Consoante a enxurrada de filmes e séries
apresentada pela Netflix todo mês, é impossível acompanhar tudo e inevitável
que certas preciosidades passem despercebidas. Pois bem, este é o caso de
Atypical, produção original do serviço de streaming que merece muito mais
atenção e alarde do que vem recebendo.
Dentre seus grandes trunfos, o desenvolvimento
de uma estória leve em prol da confecção de reflexões extremamente atuais e
relevantes certamente se mostra um de seus principais pontos. Fomentada por uma
trilha sonora lúdica e versátil na transição de suas tonalidades (ênfase para o
toque de Cane Shuga do Glass Animals), breve duração dos
episódios, personagens carismáticos e hilárias analogias feitas por Sam relacionadas
a típicos eventos de seu cotidiano, Atypical propõe a comicidade como cerne da leveza
de seu roteiro, e é uma aposta extremamente eficaz desenvolta com proficiência.
Isto é, sem deixar-se levar pela morbidez dos temas apresentados, a série
imprime o bom-humor como veículo de comunicação ao espectador, deixando-o
pensar e questionar sem o peso alarmante de sequências densas, o que permite
uma maior amplitude de público e uma trajetória light que, mental e
emocionalmente, cobra pouco de seu assistente.
Esta ínfima cobrança não mostra-se um aspecto
negativo, muito pelo contrário, é um eficiente gatilho estrutural que, ao passo
que se expõe situações penosas, vê a jocosidade tecer um dueto narrativo que
torna o entrecho mais palatável e contagiante. Tal jocosidade é efetuada de
forma fluida, seja nas várias circunstâncias cômicas que permeiam as atividades
diárias de Sam e sua família - estas de fácil assimilação do espectador
conforme o tom rotineiro do enredo -, seja nos modos e costumes singulares de
Sam inerentes a seu autismo que geralmente vão contra os padrões de normalidade
social. Esta acometida só demonstra eficácia por conta do elo estabelecido
entre público e protagonista que vai além das metáforas feitas por Sam envolvendo
pinguins e a Antártida, abrangendo desde uma narração em voice over que possibilita
uma maior compreensão e proximidade com o personagem, até a utilização de uma
estética que esporadicamente enaltece a concentração de sons, luzes e uma
câmera inquieta com enfoque em planos fechados que põe o assistente sob a mesma
perspectiva do Sam ao lidar com as angústias que o afligem.
É a partir desta imersão diegética que se
articula as críticas da série, estas voltadas ao bullying, exclusão social,
pressão a se seguir parâmetros considerados bem-vistos e avaliados, e a incessante
necessidade de ser aceito que contrastam com as mensagens de igualdade, empatia,
individualismo como forma de reiterar suas próprias qualidades e inclusão independente
das diferenças. Atypical, sobretudo, é um minucioso estudo de personagem que trata-se
das descobertas de um adolescente que recém-adentrou a fase adulta, como este encara
a sociedade imbuída por preconceitos, e como encara a si mesmo. Nesta
arremetida, a série é divertida e delicada ao representar todas as dificuldades
enfrentadas e vencidas por um jovem "deslocado" absorto por um
mundo que se mostra repleto de experiências a serem exploradas, mesmo com todos
empecilhos e contratempos a serem sobrepostos; assim sendo, Atypical é um belo e
inspirador exercício de autoconhecimento.
Todavia, Atypical não é apenas sobre Sam, mas também
sobre como seus familiares se portam tendo um autista em seu círculo de convívio.
Para execução da respectiva acometida, o programa dosa conscientemente um tempo
significativo para a ideal abordagem de seus arcos, cada qual destrinchando as diversas
facetas sentimentais humanas que vão desde culpa, rancor e solidão, até a mais
radiante felicidade, alegria e estima. Os personagens secundários também estão
bem, realce para Zahid que proporciona alguns dos momentos mais engraçados da
temporada, e para Julia, figura simpática quando adjacente ao plot central, mas
que jamais funciona quando o script tenta lhe atribuir camadas; é uma
personagem que nunca encontra seu lugar e acaba saturando a trama. Ademais, vale
ressaltar que a dinâmica entre as personas é simplesmente incrível, orgânica e cativante.
As interpretações em Atypical são outro grande
destaque. Keir Gilchrist está impecável como Sam, seja nas particularidades gestuais,
maneirismos, trejeitos e hábitos que englobam seu espectro autismo, nas
expressões faciais que delatam uma personalidade confusa e acanhada, contudo sedenta em
se fazer parte do grupo, bem como na maleabilidade de sentimentos e na transparência
de conflitantes e reprimidas emoções que o acompanham diariamente; não há como o
espectador desacreditar que ele é um garoto ímpar que, acima de tudo, busca entender
e ser entendido pelo universo que o cerca. Jennifer Jason Leigh incorpora com
aptidão uma mãe exaurida que jamais pode se mostrar abalada ou vulnerável, que
não consegue se desvencilhar de suas preocupações e receios maternos, porém que
se mantém atenciosa e amável com a família, ainda que sufocada na própria
rotina e em dilema com suas escolhas; todos seus medos e anseios chegam
a ser palpáveis. Brigette Lundy-Paine convence na pele da irmã afável,
irritante e superprotetora, que se chateia por ser frequentemente deixada de
lado, mas que compreende as necessidades do irmão, e Michael Rapaport não
compromete como um pai em descoberta do próprio posto e na admissão de seu
filho.
No mais, Atypical desponta como uma das
melhores séries da Netflix, que preza pautas de suma
relevância social e que pode ser vista e debatida por todo e qualquer tipo de
público.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Primeiro episódio: 11 de agosto
de 2017
Criado por: Robia Rashid
Com: Keir Gilchrist, Jennifer
Jason Leigh, Brigette Lundy-Paine…
País: EUA
Gênero(s): Comédia; Drama
Status: Em Andamento
Duração (aproximadamente): 30
minutos
Sinopse (Netflix):
Quando um adolescente com traços de autismo
resolve arrumar uma namorada, sua busca por independência coloca a família toda
em uma aventura de autodescoberta.
Avaliação (1ª Temporada):
IMDb (2017-
): 8,3
Rotten:
76%
Metacritic:
66%
Filmow
(média geral): 4,3
Adoro
Cinema (usuários): 3,5
Kontaminantes (Matheus J. S.):
9,5
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