Retomar uma narrativa quarenta anos após o seu
fecho é uma tarefa tão audaciosa, quanto arriscada. No entanto, David Gordon
Green parece não se intimidar com a responsabilidade, haja visto que é
exatamente isto que ele faz.
Dando continuidade ao filme de 78 e descartando
todas suas sequências, Halloween tem como grande mérito o respeito que possui a
obra original. Isto é, ao mesmo tempo em que o longa se propõe a abordar
nuances intocadas pela produção setentista, este o faz sempre tendo seu
precursor como diretriz. Além do cuidado na escolha de elenco que se preocupa
em resgatar a própria Jamie Lee Curtis da década de 70, a película brinca com o
universo que a concebeu recriando cenas e eventos praticamente idênticos aos do
primeiro filme. Comuns também são as circunstâncias usadas pela obra para
subverter as expectativas do espectador, fornecendo uma releitura de segmentos
já utilizados na franquia, todavia sob uma perspectiva nova que inverte papeis
e situações; é uma homenagem simples e funcional que exercerá efeito somente
para aqueles que assistiram ao audiovisual clássico.
Outrossim, a película ganha camadas antes
inexploradas ao apresentar uma Laurie ferida, atormentada pelo passado e que
teve a vida inteira afetada pelo encontro com Michael. Como forma de retratar
esse trauma, o filme, ainda em seus minutos incipientes, faz implantes sutis
que remetem às consequências deste no cotidiano da personagem e em sua
concepção idiossincrática, seja através de elementos visuais que abrangem a
construção de uma casa extremamente bem equipada e protegida, seja por meio de
diálogos que contextualizam o público acerca da criação da filha de Laurie a lá
soldados de guerra. No centro de toda essa paranoia está Jamie Lee Curtis,
atriz que, ao reviver a persona que a imortalizou nos cinemas quatro décadas
atrás, amadurece junto da personagem; aquela adolescente frágil e vulnerável já
não existe mais, no lugar ficou uma senhora enrijecida, durona, determinada,
que zela pela segurança da família e, acima de tudo, anseia por vingança.
Esse novo aspecto da personalidade de Laurie
impõe parâmetros inusitados ao enredo: o tradicional jogo de gato e rato que
tanto satura o gênero dá lugar à ansiedade de uma personagem que quer ser
encontrada; a mocinha (provavelmente "badass" seria um termo
mais apropriado), mais que uma vítima em potencial, é tão ameaçadora e
imponente quanto o serial-killer; e o fato da Laurie passar os anos
esperando pelo Michael cria uma curva dramática incomum em produções slasher.
Tais desconstruções criam inúmeras possibilidades narrativas que incitam as
expectações do assistente mediante um possível e sanguinário embate final. Nesse
sentido, o longa trabalha o imagético do espectador deixando-o matutar sobre as
possíveis eventualidades que irão culminar no inevitável confronto. Ademais, é
impossível não mencionar as discrepâncias físicas que há entre Michael e
Laurie, sendo estas facilmente galgadas pela protagonista com um repertório de
intensos treinamentos e estratégias desenvolvidas; aliás, em tempos de
representatividade Laurie Strode é um símbolo de empoderamento feminino.
Pelo lado oposto, Michael Myers está mais
implacável do que nunca. A priori, convém frisar o escopo primordial da
película calcado em refutar teorias que alegam o parentesco do assassino com
Laurie, entregando-se ao conceito de que Michael, em contraparte, nada mais é
que a própria personificação do mal. Ou seja, enquanto Strode deseja matá-lo
por pura e catártica libertação emocional, Myers a rotula como vítima
simplesmente para aparar uma ponta solta de seu passado. Partindo dessa
premissa, o filme arquiteta em torno do mesmo toda uma áurea mística,
tornando-o uma entidade nefasta, fazendo de sua máscara um objeto praticamente
amaldiçoado e elevando o tom enigmático que permeia sua fisionomia; nesse
quesito, o longa instiga ao máximo a curiosidade do público ao usufruir de
planos que expõem o personagem de costas ou apenas um pedacinho de sua face,
mas sem jamais mostrá-la por completo.
Por outro lado, Halloween, quando longe de seus
dois astros, perde grande parcela de ímpeto. O oficial Hawkins, que até dado
momento da película se vê bem cuidado pelo entrecho, tem o plot selado
de um modo frustrante que não faz jus à relevância até então lhe atribuída.
Já o Dr. Sartain se responsabiliza por centralizar um arco que tenta emular a
subtrama do Dr. Loomis no filme original, contudo sem a mesma força e carisma,
fazendo deste, em sua completude, previsível e desnecessário. Por sua vez,
Allyson, apesar de influenciar parte das motivações de sua avó Laurie,
individualmente nada oferece ao enredo.
Embora o longa opte por uma estrutura ímpar
dentro do subgênero que agrega, este, entretanto, não se priva totalmente de
características notórias da respectiva gama de obras que faz parte. Como
principais exemplos destacam-se o uso da câmera subjetiva e da final girl,
além de itens típicos relacionados à confecção do antagonista, tais como o
passo moroso, a máscara, preferência por adolescentes e a incrível capacidade
de sair ileso de situações periclitantes. No mais, a ilustre e apreensiva
música-tema de John Carpenter é restaurada, desta vez com melindrosos toques
nupérrimos que aderem à mesma um tom moderno, porém sem desprezar sua essência
nostálgica.
Referente à direção, David Green recorre
bastante a reflexos e jogos de luz e sombras para alcançar a tensa atmosfera
objetivada. Já as mortes estão mais brutais e efetuam enorme impacto quando
requisitadas, o que acontece de forma bastante periódica para não tornar a
violência gratuita. Nesse âmbito, o cineasta esbanja destreza ao escrutinar os
cenários e omitir a visceralidade gráfica de alguns trechos, estabilizando a
câmera frente a objetos banais, prezando o silêncio e estimulando uma angústia
vigente ao focar em sons minimalistas e obnubilados que fazem o assistente ter
os piores pensamentos presumíveis. Há um garboso plano-sequência que resume bem
a estratégia supracitada, onde a câmera acompanha o Michael sob uma perspectiva
posterior até imobilizar-se enquanto o personagem mata uma pessoa sem que esta
seja vista, ao passo que o choro de um bebê é o único som em realce e faz o
espectador afligir-se com a possibilidade do psicopata fazer-lhe mal.
Por fim, o terceiro ato, apesar de encerrar a
película no tempo ideal, perde a força dos atos que o precederam. Isto se deve
exponencialmente ao conflito entre Michael e Laurie que, ainda que eletrizante
e tendo em vista as altas expectativas endossadas a este, não corresponde
necessariamente ao que fora prometido e aguardado.
Em suma, Halloween é um tributo contemporâneo
bem-vindo a um dos precursores do subgênero slasher.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Leia Também:
Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 25
de outubro de 2018
Direção: David Gordon Green
Elenco: Jamie Lee Curtis, Judy
Greer, Andi Matichak...
Gênero: Terror
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Google):
Quatro décadas depois de escapar do ataque de
Michael Myers em uma noite de Halloween, Laurie Strode precisa confrontar o
assassino mascarado mais uma vez após ele escapar de uma instituição.
Avaliação:
IMDb:
6,6
Rotten:
79%
Metacritic:
67%
Filmow
(média geral): 3,4
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,7/3,5
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 8,5
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