Para muita gente, a imagem dos EUA é
instantaneamente atrelada à fartura e felicidade, riqueza e prosperidade.
Todavia, diferentemente do que a mídia impõe e a maioria dos filmes
hollywoodianos suscita, a realidade de um número bastante alto de pessoas das
terras do Tio Sam é bem diferente. E é neste apanhado que Projeto Flórida foca
e procura explorar.
Prezando o raciocínio imposto acima, um dos
pontos altos de Projeto Flórida é que este não aborda um grupo étnico
específico como muitos outros longas fariam, a produção simplesmente abrange
toda classe média baixa independentemente de cor, idade ou qualquer outro fator
que possa criar segregações. Tal proposta resulta-se precisa, considerando que
o intuito é representar de forma verossimilhante todo um estrato
financeiramente desprivilegiado e socialmente apartado além das restrições que
muitas vezes os polariza.
É neste cenário, de fácil identificação do
brasileiro comum, que se articula o entrecho, este imbuído por um forte senso
de rotina que facilita o vínculo com o espectador. Projeto Flórida é uma
produção de enredo modesto, e por isso é tão eficaz, pois, ao invés de tecer
duras críticas ao capitalismo e a desigualdade social, a película simplesmente
apresenta as deficiências do ambiente de convívio dos personagens (violência,
desemprego, drogas, prostituição...) e permite com que o público tire suas
próprias conclusões.
O trabalho de direção é categórico ao salientar
as respectivas empreitadas, já que, para confecção do palco narrativo, Sean
Baker utiliza colorações oníricas (predominantemente lilás e roxo) que exercem
brilhante contraste com os temas de índole nociva apresentados. É nesta mesma
acometida que se justifica a localização da Disney World próxima ao hotel em
que se passa o filme, visto que o fabuloso e mágico parque americano
glamourizado ao redor do mundo reflete toda a ironia duma nação imperfeita
também permeada pela miséria.
Projeto Flórida, entretanto, não se limita e
mostra-se igualmente magistral na concepção de relacionamentos entre seus
personagens. A dinâmica entre as crianças que protagonizam praticamente todo o
primeiro ato é fluida, autêntica e contagiante, seja no modo singelo e até
cômico com que encontram diversão, seja na inocência apresentada perante
situações adultas. É nesta arremetida que se alavanca a complexa e genuína
relação maternal entre Moonee e Halley, uma relação de mútuo afeto e amor que é
conspurcada por eventos perniciosos imanentes a penúria que permeia o cotidiano
de ambas e obriga a mãe a tomar atitudes comprometedoras para sobreviver. A
imaturidade de Halley ao lidar com o posto materno é evidente, porém, ao passo
que o assistente julga a maneira e as imprudências com que a jovem encara o
cargo, também compreende e se sensibiliza com os aspectos que agregam toda a
formação de sua personalidade que a fizeram ser o que é.
Reiterando novamente as crianças mencionadas e
o vínculo entre Halley e Moonee, embora o longa demore um pouco para
estabelecer a diretriz em ambas e a partir do segundo ato as personas puerícias
sejam deixadas de lado, praticamente os primeiros 40 minutos de produção são
eficientes ao moldar elos entre as figuras em tela, ambientar o espectador e
introduzir o ritmo que a ditará. Aproveitando o gancho, há um personagem, ainda
não citado, que igualmente serve de alicerce para o roteiro: Bobby. Solícito,
carismático e espontâneo, o gerente do hotel funciona como uma espécie de
incorporação do assistente, visto que este acompanha a maioria dos eventos
ocorridos e se apieda das calamitosas circunstâncias que os englobam, porém,
ainda que tenha influência em alguns, assim como o público ele é impotente
na execução dos de maior relevância.
Além do tom documental e os cortes secos que
elevam o caráter realista da película, as atuações são fundamentais para
sacramentar a humanidade presente no cerne do enredo. Willen Dafoe –
frequentemente intérprete de vilões e antagonistas – está fantástico na pele
dum homem diligente, que zela e se importa pelo povo de seu hotel... sua
complacência é perceptível nas mínimas ações e no comportamento cortês e
obsequioso que utiliza para lidar com as pessoas que julga estar sob sua
responsabilidade. Já Bria Vinaite, como Halley, é completamente o oposto,
impulsiva, mal-educada e constantemente impulsora de arruaças, todavia, quando
o texto exige, a atriz também é brilhante ao se alternar entre abatida e
explosiva. Já Brooklynn Prince, estreante de 7 anos e já detentora do troféu de
Melhor Atriz Jovem no Critics’ Choice Awards 2018, destrói como uma garotinha
sagaz em suas artimanhas que reflete alguns maneirismos da mãe e sua forte
personalidade; quando uma carga dramática se impõe necessária, Brooklynn também
demonstra franqueza e aptidão.
Apesar de estender-se 1 minuto a mais do que
devia e de suas outras pequeninas falhas, Projeto Flórida é um retrato fiel da
mascarada inópia estadunidense, que se sobressai pela excepcional performance
de seus atores, pela primazia de sua direção e pela honestidade de seu roteiro.
Matheus J. S. 9,5
Esta película vai de encontro a aqueles que têm
a ilusão dos EUA como um paraíso, algo que subjetivamente explicaria a legião
de imigrantes que tentam diariamente adentrar o país e que regulamente vemos
nos noticiários internacionais.
Se por um lado a imagem do nosso Brasil varonil
é amplamente associada a índios selvagens, carnaval e um mercado aberto de
diversão adulta por nossos semelhantes de terras distantes, o que vemos por
aqui sobre eles é algo de brilhar os olhos e encher o coração: bairros
arborizados, grandes casas, dois ou três veículos na garagem... tudo desfrutado
por uma classe média feliz e perfeita.
Esporadicamente outro quadro do panorama é visto, porém quase sempre
associado a cidades ou bairros compostos por uma população negra ou imigrante,
como se fosse outro país.
Ambientado estrategicamente próximo a um ponto
turístico conhecido mundialmente e que às vezes leva a alcunha carinhosa de
“terra da fantasia”, o que gera um contraste que impacta sutilmente, logo que o
cenário principal da trama é um hotel onde os hóspedes residem fixamente. Dentre
eles encontramos a dupla formada por uma jovem mãe e sua filha que são o foco
principal das lentes e servem de órbitas para as subtramas. A vida difícil e
errônea que trilha caminhos tortuosos para garantir a subsistência de ambas e
que é facilmente encontrada em qualquer localidade periférica ao redor do mundo
real, é mostrada de uma forma sem exagero, frisada ou escandalizada. Destaque
para ambas as atrizes pela interpretação, não pelo desempenho, e sim pela força
das personagens.
Projeto Flórida trata de algo que existe, mas
não enxergamos mesmo que esteja ao lado, ofuscado por algo mais agradável mesmo
que seja uma ilusão, semelhante às pessoas maltrapilhas e pedintes que vemos
nos centros urbanos das quais desviamos os olhares para focalizar os bonitos
letreiros das belas lojas que passam uma sensação agradável. Como o ponto turístico citado, ele é
referenciado várias vezes na produção, mas de fato não o vemos, contudo ele
existe e é um fator para o contexto geral.
Verdadeiro, contundente e reflexivo, a obra é
uma composição simples de camadas profundas.
leonejs. 7,5
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica (Adoro Cinema):
Data de lançamento (Brasil): 1 de
março de 2018 (1h 51min)
Direção: Sean Baker
Elenco: Brooklynn Prince, Bria
Vinaite, Willem Dafoe…
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Google):
Moonee, uma agitada garotinha, faz novas
amizades nas redondezas dos parques Disney. Ela vive com a mãe em uma
hospedagem de beira de estrada e as duas contam com a proteção do gerente Bobby
na batalha diária pela sobrevivência.
Avaliação:
IMDb:
7,6
Rotten:
96%
Metacritic:
92%
Filmow
(média geral): 4,1
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,9/5,0
Kontaminantes (média): 8,5
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