9 de setembro de 2018

Kontaminantes ☣ , Projeto Flórida , Drama-filme , Filmes ,

Projeto Flórida

Pôster


Para muita gente, a imagem dos EUA é instantaneamente atrelada à fartura e felicidade, riqueza e prosperidade. Todavia, diferentemente do que a mídia impõe e a maioria dos filmes hollywoodianos suscita, a realidade de um número bastante alto de pessoas das terras do Tio Sam é bem diferente. E é neste apanhado que Projeto Flórida foca e procura explorar.
Prezando o raciocínio imposto acima, um dos pontos altos de Projeto Flórida é que este não aborda um grupo étnico específico como muitos outros longas fariam, a produção simplesmente abrange toda classe média baixa independentemente de cor, idade ou qualquer outro fator que possa criar segregações. Tal proposta resulta-se precisa, considerando que o intuito é representar de forma verossimilhante todo um estrato financeiramente desprivilegiado e socialmente apartado além das restrições que muitas vezes os polariza.
É neste cenário, de fácil identificação do brasileiro comum, que se articula o entrecho, este imbuído por um forte senso de rotina que facilita o vínculo com o espectador. Projeto Flórida é uma produção de enredo modesto, e por isso é tão eficaz, pois, ao invés de tecer duras críticas ao capitalismo e a desigualdade social, a película simplesmente apresenta as deficiências do ambiente de convívio dos personagens (violência, desemprego, drogas, prostituição...) e permite com que o público tire suas próprias conclusões.
O trabalho de direção é categórico ao salientar as respectivas empreitadas, já que, para confecção do palco narrativo, Sean Baker utiliza colorações oníricas (predominantemente lilás e roxo) que exercem brilhante contraste com os temas de índole nociva apresentados. É nesta mesma acometida que se justifica a localização da Disney World próxima ao hotel em que se passa o filme, visto que o fabuloso e mágico parque americano glamourizado ao redor do mundo reflete toda a ironia duma nação imperfeita também permeada pela miséria.
Projeto Flórida, entretanto, não se limita e mostra-se igualmente magistral na concepção de relacionamentos entre seus personagens. A dinâmica entre as crianças que protagonizam praticamente todo o primeiro ato é fluida, autêntica e contagiante, seja no modo singelo e até cômico com que encontram diversão, seja na inocência apresentada perante situações adultas. É nesta arremetida que se alavanca a complexa e genuína relação maternal entre Moonee e Halley, uma relação de mútuo afeto e amor que é conspurcada por eventos perniciosos imanentes a penúria que permeia o cotidiano de ambas e obriga a mãe a tomar atitudes comprometedoras para sobreviver. A imaturidade de Halley ao lidar com o posto materno é evidente, porém, ao passo que o assistente julga a maneira e as imprudências com que a jovem encara o cargo, também compreende e se sensibiliza com os aspectos que agregam toda a formação de sua personalidade que a fizeram ser o que é.
Reiterando novamente as crianças mencionadas e o vínculo entre Halley e Moonee, embora o longa demore um pouco para estabelecer a diretriz em ambas e a partir do segundo ato as personas puerícias sejam deixadas de lado, praticamente os primeiros 40 minutos de produção são eficientes ao moldar elos entre as figuras em tela, ambientar o espectador e introduzir o ritmo que a ditará. Aproveitando o gancho, há um personagem, ainda não citado, que igualmente serve de alicerce para o roteiro: Bobby. Solícito, carismático e espontâneo, o gerente do hotel funciona como uma espécie de incorporação do assistente, visto que este acompanha a maioria dos eventos ocorridos e se apieda das calamitosas circunstâncias que os englobam, porém, ainda que tenha influência em alguns, assim como o público ele é impotente na execução dos de maior relevância.
Além do tom documental e os cortes secos que elevam o caráter realista da película, as atuações são fundamentais para sacramentar a humanidade presente no cerne do enredo. Willen Dafoe – frequentemente intérprete de vilões e antagonistas – está fantástico na pele dum homem diligente, que zela e se importa pelo povo de seu hotel... sua complacência é perceptível nas mínimas ações e no comportamento cortês e obsequioso que utiliza para lidar com as pessoas que julga estar sob sua responsabilidade. Já Bria Vinaite, como Halley, é completamente o oposto, impulsiva, mal-educada e constantemente impulsora de arruaças, todavia, quando o texto exige, a atriz também é brilhante ao se alternar entre abatida e explosiva. Já Brooklynn Prince, estreante de 7 anos e já detentora do troféu de Melhor Atriz Jovem no Critics’ Choice Awards 2018, destrói como uma garotinha sagaz em suas artimanhas que reflete alguns maneirismos da mãe e sua forte personalidade; quando uma carga dramática se impõe necessária, Brooklynn também demonstra franqueza e aptidão.
Apesar de estender-se 1 minuto a mais do que devia e de suas outras pequeninas falhas, Projeto Flórida é um retrato fiel da mascarada inópia estadunidense, que se sobressai pela excepcional performance de seus atores, pela primazia de sua direção e pela honestidade de seu roteiro.
Matheus J. S.  9,5

Esta película vai de encontro a aqueles que têm a ilusão dos EUA como um paraíso, algo que subjetivamente explicaria a legião de imigrantes que tentam diariamente adentrar o país e que regulamente vemos nos noticiários internacionais.
Se por um lado a imagem do nosso Brasil varonil é amplamente associada a índios selvagens, carnaval e um mercado aberto de diversão adulta por nossos semelhantes de terras distantes, o que vemos por aqui sobre eles é algo de brilhar os olhos e encher o coração: bairros arborizados, grandes casas, dois ou três veículos na garagem... tudo desfrutado por uma classe média feliz e perfeita.  Esporadicamente outro quadro do panorama é visto, porém quase sempre associado a cidades ou bairros compostos por uma população negra ou imigrante, como se fosse outro país.
Ambientado estrategicamente próximo a um ponto turístico conhecido mundialmente e que às vezes leva a alcunha carinhosa de “terra da fantasia”, o que gera um contraste que impacta sutilmente, logo que o cenário principal da trama é um hotel onde os hóspedes residem fixamente. Dentre eles encontramos a dupla formada por uma jovem mãe e sua filha que são o foco principal das lentes e servem de órbitas para as subtramas. A vida difícil e errônea que trilha caminhos tortuosos para garantir a subsistência de ambas e que é facilmente encontrada em qualquer localidade periférica ao redor do mundo real, é mostrada de uma forma sem exagero, frisada ou escandalizada. Destaque para ambas as atrizes pela interpretação, não pelo desempenho, e sim pela força das personagens.
Projeto Flórida trata de algo que existe, mas não enxergamos mesmo que esteja ao lado, ofuscado por algo mais agradável mesmo que seja uma ilusão, semelhante às pessoas maltrapilhas e pedintes que vemos nos centros urbanos das quais desviamos os olhares para focalizar os bonitos letreiros das belas lojas que passam uma sensação agradável.  Como o ponto turístico citado, ele é referenciado várias vezes na produção, mas de fato não o vemos, contudo ele existe e é um fator para o contexto geral.
Verdadeiro, contundente e reflexivo, a obra é uma composição simples de camadas profundas.
leonejs.  7,5

Assista e Kontamine-se

Comente, Compartilhe e Siga Nosso Blog

Ficha Técnica (Adoro Cinema):
Data de lançamento (Brasil): 1 de março de 2018 (1h 51min)
Direção: Sean Baker
Elenco: Brooklynn Prince, Bria Vinaite, Willem Dafoe…
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA

Sinopse (Google):
Moonee, uma agitada garotinha, faz novas amizades nas redondezas dos parques Disney. Ela vive com a mãe em uma hospedagem de beira de estrada e as duas contam com a proteção do gerente Bobby na batalha diária pela sobrevivência.

Avaliação:
IMDb: 7,6
Rotten: 96%
Metacritic: 92%
Filmow (média geral): 4,1
Adoro Cinema (usuários/adorocinema): 3,9/5,0
Kontaminantes (média): 8,5
Avaliação

Nenhum comentário:

Postar um comentário