22 de novembro de 2019

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O Rei

Pôster


Em uma época onde audiovisuais como Game of Thrones e Vikings despontam como um dos entretenimentos mais atrativos para o público, O Rei chega para mostrar a força cinematográfica dos épicos medievais.
Dirigido por David Michôd, a primeira meia hora de filme incumbe-se do implante de um ágil dinamismo narrativo que serve para contextualizar o espectador e estabelecer as diretrizes do enredo de modo prático e direto. Entretanto, a partir do momento em que Hal assume o trono, o dedo do diretor se faz presente ao preterir o ritmo enérgico do longa por um cadenciamento mais moroso que compactua com as paulatinas descobertas do rei acerca da vida monarca. Nesse meio tempo, Michôd aproveita para expor o cotidiano de Henrique antes da conquista da coroa de forma que futuramente fique em realce o contraste da postura real deste com seu eu anterior; para isso, a linguagem visual torna-se a principal ferramenta para que o cineasta coloque em evidência características que agregam suas atividades hodiernas que não corroboram a posição hierárquica ocupada pelo personagem.
Nesse sentido, O Rei é sobre a transformação de um jovem leviano em um respeitoso senhor de uma nação, sobretudo uma transformação oriunda da percepção de si e das circunstâncias vigentes. O menino bêbado estirado sobre uma cama dá lugar à imponência de um homem solene, bares e tabernas transmutam-se em salões e palácios, enquanto prostitutas cedem espaço a conselheiros e oficiais de guerra. Entretanto, vale frisar que Hal se reviscera a partir de uma iniciativa própria, tendo em vista que sua rebeldia nada mais era que um subterfúgio mediante os ressentimentos para com o pai e seu estilo de governo. Nesse aspecto, a película espairece tal conturbada relação paternal apenas focando no comportamento de seus personagens, o que é eficaz para o ligeiro engate da trama central sem se perder em passagens e explicações frívolas, haja visto que o primeiro ato se desenvolve majoritariamente como pretexto para o molde do caráter de Henrique, justificativa de suas ações e o consequente desenrolar do entrecho.
Outrossim, Michôd esbanja destreza na conceição de diálogos fluidos e verdadeiros. Isto é, considerando que grande parte do roteiro fundamenta-se em concepções dialógicas e no traçado de estratégias, a naturalidade do script provém - além da química que une o elenco - da volátil transição de temas que permeiam os palratórios do texto e da interação orgânica entre os personagens. Por conseguinte, O Rei requer a confecção de semblantes com forte presença de tela que, na prática, são materializados na pele de William e Falstaff. Este último, ademais da lealdade e amizade que mantém com Hal, é a mente por trás de um dos planos mais bem elaborados do enredo que rende alguns dos segmentos mais empolgantes de todo o filme, sem contar que o mesmo é o responsável por trazer o ex-princípe de volta aos eixos quando este começa a se desestabilizar. (SPOILERS A SEGUIR) Referente a William, o longa ludibria o assistente com assaz perspicácia, sendo que a respectiva persona passa a estória toda como bom moço auxiliando com sagacidade as várias tomadas de decisões que preenchem a jornada de Henrique; o público, assim como o rei, se convence ferrenhamente de sua "honestidade" e sequer questiona suas intenções. (FIM DOS SPOLEIRS)
Também concernente à direção, cabe ressaltar o modo com que David aborda a guerra. Objetivando explorá-la da maneira mais cru possível, o cineasta desglamouriza a batalha expondo-a como algo sórdido, feio e desumano, com homens sujos apinhados uns sobre os outros digladiando-se com a primeira coisa que encontram a disposição, o que acentua-se consoante o uso de planos-sequência que imprimem maior verossimilhança aos eventos supracitados. O combate mano a mano igualmente não tem plumas, são simplesmente dois seres humanos inaptos na arte da guerra lutando por suas vidas; não há movimentos mirabolantes de espadas nem estocadas impossíveis, há somente homens em armaduras pesadas, fadigados e ofegantes. Além do mais, é imprescindível enfatizar a câmera de Michôd que, bastante segura e lacônica, extrai com invejável autenticidade o clima beligerante, seja por intermédio de planos mais fechados que exaltam a ambientação caótica, seja por meio de uma maior amplitude panorâmica que salienta a magnitude da contenda.
Tal genuinidade narrativa alicerça-se também na condução gradual da película que visa difundir a realidade em sua forma mais bruta. Dito isto, o filme articula os jogos políticos com muita calma, estendendo-se com paciência ao correr do longevo processo de construção de alianças, decretos e estopim de confrontos. Essa fidelidade projeta-se similarmente nas diversas camadas constituintes de uma guerra, manuseando a passagem de tempo como reflexo dos duradouros procedimentos que a abarcam integralmente, desde a exaustiva manutenção de um cerco até os debates que abrangem a conceição de estratagemas e a ansiedade que precede a batalha. Em função da disponibilidade de tempo acarretada pelo andar gradativo do longa, o roteiro esculpe passo a passo a personalidade de seu protagonista, tecendo o retrato de um homem encouraçado pelo combate que evolui a medida que os conflitos internos ganham proporções internacionais.
Quem se encarrega de incorporar essa turbulência emocional é Timothée Chalamet. Passeando com brilhantismo pela variedade de emoções apresentadas por seu personagem, o ator cresce junto da persona, indo do amargor e apatia que Henrique exala como representação do rancor reprimido em relação ao pai, até a austeridade que agrega as responsabilidades que compõem o fardo de ser rei. Assim sendo, a atuação torna palpável para o telespectador a insatisfação que este sente na posse de tal posto, tanto através do pesar com que o mesmo fala, quanto pela constante expressão acabrunhada de alguém que não quer estar ali e se vê consumido segundo após segundo. Todavia, apesar do dissabor, Chalamet é fidedigno ao transmitir a alma de um homem idôneo que prevalece firme e rijo conforme as exigências do cargo, sem jamais sucumbir às próprias vontades. Essa divergência entre o desejo e o dever marcam uma performance calcada na frequente omissão de sentimentos que é mais difícil de encenar do que parece, como, por exemplo, durante os momentos em que Hal quer chorar por conta de uma perda, mas não pode porque ele tem uma figura a zelar; são essas sutilezas de detalhes que enriquecem exponencialmente o desempenho de um artista.
No que remete às demais atuações, Robert Pattinson se destaca. Intérprete do príncipe Louis, Pattinson vive com imane proficiência um indivíduo petulante, zombeteiro, repleto de maneirismos e detentor de uma malícia latente. Suas ações são sempre desdenhosas, e as peculiaridades de sua fala, revestidas por um sotaque francês, apenas enaltecem seu caráter debochado. Sean Harris, por sua vez, conquista facilmente a confiança do assistente com um ar sábio e circunspecto, enquanto Joel Edgerton, ademais de bastante carismático, é o que mais se aproxima de um pontual alívio cômico.
Tocante ao visual, O Rei é uma obra belíssima de se assistir. O design de produção denota preocupação com o esmero estético das formalidades da corte, exprimindo, em decorrência, toda a pompa que delineia os requintes da realeza, indo de fartos banquetes até os lauréis que imbuem uma cerimônia de coroação. As cenografias são vistosas e emolduram o espírito bucólico de uma Inglaterra quatrocentista; o figurino, extremamente garboso, delata o dia-a-dia faustoso daqueles entorno de Sua Majestade, e a fotografia apurada dá vida a imagens pulpérrimas. A trilha, por sua vez, respalda o âmbito óptico, seja evocando a atmosfera de um grande épico ou externando os sentimentos predominantes em tela.
Por fim, a película, já em seus minutos derradeiros, arquiteta uma reviravolta surpreendente que impressiona pela desconstrução de parâmetros até então tidos como axiomas. No mais, o corte final do filme é no instante perfeito.
O Rei, em suma, é tecnicamente refinado, possui atuações deslumbrantes e uma estória baseada na legitimidade de seus conflitos.
Matheus J. S.

Assista e Kontamine-se

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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Netflix): 1 de novembro de 2019
Direção: David Michôd
Elenco: Timothée Chalamet, Robert Pattinson, Joel Edgerton…
Gênero: Drama
Nacionalidades: Reino Unido e Hungria

Sinopse (Adoro Cinema):
Após a morte de seu pai, Henrique V (Timothée Chalamet) é coroado rei, obrigado a comandar a Inglaterra. O governante precisa amadurecer rapidamente para manter o país consideravelmente seguro durante a Guerra dos 100 Anos, contra a França.

Avaliação:
IMDb: 7,3
Rotten: 72%
Metacritic: 61%
Filmow (média geral): 3,4
Adoro Cinema (usuários): 3,6
Kontaminantes (Matheus J. S.): 10
Avaliação

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