Dentre os filmes que passaram a agregar o
catálogo da Netflix no Brasil em 2018, provavelmente nenhum foi tão notório e
exímio quanto Mudbound. Com quatro indicações ao Oscar, elenco de peso e uma
estória mordaz a contar, Mudbound é uma experiência imprescindível a todo
cinéfilo.
Mudbound é uma produção de enredo cru, seco e
brusco que não possui restrições quanto ao que mostrar e explorar, e por isto é
tão verossímil, rico em conteúdo e imprevisível. Ao abranger o convívio no
campo de duas famílias, uma negra e outra branca, o longa compila e destrincha
uma série de temas socialmente relevantes. Contanto, tudo isso só é possível
conforme a utilização de um período histórico plausível para a inserção e
desenvolvimento orgânico de tais contextos. Estes, desenvoltos durante os anos
40, transitam pelo apogeu da Segunda Guerra Mundial, distinção de classes
sociais e etnias, laboriosa vida no campo, racismo, figura matriarcal e social
da mulher, alcoolismo etc. Ok, mas como é que esta miscigenação de textos pode
ser devidamente abordada sem atropelamentos ou saturações?
Ademais do enxerto historicamente adequado que
propicia os respectivos estudos, estes se entrelaçam idiossincraticamente as
figuras centrais da trama, seja Laura amargurada em uma relação na qual não tem
voz ativa, Henry desiludido com a vida que sonhava, Pappy McAllan permeado por
seus ideais culturais de superioridade étnica, Hap ocupando o posto de líder da
família e lidando com as mudanças ocasionadas pela chegada dos McAllan,
Florence tendo de enfrentar as dificuldades para cuidar dos próprios filhos e
atender às demandas dos vizinhos, e Jamie e Ronsel progredindo com seus
assombros da guerra.
O racismo, da maneira vista na película, é
bastante contundente, já que é um elemento que engloba praticamente todas
vertentes do entrecho e representa com consentaneidade a enraizada segregação
racial do Mississippi que reverbera até os dias de hoje. É neste âmbito, com
intuito de refletir a crueldade desta ótica polarizada, que se originam as
sequências mais chocantes da obra, sobretudo totalmente críveis e genuínas. E é
também neste viés que surgem os dois melhores personagens do filme, Ronsel e
Jamie que, muito além das disparidades ideológicas e raciais, encontram
subterfúgio em uma amizade improvável alicerçada no passado traumático em
comum. A relação se constrói de forma humana e contagiante, moldada por
diálogos fluidos onde se articula um belo exercício de personalidades
enfaticamente opostas que veem nas semelhanças motivos para superarem todas as divergências
e angústias pessoais.
Como estratégia para harmonizar a disposição de
enfoques individuais que frisa a ausência dum protagonista, praticamente todo
personagem recebe um tempo significativo em cena (uns mais que outros, no
entanto), onde, como método para intensificar a relação do público com a
persona, frequentemente se usa o recurso do voice over para exprimir
suas perspectivas. Embora possa parecer ser um artifício empregado com intuito
de facilitar a narrativa, aqui este é inoculado com o objetivo de transparecer
o que não é exposto em tela consoante a falta de espaço. Ademais, apesar de, em
determinados momentos, o roteiro aparentar estar concedendo demasiado realce a
situações supostamente frívolas ou, em contraparte, pouquíssima dedicatória a
um específico evento, toda e qualquer circunstância apresentada é
minuciosamente planejada e, ainda que não de modo direto, está inerentemente
vinculada ao núcleo de maior expansão. Isto é, tudo em Mudbound está engajado
em uma enorme esfera de acontecimentos pertinentes um ao outro.
A caracterização dos cenários é um deleite a
parte. Priorizando uma fotografia lamacenta com destaque para tons amarronzados
e cinzentos delineados por constantes chuvas, a paleta de cores, ao passo que
tão bela, igualmente retrata os empecilhos e potenciais contratempos ao se
sujeitar viver naquelas terras úmidas e inclementes. A trilha sonora, composta
por Tamar-kali, dita com suntuosidade a cadência do longa, enquanto as
atuações, por si só, são impecáveis. Entretanto, mesmo que tenha sido a Mary J.
Blige indicada à estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante, quem realmente atrai os
holofotes é Carey Mulligan, simplesmente fascinante no papel de Laura, incorporando
com primor toda a versatilidade de emoções da figura interpretada:
desesperança; desejos reprimidos; submissão desgostosa ao marido; desespero;
amabilidade aos filhos; dor e até racionalidade nos devidos instantes.
Em suma, Mudbound é um filme forte, de ritmo
imarcescível e incisivas reflexões que sabe dosar com maestria a atenção cedida
a cada um de seus múltiplos personagens.
Matheus J. S. 10
Dentre vários capítulos escuros da história da
humanidade, talvez os mais vergonhosos sejam os que envolvam a intolerância
racial. O Mississippi foi um dos palcos dessa tragédia e é o cenário desse
filme.
Mudbound apresenta uma trama composta de
vertentes que se entrelaçam, se completam e expõem certas dificuldades em
sobreviver numa época difícil por si só que é agravada ainda mais por uma
guerra.
A narrativa por mais de um personagem e fora de
ordem cronológica proporciona uma perspectiva singular a cada momento, toda
ação por um dos personagens tem uma reação nos outros fazendo com que o
interesse do público se mantenha constante.
Contando com personagens fortes, cada qual com
o seu drama, suas características e sua importância, é difícil dizer qual se
destaca. Os atores estão condizentes com o que se espera. Pessoalmente destaco
o trabalho do ator Jonathan Banks, que outrora, em uma série aclamada pelo
público e pela crítica, interpretou um personagem ímpar que adquiriu a simpatia
de muitos; agora o personagem deste longa consegue causar repulsa. Detalhes
como estes mostram a versatilidade e o talento do ator, que consegue se
sobressair em diversos campos.
Para quem não teve a oportunidade de ver outras
produções similares um pouco antigas, certamente se impressionará com todo o
contexto inserido, enquanto alguns que já estão há mais tempo na estrada,
reconhecerão mais o valor da perspectiva apresentada.
Mudbound é um filme para ser apreciado
calmamente, degustando todos os ingredientes de sua fórmula. Concepção fluente,
foco abrangente, aborda questões antigas, porém ainda vivas no século vinte e
um.
leonejs. 7,5
Assista e Kontamine-se
Comente, Compartilhe e Siga Nosso Blog
Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 15
de fevereiro de 2018
Direção: Dee Rees
Elenco: Garrett Hedlund, Jason
Mitchell, Carey Mulligan…
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Google):
Laura se casa com Henry McAllan e sua nova
família se muda para uma fazenda no delta do Rio Mississipi. Lá, uma família
negra, os Jackson, são responsáveis por ajudar no trabalho pesado com o plantio
e a colheita. O pai idoso de Henry, Pappy McAllan, luta para manter os
privilégios dos brancos no terreno, enquanto o irmão de Henry, Jamie,
desenvolve uma boa amizade com os caseiros por compartilharem traumas da
guerra. Um violento conflito marca a convivência entre os McAllan e os Jackson.
Avaliação:
IMDb:
7,4
Rotten:
97%
Metacritic:
85%
Filmow
(média geral): 4,1
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 4,1/3,5
Kontaminantes (média): 8,5
Nenhum comentário:
Postar um comentário