3 de novembro de 2019

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Halloween (2018)

Pôster


Retomar uma narrativa quarenta anos após o seu fecho é uma tarefa tão audaciosa, quanto arriscada. No entanto, David Gordon Green parece não se intimidar com a responsabilidade, haja visto que é exatamente isto que ele faz.
Dando continuidade ao filme de 78 e descartando todas suas sequências, Halloween tem como grande mérito o respeito que possui a obra original. Isto é, ao mesmo tempo em que o longa se propõe a abordar nuances intocadas pela produção setentista, este o faz sempre tendo seu precursor como diretriz. Além do cuidado na escolha de elenco que se preocupa em resgatar a própria Jamie Lee Curtis da década de 70, a película brinca com o universo que a concebeu recriando cenas e eventos praticamente idênticos aos do primeiro filme. Comuns também são as circunstâncias usadas pela obra para subverter as expectativas do espectador, fornecendo uma releitura de segmentos já utilizados na franquia, todavia sob uma perspectiva nova que inverte papeis e situações; é uma homenagem simples e funcional que exercerá efeito somente para aqueles que assistiram ao audiovisual clássico.
Outrossim, a película ganha camadas antes inexploradas ao apresentar uma Laurie ferida, atormentada pelo passado e que teve a vida inteira afetada pelo encontro com Michael. Como forma de retratar esse trauma, o filme, ainda em seus minutos incipientes, faz implantes sutis que remetem às consequências deste no cotidiano da personagem e em sua concepção idiossincrática, seja através de elementos visuais que abrangem a construção de uma casa extremamente bem equipada e protegida, seja por meio de diálogos que contextualizam o público acerca da criação da filha de Laurie a lá soldados de guerra. No centro de toda essa paranoia está Jamie Lee Curtis, atriz que, ao reviver a persona que a imortalizou nos cinemas quatro décadas atrás, amadurece junto da personagem; aquela adolescente frágil e vulnerável já não existe mais, no lugar ficou uma senhora enrijecida, durona, determinada, que zela pela segurança da família e, acima de tudo, anseia por vingança.
Esse novo aspecto da personalidade de Laurie impõe parâmetros inusitados ao enredo: o tradicional jogo de gato e rato que tanto satura o gênero dá lugar à ansiedade de uma personagem que quer ser encontrada; a mocinha (provavelmente "badass" seria um termo mais apropriado), mais que uma vítima em potencial, é tão ameaçadora e imponente quanto o serial-killer; e o fato da Laurie passar os anos esperando pelo Michael cria uma curva dramática incomum em produções slasher. Tais desconstruções criam inúmeras possibilidades narrativas que incitam as expectações do assistente mediante um possível e sanguinário embate final. Nesse sentido, o longa trabalha o imagético do espectador deixando-o matutar sobre as possíveis eventualidades que irão culminar no inevitável confronto. Ademais, é impossível não mencionar as discrepâncias físicas que há entre Michael e Laurie, sendo estas facilmente galgadas pela protagonista com um repertório de intensos treinamentos e estratégias desenvolvidas; aliás, em tempos de representatividade Laurie Strode é um símbolo de empoderamento feminino.
Pelo lado oposto, Michael Myers está mais implacável do que nunca. A priori, convém frisar o escopo primordial da película calcado em refutar teorias que alegam o parentesco do assassino com Laurie, entregando-se ao conceito de que Michael, em contraparte, nada mais é que a própria personificação do mal. Ou seja, enquanto Strode deseja matá-lo por pura e catártica libertação emocional, Myers a rotula como vítima simplesmente para aparar uma ponta solta de seu passado. Partindo dessa premissa, o filme arquiteta em torno do mesmo toda uma áurea mística, tornando-o uma entidade nefasta, fazendo de sua máscara um objeto praticamente amaldiçoado e elevando o tom enigmático que permeia sua fisionomia; nesse quesito, o longa instiga ao máximo a curiosidade do público ao usufruir de planos que expõem o personagem de costas ou apenas um pedacinho de sua face, mas sem jamais mostrá-la por completo.
Por outro lado, Halloween, quando longe de seus dois astros, perde grande parcela de ímpeto. O oficial Hawkins, que até dado momento da película se vê bem cuidado pelo entrecho, tem o plot selado de um modo frustrante que não faz jus à relevância até então lhe atribuída. Já o Dr. Sartain se responsabiliza por centralizar um arco que tenta emular a subtrama do Dr. Loomis no filme original, contudo sem a mesma força e carisma, fazendo deste, em sua completude, previsível e desnecessário. Por sua vez, Allyson, apesar de influenciar parte das motivações de sua avó Laurie, individualmente nada oferece ao enredo.
Embora o longa opte por uma estrutura ímpar dentro do subgênero que agrega, este, entretanto, não se priva totalmente de características notórias da respectiva gama de obras que faz parte. Como principais exemplos destacam-se o uso da câmera subjetiva e da final girl, além de itens típicos relacionados à confecção do antagonista, tais como o passo moroso, a máscara, preferência por adolescentes e a incrível capacidade de sair ileso de situações periclitantes. No mais, a ilustre e apreensiva música-tema de John Carpenter é restaurada, desta vez com melindrosos toques nupérrimos que aderem à mesma um tom moderno, porém sem desprezar sua essência nostálgica. 
Referente à direção, David Green recorre bastante a reflexos e jogos de luz e sombras para alcançar a tensa atmosfera objetivada. Já as mortes estão mais brutais e efetuam enorme impacto quando requisitadas, o que acontece de forma bastante periódica para não tornar a violência gratuita. Nesse âmbito, o cineasta esbanja destreza ao escrutinar os cenários e omitir a visceralidade gráfica de alguns trechos, estabilizando a câmera frente a objetos banais, prezando o silêncio e estimulando uma angústia vigente ao focar em sons minimalistas e obnubilados que fazem o assistente ter os piores pensamentos presumíveis. Há um garboso plano-sequência que resume bem a estratégia supracitada, onde a câmera acompanha o Michael sob uma perspectiva posterior até imobilizar-se enquanto o personagem mata uma pessoa sem que esta seja vista, ao passo que o choro de um bebê é o único som em realce e faz o espectador afligir-se com a possibilidade do psicopata fazer-lhe mal.
Por fim, o terceiro ato, apesar de encerrar a película no tempo ideal, perde a força dos atos que o precederam. Isto se deve exponencialmente ao conflito entre Michael e Laurie que, ainda que eletrizante e tendo em vista as altas expectativas endossadas a este, não corresponde necessariamente ao que fora prometido e aguardado.
Em suma, Halloween é um tributo contemporâneo bem-vindo a um dos precursores do subgênero slasher.
Matheus J. S.

Assista e Kontamine-se

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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 25 de outubro de 2018
Direção: David Gordon Green
Elenco: Jamie Lee Curtis, Judy Greer, Andi Matichak...
Gênero: Terror
Nacionalidade: EUA

Sinopse (Google):
Quatro décadas depois de escapar do ataque de Michael Myers em uma noite de Halloween, Laurie Strode precisa confrontar o assassino mascarado mais uma vez após ele escapar de uma instituição.

Avaliação:
IMDb: 6,6
Rotten: 79%
Metacritic: 67%
Filmow (média geral): 3,4
Adoro Cinema (usuários/adorocinema): 3,7/3,5
Kontaminantes (Matheus J. S.): 8,5
Avaliação

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