Enquanto os holofotes hollywoodianos da
atualidade se voltam para blockbusters eróticos e vazios como Cinquenta Tons de
Cinza, obras do gênero realmente relevantes tornam-se cada vez menos lembradas
e discutidas. É o caso de Secretária, filme de 2002 dirigido por Steven
Shainberg que, mesmo após anos de seu lançamento, continua reflexivo e digno de
pautas cinéfilas.
Secretária não é uma produção de cinematografia
sofisticada e memorável, direção ímpar e arrojada ou plot twists inesquecíveis
e mirabolantes, mas sim de fabulosa construção de personagens. Tendo como
protagonista uma jovem mulher com tendências a se autoflagelar, o longa procura
esmiuçar os elementos idiossincráticos da mesma, e o faz com primor, afinal,
mais que uma película sobre "sexo", Secretária é um brilhante estudo
de personalidade. Começando pelas punições físicas que impõe a si mesma como
forma catártica de lidar com suas angústias emocionais, Lee Holloway encontra
na figura do advogado E. Edward Grey uma válvula de escape para todos seus anseios,
e é neste ponto em que o filme é magistral, na transição de sua protagonista
tímida a uma ousada mulher sadomasoquista.
Tal desenvolvimento é concebido de forma lenta,
mas inteligente, a começar por sugestivos sorrisos e olhares que logo se
transformam em desejos mais singulares. Aqui, os detalhes também possuem enorme
peso, já que Lee, a princípio, é uma moça bastante envergonhada, como se
constata em seu porte introspectivo, seja no modo curvado e desengonçado com
que anda, cafona com que se veste, acanhado com que fala, ansioso com que
batuca o pé e nervoso com que inspira, além de outros determinados trejeitos
que acentuam seu caráter retraído. Claro que o magnífico trabalho de Maggie
Gyllenhaal só corrobora para ênfase de tal comportamento, este que
gradativamente passa a tomar formas concupiscentes.
Voltando a ressaltar, é espetacular o modo com
que o roteiro canaliza os confrontos de Lee e seu cotidiano monótono em libido,
visto que esta empreitada abre margem para interpretações filosóficas e até
psicanalíticas acerca de Freud e suas teorias de como o sexo é um impulsor
natural para as atividades rotineiras. Ademais, moldam-se na cabeça do
espectador questões sobre os conceitos de amor, obsessão, prazer, sensualidade
e fetichismo. Retomando o gancho acima, o longa, entretanto, peca ao ceder
pouco tempo de tela ao âmbito conflituoso familiar de Lee (principal causador
de suas contendas internas), considerando que este possui enorme papel em sua
vida e é, em si, pouco explorado.
Ok, até agora o nome de Lee já foi várias vezes
citado, mas e o de Edward, personagem de similar importância? O Sr. Grey,
convincentemente interpretado por James Spader, é uma figura multidimensional
que se alterna entre controlador, reticente, maquiavélico, sensível, lascivo...
a volatilidade com que se apresentam suas facetas faz com que o público jamais
tenha certezas sobre suas intenções e motivações, o que só torna o personagem
ainda mais ambivalente. A química entre Grey e Lee é muito boa, reflete as
nuances realçadas e possui o grau de complexidade esperado sem se submeter a
cenas de sexo baratas, embora a película derrape em seus minutos derradeiros e
forneça ao casal um desfecho clichê recheado de decisões rasas, nudez gratuita e
acontecimentos fã-service.
Como já dito, Secretária é um filme de direção
convencional que não se destaca em aspecto técnico algum, de trilha sonora
consentânea e que será lembrado principalmente por algumas sequências bastante
icônicas do entrecho. No mais, o longa se encarrega, durante alguns momentos,
duma narração em voice over completamente desnecessária, visto que esta exprime
exatamente o que já está se vendo em tela.
Em suma, Secretária tem mais qualidades do que
defeitos, é impudico ao que se propõe e merece ser assistido por todo aquele
que não tem medo de pensar.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
Comente, Compartilhe e Siga Nosso Blog
Ficha Técnica (Adoro Cinema):
Data de lançamento (Brasil): 29 de agosto de 2003 (1h
44min)
Direção: Steven Shainberg
Elenco: James Spader, Maggie
Gyllenhaal, Jeremy Davies…
Gêneros: Comédia; Romance;
Erótico
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Google):
Lee Holloway, uma jovem com um histórico severo
de problemas emocionais, recebe alta de um hospital psiquiátrico e volta à casa
dos pais. Ela arranja emprego como secretária de um advogado exigente, E.
Edward Grey, e começa a namorar Peter, um rapaz gentil mas sem graça. Lee
acaba entrando numa relação sadomasoquista com Grey.
Avaliação:
IMDb:
7,0
Rotten:
77%
Metacritic:
63%
Filmow
(média geral): 3,5
Adoro
Cinema (usuários): 3,5
Kontaminantes (Matheus J. S.): 7
Nenhum comentário:
Postar um comentário