roteiro as dispõe adere imensa espontaneidade diegética,
seja no nascer de um culto aqui, de uma religião ali, de uma profissão lá ou de
aspectos burocráticos acolá. Embora a princípio confusas, tais mudanças de
costumes sociais e culturais não são explicadas ao público e basta ao mesmo se
habituar e compilar as informações que gradativamente lhe são dadas, muitas até
contraditórias e questionáveis, mas são estes fatores que fazem da série tão
real. Entretanto, por outro lado, determinadas pendências acabam por ser frustrantes.
Vamos entender.
(SPOILERS A SEGUIR) Wayne, personagem de grande realce na
temporada, é o principal impulsor do arco do Tom, mas não por isso ele tanto se
destaca, mas sim pelos mistérios que rondam sua idiossincrasia. Supostamente capaz
de curar a dor das pessoas, de hábitos estranhos, frases e planos ainda mais
esquisitos, a icônica figura alavanca eventos de suma relevância sempre acercados
por diversas dúvidas que jamais se esclarecem. É insatisfatório, decepcionante,
você acaba por acompanhar toda a jornada de um personagem que em seu desfecho
não faz sentido e não lhe fornece sequer uma resposta, fica a impressão de que
os produtores não souberam o que fazer dos respectivos plots e simplesmente
deixaram questões no ar para criar um falso senso de mistério. O mesmo acontece
com o arco do Kevin referente à sua sugestiva paranoia, arco que jamais toma um
rumo concreto e se vê permeado por aspectos oníricos e simbólicos extremamente
complexos e confusos, sem falar do constante flerte da série com o sobrenatural
que também nunca se espairece. Muitos personagens igualmente não têm a duração
em tela justificada, como Aimee, Meg, Dean e o Kevin pai, personas
frequentemente sublinhadas que não correspondem ao tempo em cena com que são
beneficiadas. Pior ainda ocorre com Nora e Matt que são privilegiados cada um
com um episódio individual que na completude da temporada se veem deslocados em
comparação a outras figuras - pode-se usar como desculpa a importância a ambos
atribuída na temporada seguinte, como se este primeiro ano servisse para semear
o terreno, mas que de qualquer maneira, analisando esta 1ª temporada como
material único, não funcionou -, sendo que tais episódios se mostram inorgânicos
a cadência até então imposta.
Em contraparte, os Remanescentes Culpados -
culto mais popular do programa - ao longo de toda a temporada se responsabiliza
por marcantes eventos e enigmas, muitos respondidos e outros não, como o
próprio nascimento, hierarquia do grupo e determinados métodos de rotina.
Todavia, o que o diferencia dos nomes citados mais acima, é que a essência, o
propósito dos mesmos se desvela e vem a desempenhar um importante papel. 'Se
lembrar' é o objetivo deles, se lembrar dos que partiram e enfrentar a perda, o
que contrasta com os ideais da população em geral que só quer se esquecer do
que aconteceu e seguir em frente, mesmo que impossível. (FIM DOS SPOILERS) É esta vertente a qual
The Leftovers trabalha com primor, a crescente dramaticidade de sua estória e
de seus personagens, como é nítido ao correr do episódio “The Garveys at Their
Best” que explora suas figuras centrais anteriormente ao dia 14 e expõe todas
suas contendas, deixando claro que as pessoas sempre tiveram conflitos e o
terrível acontecimento só serviu para acentuar o que elas já sentiam: culpa,
remorso, ódio, infelicidade e um incessante vazio. Este vazio chega a ser
palpável em Jill, possivelmente a personagem mais melancólica da série que, em
contraposição aos fatores ressaltados, reflete a perda da inocência frente ao desalento
dum iminente e implacável abatimento emocional e procura refúgio nas odisseias
do mundo adolescente. A atuação de sua intérprete Margaret Qualley também
merece nota, visto que, embora de primeira vista esteja bem apática, logo se
percebe que a performance corrobora totalmente à personalidade proposta, sem falar que a atriz é magnífica e prova
todo seu talento aos céticos no filme Noviciado de 2017.
No mais, The Leftovers se encarrega duma boa
trilha sonora eclética e uma veia cômica cumeada pelo círculo de colegas da
Jill, especialmente os gêmeos Scott e Adam que rendem momentos hilários sempre
bem-vindos a destoar do caráter pessimista da jovem moça.
A 1ª temporada de The Leftovers, em suma, é
bastante humana, exige muita paciência, faz muitas acometidas, porém nem todas
dão certo, realiza mais perguntas do que as responde e propõe interessantes
reflexões.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Primeiro episódio: 29 de junho de
2014
Episódio final: 4 de junho de
2017
Criado por: Damon Lindelof e Tom
Perrotta (2014)
Com: Justin Theroux, Amy
Brenneman, Christopher Eccleston…
País: EUA
Gênero: Drama
Status: Finalizada
Duração (aproximadamente): 60
minutos
Sinopse:
Sinopse:
Durante um dia
aparentemente comum, repentinamente 2% da população mundial desaparece.
Avaliação (1ª Temporada):
IMDb
(2014-2017): 8,2
Rotten:
81%
Metacritic:
65%
Filmow
(média geral): 4,2
Adoro
Cinema (usuários): 3,7
Kontaminantes (Matheus J. S.):
7,5
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