Longe dos holofotes hollywoodianos e distante
dos critérios qualitativos do mercado americano, há uma
expansão de filmes que clamam por realce. Uma excelente oportunidade para o
grande público estabelecer contato com produções mais alternativas, é pelo
Festival de Cannes. Além de ser a porta de entrada ao ramo cinematográfico para
muitos cineastas de renome da atualidade e não possuir restrições quanto à
variedade de nacionalidades participantes, o festival, em 2017, também foi o
responsável por promover ao mundo a obra alemã Em Pedaços.
Em Pedaços é uma película formalmente
segmentada. Com início, meio e fim caracteristicamente divididos em capítulos,
os atos do longa contam estórias individuais que se complementam em uma extensa
jornada de dor, injustiça e redenção. O primeiro ato, calcado no destrinchar do
luto, apesar de ágil ao estabelecer sua diretriz, é o mais lento dos três ao
respaldar o calvário da protagonista. Tal ritmo paulatino reflete de maneira
genuína o martírio da personagem e sua perspectiva amargurada da vida.
Corroborando, a ambientação álgida e chuvosa, trilha sonora a base de toques
instrumentais melancólicos, colorações alvas que salientam o vazio emocional de
Katja e contrastam com os tons escuros que exprimem a lugubridade vigente,
realçam a atmosfera lutuosa e funesta.
O segundo ato, desenvolvido praticamente todo
em palco jurídico, é assaz inteligente e apreensivo. Neste estão concentrados
alguns diálogos e embates intelectuais, entre dois advogados, bastante críveis e perspicazes que denotam
invejável destreza da direção. Ambos bacharéis são astutos e as argumentações destes plausíveis e persuasivas,
enquanto se acentua o senso de emergencial justiça e o medo cada vez mais real
de uma possível absolvição dos réus; tudo é imbuído por um acabrunhado e
cáustico caráter realista. As chuvas cessam, a trilha sonora ganha requintes
graves, se usa o slow motion para
frisar a tensão dos segmentos, os detalhes que envolvem o atentado são
aprofundados e a fotografia, em auxílio ao tribunal que serve de cenário, se
alterna predominantemente entre tonalidades pretas e brancas.
Já no terceiro ato, as cores são mundanas e as
sequências contemplativas. Katja atinge seu abismo pessoal, lacerada pelo
desamparo e pelo furor reprimido, e o fecho da estória, em concordância a tudo
até então apresentado, é ao mesmo tempo catártico e desesperançoso.
Aproveitando o gancho, o desalento e a ânsia de Katja por represália são
brilhantemente incorporados por Diane Krueger, atriz premiada por sua
performance durante o mesmo Festival de Cannes aqui já citado. A cineasta
transparece, em sua proficiente maleabilidade de minuciosas expressividades, o
afeto por sua família, o sofrimento corrente involuntárias e dolorosas
recordações, aflição e indignação perante decisões injustas, o torpor do luto
etc.
A película, ademais de todos os aspectos
técnicos ressaltados, igualmente demonstra habilidade em sua confecção de
passagem do tempo. As de maior período são feitas de modo orgânico e praticamente
imperceptível, enquanto aquelas que abrangem um espaço mais curto são induzidas
por cortes secos que mostram um mesmo evento momentos depois sob outros
parâmetros; é uma estratégia eficaz e funcional que não permite o enredo sequer
flertar com a monotonia. Em contraparte, o uso de flashbacks é um demérito do filme, visto que a função destes, no
longa, é expor a família unida e feliz como método para reiterar o laço entre
os membros, porém torna-se algo desnecessário e redundante, o espectador já
compreendeu o imenso amor que permeava aquele núcleo familiar conforme todo o pesar de
Katja com a morte dos entes queridos.
Como adendo, a produção alicerça todo seu
entrecho em relevantes e atuais críticas sociais voltadas ao preconceito,
discurso de ódio e nazismo, valores retrógrados que, revoltantemente, ainda
exercem poder sobre os dias de hoje.
Em Pedaços é uma obra inquietante, pertinente,
ácida e de difícil digestão que cobra tanto de seus personagens como de seu
público.
Matheus J. S. 9,5
Fora do círculo hollywoodiano é possível
encontrar produções interessantes e de qualidade, porém dificultoso é se
libertar das armadilhas criadas pelas grandes empresas de cinema que compõem o
cartel de Hollywood. Altos investimentos, profissionais contratados a peso de
ouro, mega eventos para premiar a eles mesmos, milhões empregados em
publicidade e outros artifícios para que estejam impregnados nas mentes de suas
vítimas e assim criar um público fiel que continue financiando a máquina.
Máquina esta que muitas vezes empurra verdadeiras porcarias ao espectador
apenas na intenção de obter lucro (estou falando de filmes e seu mundo de
ficção, qualquer semelhança com eleições é mera coincidência). Como toda regra
tem sua exceção, há aqueles que quebram os grilhões do cativeiro e encontram
novos horizontes e outros que nascem livres e nos apresentam novas
perspectivas.
Em Pedaços é uma produção que apresenta um
panorama geopolítico que é desconhecido da grande maioria, assim em seus
primeiros minutos ela abre inúmeras possibilidades para a condução da trama que
pode dar uma guinada a qualquer momento, fazendo com que o espectador fique
envolvido em uma atmosfera de curiosidade até o último momento. Sua construção
é simples, porém pertinente e minuciosa. Quando foca em algo que já foi
apresentado inúmeras vezes e de diversas formas, a obra consegue inovar e
agradar com uma visão diferenciada, efeitos conseguidos por uma câmera bem
trabalhada, uma frase ou um momento comum que quase sempre é negligenciado em
muitos filmes.
Sem equívocos, dois personagens e seus respectivos intérpretes se destacam imensuravelmente na trama, a protagonista e o
antagonista intelectual (Haberbeck). Com tempo de tela bem diferenciado, ambos
praticamente compartilham dos eventos primordiais do enredo e convencem e
agradam em suas performances.
Cenários comuns, um elenco praticamente
desconhecido, narrativa precisa e trama envolvente garantem um ótimo
entretenimento para os apreciadores de um trabalho bem elaborado e
desenvolvido, ciente do que quer e aonde quer chegar.
leonejs. 8
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 8 de
fevereiro de 2018
Direção: Fatih Akin
Elenco: Diane Kruger, Denis
Moschitto, Numan Acar…
Gênero: Drama
Nacionalidades: Alemanha e França
Sinopse (Google):
Após cumprir pena por tráfico de drogas, o
turco Nuri Sekerci leva uma vida amorosa e tranquila com a esposa Katja Sekerci
e o filho Rocco na Alemanha. Certo dia, ele e o menino estão no escritório e
morrem vítimas de uma explosão criminosa, tragédia que deixa Katja arrasada.
Ela batalha na justiça pela punição dos culpados, um casal neonazista, e,
insatisfeita com o desenrolar do caso, decide pela vingança com as próprias
mãos.
Avaliação:
IMDb:
7,1
Rotten:
76%
Metacritic:
65%
Filmow
(média geral): 3,9
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,9/4,0
Kontaminantes (média): 8,5
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