Se O Império Final deu início à trilogia com o
pé direito, O Poço da Ascensão coloca Mistborn: Nascidos da Bruma como uma das
melhores e atuais sagas do gênero.
O Poço da Ascensão é um desafio, um desafio que
seu autor Brandon Sanderson impôs a si mesmo e que abrange não somente a
ausência de seu personagem mais carismático no enredo, mas também a introdução
de novos parâmetros que tangem toda sua estrutura de universo e personalidades.
Claro que suprir o espaço deixado por Kelsier e manter o contágio do leitor
incandescente e direcionado a outros âmbitos é uma das tarefas mais difíceis de
Sanderson, mas o escritor se supera e entrega um resultado mais que
satisfatório. Ou seja, com a partida de Kelsier, figuras como Brisa e OreSeur
ganham maior destaque e relevância, enquanto outros são melhor explorados e
desenvolvidos. Entretanto, grande parte da estória ainda se vê imbuída pelo
manto de Kelsier, seja no exaltar de suas ações na memória dos personagens ou
no impacto que as mesmas causaram, sendo esta uma acometida inteligente que permite,
de forma concomitante, o público ter suas saudades sanadas e os atos do
alomântico e sua importância serem justamente reconhecidos e sublinhados.
Tocante às personas que ganham maior
embasamento, Dockson é uma figura que tem o arco drasticamente influenciado
pela morte de Kelsier. Apesar do pouco tempo dedicado ao mesmo, o livro extrai
toda a dor que acerca o personagem, apresentando um homem letárgico que tem seu
brilho ofuscado por um lancinante luto. Nesse sentido, tendo em vista o apreço
e o afeto que o leitor já tem estabelecido por este, o público sente
profundamente a melancolia e as discrepantes mudanças que afetam o caráter de
Dockson, o que, sobretudo, é articulado pelo enredo a reiterar o vínculo entre
os personagens e frisar os valores constituintes de uma autêntica amizade. Por
sua vez, Ham deixa de ser um singelo alívio cômico e ganha camadas que
espairecem suas motivações, ao passo que Marsh lida com conflitos de
personalidade e Trevo, em contraparte, tem o destino selado sem o merecido
polimento que, por outro lado, é atribuído a plots adjacentes.
Outrossim, a inclusão de novos personagens dá
fôlego rejuvenescido a trama e complementa com pertinência o desenvolvimento
pessoal dos protagonistas. Dito isso, Zane, além da postura enigmática que
desperta muitos mistérios, respalda alguns dos dilemas mais íntimos de Vin,
estes voltados à sua identidade e seu lugar no mundo. Já Tindwyl expande os
conceitos até então impostos sobre a linhagem terrisana e forma um casal atípico
e imprevisível com Sazed, este que se vê questionando os segredos da própria
raça e ancestralidade. Por fim, os koloss, ainda que bastante citados em O
Império Final, finalmente ganham forma e são oticamente constatados na
narrativa, fazendo jus a reputação que normalmente lhes é concedida, ao mesmo
tempo em que ampliam o conhecimento supérfluo que todos até o presente momento
tinham e saciam a ânsia de expectadores ávidos pela descoberta de tão temíveis
criaturas.
Concernente a composição da nova Luthadel, é
impossível discorrer sobre sem citar Elend. Provavelmente o personagem de maior
evolução individual e crescimento na trama, Elend Venture está intrinsecamente
vinculado a cidade que molda o palco do romance, principalmente no que se
refere aos vários detalhes burocráticos que compõem as vertentes políticas do
entrecho e servem para fundamentar os ideais e valores do personagem. Os arcos
de Vin também estão inerentemente entrelaçados ao reino, seja no que diz
respeito à imagem desta criada perante o povo e como ela realmente se sente em
relação a si mesma. Tais acometidas servem para salientar o desamparo da
personagem e fomentar novas nuances ao seu relacionamento com Elend que, embora
amadurecido, em determinados momentos torna-se estafante.
Ademais das novas normas políticas inoculadas
com o incipiente governo, Luthadel se vê refletindo os efeitos da queda do
Império Final nas mais diversas ramificações físicas e ideológicas. Além de
impor um forte senso de causa e consequência, a nupérrima vestimenta que cobre
o reino instaura um verossimilhante tom caótico a uma cidade habituada a viver
sob rédeas e desacostumada com a liberdade. Em meio à instabilidade vigente,
mistérios inusitados ganham realce e delineiam contornos frescos a
problemáticas que anteriormente haviam sido apenas mencionadas, fornecendo uma
releitura da idiossincrasia já sacramentada de certos personagens e oferecendo
panoramas sob óticas virginais de elementos imanentes a confecção do universo
criado por Sanderson, sendo as brumas o principal exemplo.
Em contrapartida, o livro reitera
constantemente conceitos já estabelecidos, como o sistema de magia, sentimentos
dos personagens e eventos passados, o que acaba sendo redundante. Outra nequice
vincula-se ao arco da Vin, considerando que esta, por vezes, é manipulada pelo
enredo a servir como deus ex-machina, o que sempre se mostra um artifício fácil
e pouco engenhoso. Todavia, o clímax do romance, por fim, praticamente retifica
os relapsos narrativos de antes ao conceber um desfecho intensamente
eletrizante que semeia promissoras investidas para o futuro oriundas de um
impasse moral extremamente bem arquitetado e escrito.
O Poço da Ascensão, em suma, expande a
mitologia do mundo tecido por Sanderson e a torna coesa, além de conferir a
relevância necessária a seus principais semblantes e fortalecer os laços que
unem leitores e personagens.
Matheus J. S.
Leia e Kontamine-se
Curta, Comente e Siga Nosso Blog
Leia Também:
Ficha Técnica:
Autor: Brandon Sanderson
País: Estados Unidos
Gênero: Fantasia
Editora: Leya (Brasil)
Lançamento: 2015 (Brasil)
Páginas: 720
Avaliação
Goodreads: 4,37
Orelha de Livros: 4,0
Skoob: 4,5
Nenhum comentário:
Postar um comentário