6 de setembro de 2018

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Secretária

Pôster


Enquanto os holofotes hollywoodianos da atualidade se voltam para blockbusters eróticos e vazios como Cinquenta Tons de Cinza, obras do gênero realmente relevantes tornam-se cada vez menos lembradas e discutidas. É o caso de Secretária, filme de 2002 dirigido por Steven Shainberg que, mesmo após anos de seu lançamento, continua reflexivo e digno de pautas cinéfilas.
Secretária não é uma produção de cinematografia sofisticada e memorável, direção ímpar e arrojada ou plot twists inesquecíveis e mirabolantes, mas sim de fabulosa construção de personagens. Tendo como protagonista uma jovem mulher com tendências a se autoflagelar, o longa procura esmiuçar os elementos idiossincráticos da mesma, e o faz com primor, afinal, mais que uma película sobre "sexo", Secretária é um brilhante estudo de personalidade. Começando pelas punições físicas que impõe a si mesma como forma catártica de lidar com suas angústias emocionais, Lee Holloway encontra na figura do advogado E. Edward Grey uma válvula de escape para todos seus anseios, e é neste ponto em que o filme é magistral, na transição de sua protagonista tímida a uma ousada mulher sadomasoquista.
Tal desenvolvimento é concebido de forma lenta, mas inteligente, a começar por sugestivos sorrisos e olhares que logo se transformam em desejos mais singulares. Aqui, os detalhes também possuem enorme peso, já que Lee, a princípio, é uma moça bastante envergonhada, como se constata em seu porte introspectivo, seja no modo curvado e desengonçado com que anda, cafona com que se veste, acanhado com que fala, ansioso com que batuca o pé e nervoso com que inspira, além de outros determinados trejeitos que acentuam seu caráter retraído. Claro que o magnífico trabalho de Maggie Gyllenhaal só corrobora para ênfase de tal comportamento, este que gradativamente passa a tomar formas concupiscentes.
Voltando a ressaltar, é espetacular o modo com que o roteiro canaliza os confrontos de Lee e seu cotidiano monótono em libido, visto que esta empreitada abre margem para interpretações filosóficas e até psicanalíticas acerca de Freud e suas teorias de como o sexo é um impulsor natural para as atividades rotineiras. Ademais, moldam-se na cabeça do espectador questões sobre os conceitos de amor, obsessão, prazer, sensualidade e fetichismo. Retomando o gancho acima, o longa, entretanto, peca ao ceder pouco tempo de tela ao âmbito conflituoso familiar de Lee (principal causador de suas contendas internas), considerando que este possui enorme papel em sua vida e é, em si, pouco explorado.
Ok, até agora o nome de Lee já foi várias vezes citado, mas e o de Edward, personagem de similar importância? O Sr. Grey, convincentemente interpretado por James Spader, é uma figura multidimensional que se alterna entre controlador, reticente, maquiavélico, sensível, lascivo... a volatilidade com que se apresentam suas facetas faz com que o público jamais tenha certezas sobre suas intenções e motivações, o que só torna o personagem ainda mais ambivalente. A química entre Grey e Lee é muito boa, reflete as nuances realçadas e possui o grau de complexidade esperado sem se submeter a cenas de sexo baratas, embora a película derrape em seus minutos derradeiros e forneça ao casal um desfecho clichê recheado de decisões rasas, nudez gratuita e acontecimentos fã-service.
Como já dito, Secretária é um filme de direção convencional que não se destaca em aspecto técnico algum, de trilha sonora consentânea e que será lembrado principalmente por algumas sequências bastante icônicas do entrecho. No mais, o longa se encarrega, durante alguns momentos, duma narração em voice over completamente desnecessária, visto que esta exprime exatamente o que já está se vendo em tela.
Em suma, Secretária tem mais qualidades do que defeitos, é impudico ao que se propõe e merece ser assistido por todo aquele que não tem medo de pensar.
Matheus J. S.

Assista e Kontamine-se

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Ficha Técnica (Adoro Cinema):
Data de lançamento (Brasil): 29 de agosto de 2003 (1h 44min)
Direção: Steven Shainberg
Elenco: James Spader, Maggie Gyllenhaal, Jeremy Davies…
Gêneros: Comédia; Romance; Erótico
Nacionalidade: EUA

Sinopse (Google):
Lee Holloway, uma jovem com um histórico severo de problemas emocionais, recebe alta de um hospital psiquiátrico e volta à casa dos pais. Ela arranja emprego como secretária de um advogado exigente, E. Edward Grey, e começa a namorar Peter, um rapaz gentil mas sem graça. Lee acaba entrando numa relação sadomasoquista com Grey.

Avaliação:
IMDb: 7,0
Rotten: 77%
Metacritic: 63%
Filmow (média geral): 3,5
Adoro Cinema (usuários): 3,5
Kontaminantes (Matheus J. S.): 7
Avaliação

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