Filmes chocantes não é uma novidade recente no
âmbito da sétima arte. Desde películas escatológicas que acumulam polêmicas há
mais de quarenta anos, como Salò (1975), até uma recente produção sérvia que
chegou a ser proibida no Brasil, sendo este o caso de A Serbian Film (2010), o
cinema extremo se prolifera ao redor do globo nas mais diversas culturas e
linguagens. Embora seja fato que muitas das respectivas obras configuram-se
como meros chamarizes para exposição de um conteúdo gratuitamente violento, outras
procuram tecer reflexões incisivas e contundentes comentários sociais. Resta
saber a qual nicho O Bar Luva Dourada pertence.
A priori, é indispensável frisar que O Bar Luva
Dourada é um audiovisual sem nenhum tipo de glamour. Dirigido com esmero por Fatih
Akin (Em Pedaços), o cineasta prima por uma condução angustiante com o intuito
de pincelar sem estilizações as várias matanças que apinham o roteiro. Para tal,
Akin aposta em elementos gráficos mesclados a uma violência tácita que compõem
planos extremamente perturbadores, prezando primordialmente as expressões de
ódio de seu protagonista enquanto este efetua os atos atrozes. Isso fica
evidente em uma das sequências iniciais na qual Fritz decepa uma idosa; o barulho
da serração cortando carne e osso é enervante, enquanto o corpo inerte
ensanguentado da mulher aflige o espectador sem jamais expor de forma explícita
a decapitação em si.
Nesse sentido, os cenários e os personagens são
uma influência predominante no que remete ao desconforto do público. As ambientações
são sórdidas, nojentas, bagunçadas e desconvidativas. O apartamento de Honka é imundo,
o assistente praticamente sente o fedor repulsivo que exala daqueles cômodos
emporcalhados que, literal e figurativamente, escondem segredos putrefatos. Por
sua vez, os personagens são - em sua maioria - esquisitos, velhos e disformes, além
de não possuírem higiene alguma e conversarem na maior parte do tempo, de maneira
bastante grosseira, sobre temas relacionados a sexo.
Outrossim, essa conotação sexual respalda muito
do que diz respeito ao caráter de Fritz. Considerando que o longa não fornece
explicações concretas acerca das motivações que impulsionam o personagem, este
articula-se como uma investigação comportamental que apenas especula os porquês
que agregam esse modo de agir, seja através das imagens eróticas que revestem o
apartamento de Honka e denunciam uma personalidade pervertida, seja durante os
trechos em que este demonstra dificuldades em se relacionar sexualmente e um
consequente furor é despertado.
A fotografia crua que salienta as colorações
desbotadas do lar de Fritz realçadas pelos trajes escuros e amarronzados
utilizados habitualmente por este, é mais um artifício da direção que tem por
objetivo ilustrar a idiossincrasia degradante da figura supracitada. A trilha,
majoritariamente diegética, faz um contraste irônico com os estarrecedores
eventos em tela ao denotar preferência por canções mais lúdicas e leves,
enquanto a maquiagem se mostra perfeita na impressionante caracterização facial
do ator Jonas Dassler, este que, sobretudo, vive com assaz aptidão todos os
trejeitos da persona incorporada.
Dito tudo isso, O Bar Luva Dourada concentra uma
enorme problemática justamente em seu cerne, ou seja, o filme carece de um propósito
definitivo. Embora esse aspecto do enredo possibilite uma série de interpretações
e debates que procurem desvendar seus significados em meio às entrelinhas, a
película termina por ser, em decorrência, demasiado arbitrária, o que não
compactua com o estilo de abordagem da mesma. Em outras palavras, será esta uma
produção que visa repercutir a imagem de um infame serial-killer pouco conhecido dos anos 70? Ou sua real finalidade seria
a de emoldurar o retrato de uma Alemanha pós-guerra esquecida e deturpada ainda
sofrendo com os traumas deixados pelo regime nazista de Adolf Hitler? Ou, quem
sabe ainda, o desígnio do projeto esteja calcado nas críticas direcionadas a
uma sociedade vil, misógina e xenofóbica que sequer se importa com o repentino
desaparecimento de seus próprios cidadãos?
Seja qual for a resposta, o longa também
apresenta relapsos em outras vertentes. Isto é, o script perde força
quando Honka não se encontra em cena, o que é acentuado perante o realce impertinente
atribuído a um mero garoto da cidade.
No mais, O Bar Luva Dourada, ainda que vago em
seu escopo, é um filme sujo, feio, incômodo e pungente.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 18
de julho de 2019
Direção: Fatih Akın
Elenco: Jonas Dassler, Margarete
Tiesel, Hark Bohm…
Gênero: Suspense
Nacionalidade: Alemanha
Sinopse (Google):
Hamburgo, 1970. Fritz Honka é um homem
fracassado com o rosto deformado, que vagueia pelas noites de um bairro boêmio
ao redor de outras almas perdidas. Ninguém desconfia que, na verdade, Fritz é
um serial killer.
Avaliação:
IMDb:
6,7
Rotten:
50%
Metacritic:
38%
Filmow
(média geral): 3,5
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,5/3,5
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 7,5
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