Baseada no romance homônimo escrito pela autora
alemã Petra Hammesfahr, The Sinner é uma série estadunidense desenvolvida pela
USA Network e distribuída no Brasil pela Netflix que foi inicialmente planejada
como minissérie, mas que, devido à boa receptividade de público e crítica,
ganhou o status de antologia. Sobretudo, será que o programa realmente tem todo
esse potencial?
A premissa de The Sinner é ao mesmo tempo
simples e intrigante: o que leva uma mulher jovem, casada e com filho,
aparentemente sã e comum a cometer um espontâneo assassinato? Embora tal ponto
de partida não aparente ser o suficiente para o desenrolar de oito episódios, a
temporada vai ganhando proporções cada vez maiores e complexas. The Sinner é
uma das poucas séries que só melhora ao passar dos episódios, e isso certamente
se deve ao roteiro meticuloso que sabe a hora certa de semear dúvidas, fornecer
pistas, impor mistérios e articular respostas. Aqui nada é insignificante, nem
um detalhe aparentemente desconexo ou uma informação a princípio impertinente;
tudo em The Sinner é relevante e possui seu momento de esclarecimento.
Evidentemente que o ritmo da trama é
fundamental para o bom resultado da obra. Mesmo com pouca ação, esta não é uma
temporada lenta, graças ao tom investigativo do enredo que jamais deixa o
espectador desviar sua atenção, e os artifícios narrativos utilizados para o
contar da estória que, cada qual a sua maneira, estão sempre a estimular o
assistente. Dentre os quais, destaca-se o uso de breves e propositadamente dispersos
fragmentos memoriais que podem ser indícios para a resolução do caso, a
ausência de contexto em que são expostos e a abrupta e quase ininteligível
passagem destes são elementos cruciais para incitar e embasbacar o público. A
música Huggin & Kissin (Big Black Delta), baluarte da trilha sonora,
toda vez que é tocada imprime um senso de presságio no espectador e exerce
função interrogativa na trama dadas as circunstâncias labirínticas em que é
apresentada. Entretanto, é a utilização de flashbacks que ganha maior
notoriedade.
O último recurso mencionado se alterna entre
três tipos durante a temporada. O primeiro, que explora a infância da
protagonista, é imprescindível para constituir o caráter de Cora, familiarizar
o público com determinados personagens com pouca ou nenhuma aparição no
presente, e estabelecer a relação fraternal de Cora com Phoebe. O segundo, que
abrange o início de seu relacionamento com Mason, fortifica o compacto vínculo
entre ambos e realça o peso de sua ausência na vida do marido. E o terceiro,
que supostamente mostra acontecimentos chave para solução da grande incógnita
do entrecho. Este se altera inúmeras vezes conforme as descobertas, o que
constantemente faz com que um novo detalhe seja inserido e os parâmetros até
então estabelecidos modificados, ainda que sutilmente, possibilitando ao
público e aos próprios personagens revisitar os eventos sob outra perspectiva e
panorama.
Individualmente exaltando, The Sinner se
sustenta sobre quatro pilares condutores do enredo brilhantemente abordados
onde cada qual possui seus dilemas e conflitos. Cora encontra-se em uma jornada
de autodescobertas, tão desnorteada quanto o assistente; Phoebe é repleta de
desejos e anseia por libertação, mas ao mesmo tempo está inerte em sua própria
impotência física; Mason lida com a repercussão do homicídio e como este
influencia sua vida e família, enquanto se vê envolto por diversos
questionamentos; e o detetive Harry Ambrose, imerso em sua investigação, preza
pela verdade e justiça ao passo que se afoga em angústias pessoais. O arco do
detetive é o mais provocativo de todos, considerando que este, em si, jamais
fornece respostas baratas ao público. Em contraparte, apesar de atribuir ao
mesmo textura, é o menos empolgante, visto que sua introdução se dá em momentos
inoportunos que acabam por moldar uma infeliz quebra tonal.
Dentre os vários temas propostos em The Sinner,
um assaz frisado diz respeito a traumas remotos. Como se pode perceber,
praticamente tudo na série remete a situações passadas que inspiram diretamente
o presente, sem falar que o programa não faz questão de esconder isso, seja com
os já citados flashbacks e as próprias subtramas dos personagens. Neste âmbito,
são comuns indagações sobre como podemos enfrentar os abalos emocionais de
nosso repertório, como superá-los, ocultá-los, esquecê-los, controlá-los e,
principalmente, aceitá-los? Reflexões referentes a vulnerabilidade da memória,
concepção de personalidade, culpa, traição, fanatismo religioso e os impactos
causados por uma criação autoritária e severa, também são vertentes
destrinchadas pelo script.
Ainda neste viés, The Sinner é uma série
bastante genuína. Este aspecto consta durante todo o percurso da temporada,
contudo se sobressai ao correr das revelações finais que, além de chocantes,
são impressionantemente humanas. As atuações igualmente imprimem
verossimilhança, seja Christopher Abbott (Mason) interpretando um homem
confuso, porém impulsivamente vingativo e obcecado; Nadia Alexander (Phoebe)
incorporando uma jovem de corpo debilitado, mas mente sagaz e atitudes
intrépidas; e Jessica Biel excepcional em sua franca personificação das
incontáveis nuances de Cora: mágoa, ansiedade, paranoia, desamparo, raiva,
martírio, inquietação... Já Bill Pullman (Ambrose) é o único ator que fica aquém
do elenco. Felizmente seu desempenho centrado em poucas expressões não
compromete em nada a série, visto que seu personagem por si só é carismático e
seu plot não requer mesmo um afinco trabalho dramatúrgico.
No mais, a 1ª temporada de The Sinner é bem
aparada, instigante, surpreendente, incisiva e consistente.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Primeiro episódio: 2 de agosto de
2017
Criado por: Bradford Winters e
Liz W. Garcia
Com: Bill Pullman, Jessica Biel, Christopher Abbott…
País: EUA
Gênero: Drama; Policial
Status: Em Andamento
Duração (aproximadamente): 45
minutos
Sinopse (Minha Série):
Baseado no best-seller homônimo, o drama The
Sinner acompanha a jovem mãe Cora (Jessica Biel) que, durante um ataque de
raiva inexplicável, comete um ato de violência assustador – e, para seu horror,
sem saber por quê. O investigador Harry Ambrose (Bill Pullman) é encarregado de
descobrir um motivo, mesmo que esteja enterrado no inconsciente da moça, e acaba
desvendando segredos violentos de seu passado.
Avaliação (1ª Temporada):
IMDb (2017-
): 8,0
Rotten:
94%
Metacritic:
71%
Filmow
(média geral): 4,2
Adoro
Cinema (usuários): 3,7
Kontaminantes (Matheus J. S.):
9,5
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