Além de ostentar em seu currículo um dos Oscar
de Melhor Filme mais controversos da história, Guerra ao Terror também pode se
vangloriar por ser a única produção já feita dirigida por uma mulher a levar
para casa a estatueta de Melhor Direção, o que igualmente gera repercussões até
hoje pertinentes a qualidade de seu trabalho. Agora, será que todo o alarde em
torno das respectivas premiações é justificado, ou Guerra ao Terror é realmente
uma obra superestimada pela Academia?
Curto e brusco, Guerra ao Terror está longe de
ser uma obra-prima. Discorrendo primeiramente sobre o cenário em que se passam
os acontecimentos, o longa peca ao não efetuar, em momento algum, uma
contextualização sobre o porquê de soldados estadunidenses estarem heroicamente
desarmando bombas no Iraque. Claro que na época de lançamento (2008) esta
pudesse ser uma questão bem óbvia, mas o roteirista tinha de estar ciente que a
produção envelheceria e que todo tipo de público teria contato com esta, desde
leigos a assistentes mais bem informados, o que torna necessário ao menos um
breve espairecimento histórico e político a respeito.
A confecção individual dos personagens também é
falha, calcada em estereótipos unidimensionais do gênero que moldam o típico
trio popular do cinema: James é obstinado, impávido e inconsequente (o líder e
mais carismático aos olhos do espectador), Sanborn já é mais precavido e
austero (aquele que o assistente tende a desgostar consoante a personalidade
sensata e pragmática), enquanto Eldridge é bastante inseguro e temerário (o
"covarde" do grupo que é visto com indiferença por todos). Contanto,
embora a película ensaie tentativas de atribuir camadas principalmente a James
e Sanborn durante o terceiro ato, a arremetida é equívoca, pois é demasiado
tardia e não possibilita um imarcescível desenvolvimento de personagens que
poderia se articular tranquilamente ao longo das duas horas e onze minutos de
filme.
O mesmo acontece com a enfática frase inicial
do longa que só vem a reverberar em seus instantes derradeiros, o que,
consequentemente, não surte efeito, transparece um trabalho mal-ajambrado que
não soube lidar com suas próprias mensagens e que decidiu por anexar ao seu
fim, de modo apressado, algumas cenas só para justificar a tal frase. Até mesmo
os sutis elementos sugestivos que a película introduz ao seu correr, não são
suficientes para embasar o desfecho apinhado de exposição conceitual barata
que, até então, somente fora suscitado; torna-se discrepante.
Guerra ao Terror, contudo, não deixa de possuir
proficiências. A começar pela fantástica e verossímil ambientação, o filme é
brilhante na composição de seus cenários áridos, poeirentos e escaldantes, bem como
na caracterização incômoda das figuras em tela agasalhadas por camadas de
tecidos e equipamentos que realçam a atmosfera extremamente quente e abafada
enfrentada pelos soldados, visto que estes se encontram sob impiedosos céus
ensolarados. Corroborando, destaca-se o suor e a sujeira que se impregna em
suas peles, bem como a indesejável presença de insetos voadores que
excepcionalmente lhes visitam. São estes detalhes, em harmonia com o tom
documental ratificado pelo uso da câmera manual, cenas freneticamente
movimentadas e entrecortadas, que fazem de Guerra ao Terror uma obra
cinematograficamente bastante genuína, isto sem falar da abordagem lenta e
minuciosa das missões que agregam a mesma um caráter de elevado realismo que
difere dos convencionais parâmetros hollywoodianos.
Todavia, nada disso seria possível sem a boa
performance dos atores. Todos os três cumprem bem os rótulos a si designados
citados mais acima, além de corresponderem bem à transição de clima que o filme
imprime a suas personas, como nas sequências de maior angústia, anseio,
descontração e até exaustão física. Individualmente falando, Jeremy Renner
convence como um impulsivo profissional acostumado a lidar com bombas, Anthony
Mackie incorpora com consentaneidade um sisudo soldado que tem seus momentos de
catarse emocional, e Brian Geraghty está bem como um militar "chorão"
que a todo segundo receia pela própria vida.
Guerra ao Terror, sobretudo, também é uma
produção bastante apreensiva. Exaltando a magistral direção de Kathryn Bigelow,
a cineasta esbanja aptidão ao conceber os palcos narrativos visando ilustrar a
tensão inerente ao trabalho exercido pelos soldados estadunidenses,
considerando que estes se encontram em território desconhecido, onde se fala
uma língua distinta e qualquer um pode ser um detonador, o que se enaltece pelo
estratégico enfoque da câmera em cidadãos aleatórios que faz de todos supostos
suspeitos. Ademais, os cenários pós-explosão demonstram o mesmo senso
apreensivo ao frisar abrupto caos visual e repentino e fúnebre silêncio
aliado a outros imprevisíveis, potenciais e mortais infortúnios, além da
execução, em concílio, dos magistrais efeitos práticos ao representar explosões
e habitações detonadas, e da maquiagem na confecção de corpos mutilados e
dilacerados. Entretanto, Kathryn erra ao criar presunçosos segmentos em slow
motion que nada têm a dizer e nem esteticamente funcionam; acabam por ser
simplesmente estranhos e anticlimáticos.
Em suma, Guerra ao Terror é quase que
tecnicamente irretocável, porém comete deslizes em seu roteiro e na tecelagem
de seus personagens.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
Comente, Compartilhe e Siga Nosso Blog
Ficha Técnica (Adoro Cinema):
Data de lançamento (Brasil): 5 de
fevereiro de 2010 (2h 04min)
Direção: Kathryn Bigelow
Elenco: Jeremy Renner, Anthony
Mackie, Brian Geraghty…
Gêneros: Guerra; Ação; Drama
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Google):
O sargento William James, sargento J.T. Sanborn
e o especialista Owen Eldridge são membros do esquadrão antibombas do exército
norte-americano em Bagdá. Quando o fim de sua missão se aproxima, o número de
situações perigosas aumenta, fazendo com que qualquer um deles possa perder sua
vida em um piscar de olhos.
Avaliação:
IMDb:
7,6
Rotten:
97%
Metacritic:
94%
Filmow
(média geral): 3,5
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,7/3,5
Kontaminantes (Matheus J. S.): 7
Nenhum comentário:
Postar um comentário