A Ku Klux Klan com certeza é um dos grupos mais
inflexíveis e famigerados do mundo. Apesar dos ideais retrógrados e radicais, a
organização permanece forte nos dias de hoje, assim como bastante presente em
estudos, pesquisas e frequentemente tema a ser esmiuçado nos mais variados
meios do entretenimento. Não obstante, o recente trabalho de Spike Lee é o mais
novo recurso midiático e audiovisual a centralizar tal pauta.
Infiltrado na Klan é um filme de discurso
escrachado, impudico quanto ao que deseja transmitir. Utilizando o absurdo, a
ironia e a sátira como primordiais ferramentas narrativas, o longa retrata um
período de efervescência social que serviu para moldar uma sociedade segregada; não se engane, apesar das principais críticas aqui estarem voltadas
ao racismo contra os negros, há também uma importante discussão que remete a
discriminação de judeus e a sociedade em si como um grande núcleo polarizado
onde o ódio prevalece em cada esquina. Sobretudo, o sarcasmo somente é um
atributo diegético funcional por conta da veracidade dos eventos representados,
o que torna tudo ainda mais impressionante, jocoso (embora de modo
politicamente incorreto) e impactante.
Contudo, algumas licenças criativas do roteiro,
que se aproveitam da insanidade dos fatos, se mostram demasiado discrepantes na
confecção de exageros. Isto é, determinados personagens, apesar de
propositalmente execráveis, recebem maior tempo em cena que o necessário, e
certos diálogos entre o Flip e o Felix são patéticos e falhos ao tentar conceber
algo engraçado. Além, há algumas sequências que, de tão ridículas, ilógicas e
insignificantes, acabam por ser nada mais que passagens toscas e impertinentes
(um segmento que reflete muito bem isto, é quando o protagonista, de maneira
repentina e totalmente despropositada, gesticula várias vezes sozinho como se
estivesse aplicando golpes marciais).
Em contraparte, as cenas de maior eficácia
cômica são aquelas nas quais Ron e Flip fingem ser o que não são, ou seja,
verbalizam uma série de insultos que atacam diretamente a si mesmos. O próprio
personagem interpretado pelo Michael Buscemi é hilário, este que, apesar de
carismático e com bom tempo inicial em tela, logo é simplesmente deixado de
lado; uma maior participação deste teria sido bem-vinda e profícua.
A direção do Spike Lee é simples, concisa e
segura, com pouquíssimas empreitadas engenhosas que fujam de um comando
convencional. A concepção dos personagens é superficial, nenhum possui algum
tipo de embasamento individual aprofundado, e a imagem da Patrice, embora sirva
como intermediária do público com o movimento negro protestante, é dispensável
fora isto. Entretanto, alguns caminhos usados pelo roteiro se mostram
cirúrgicos, principalmente aqueles referentes à própria Ku Klux Klan.
Em outras palavras, a forma com que a milícia é
retratada não se restringe a macacões brancos e grotescos capuzes, a película
procura dar um rosto ao mal que vai além da perspectiva genérica que as pessoas
geralmente têm do grupo. Igualmente vale ressaltar que Infiltrado na Klan não é
uma produção graficamente violenta, mas sim uma obra que manifesta a
hostilidade dos ideais criticados por meio da linguagem ofensiva e desinibida
de seus personagens; a repulsa e furor naturais do dia a dia com que muitas
personas mencionam os negros na trama, chegam a ser mais chocantes que, por exemplo, um take
extremamente sanguinolento.
Ademais das críticas destacadas, o filme tece
alfinetadas bastante incisivas e despudoradas à periculosidade da associação
entre extremismo, religião, patriotismo, política e autoridade. É neste âmbito
que o longa utiliza seus minutos finais para apresentar filmagens reais
estarrecedoras dos EUA que mostram conflitos atuais entre negros e brancos e a
força que ainda exerce os valores da supremacia ariana em pleno século
XXI. Já praticamente como última cena, o diretor faz uma crítica pessoal ao
presidente estadunidense Donald Trump, o que é descartável, impulsivo e nada
construtivo.
Falando em final, o terceiro ato da película é
muito bem projetado, semeando paulatinamente um senso de presságio que antecipa
um iminente e sanguinário confronto; aqui o filme está em seu ápice e a
dramaticidade em seu apogeu. No mais, o desfecho em si é agridoce, calculado na
dose certa para agradar a todos: suficientemente realista para os mais
pragmáticos, e suficientemente otimista para os mais sonhadores.
Como adendo, a caracterização dos anos 70 é
outro aspecto de realce, seja na constituição da trilha sonora que enfatiza os
sucessos da época, assim como no figurino e design de produção que exaltam as
tendências e padrões estéticos do período. A obra é feita com o intuito de incomodar o espectador, o que requer um esmero técnico nas respectivas
composições ambientais e cenográficas que também salientam o abalo das
reflexões proporcionadas visto a verossimilhança e imersão atmosférica.
Em suma, Infiltrado na Klan não é o tipo de
filme inesquecível que será debatido daqui a cem anos, mas sim um tipo singular
que entretém, inquieta e frustra ao mesmo tempo quem o assiste.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 22
de novembro de 2018
Direção: Spike Lee
Elenco: John David Washington,
Adam Driver, Topher Grace…
Gênero: Policial
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Google):
Em 1978, Ron Stallworth, um policial negro do
Colorado, conseguiu se infiltrar na Ku Klux Klan local. Ele se comunicava com
os outros membros do grupo por meio de telefonemas e cartas, quando precisava
estar fisicamente presente enviava um outro policial branco no seu lugar.
Depois de meses de investigação, Ron se tornou o líder da seita, sendo
responsável por sabotar uma série de linchamentos e outros crimes de ódio
orquestrados pelos racistas.
Avaliação:
IMDb:
7,6
Rotten:
95%
Metacritic:
83%
Filmow
(média geral): 4,3
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,7/4,0
Kontaminantes (Matheus J. S.): 7
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