Além de ser um dos momentos mais fatídicos da
História, a ida à Lua representou, mais que um gigantesco salto para a
humanidade, o auge de um confronto entre duas supernações, incontáveis avanços
tecnológicos e uma forma distinta e mais íntima do homem enxergar o universo. Embora
o planeta esteja ciente da relevância deste evento e de toda sua representatividade,
os diversos meios do entretenimento constantemente o utilizam como princípio de suas estórias. O Primeiro Homem é mais um desta leva, comprometendo-se a
abordar de maneira imparcial e verossímil a vida daquele que foi o primeiro a
pisar no satélite natural da Terra.
Dirigido por Damien Chazelle, o filme é o
primeiro do cineasta que não possui vínculo com o ramo da música, pelo
contrário, trata-se da cinebiografia de um dos mais importantes astronautas da
história do planeta: Neil Armstrong. Ao optar por explorar oito anos da jornada
do homem que foi o primeiro a tocar os pés em solo lunar, o diretor faz uma escolha
bastante acertada que o permite abranger uma expansão de momentos marcantes da
vida de Neil sem que a narrativa entre em marasmo. Sobretudo, a empreitada em instante
algum se mostra corrida ou atropelada, considerando que a forma usada para as circunstâncias
e os personagens se desenvolverem é totalmente orgânica. Ademais, o ritmo ágil
do longa não dá brecha para arrastadas explicações físico matemáticas, o que
possibilita o enredo fornecer ao assistente apenas conceitos mitigados que,
além de inteligíveis, jamais subestimam o público.
A concepção atmosférica e cenográfica é um dos
principais aspectos de O Primeiro Homem. O espectador se sente dentro das
naves, seja consoante a mixagem de som assustadoramente tangível que abarca a confecção
de ruídos e barulhos metálicos, os movimentos de câmera caóticos que emulam as
movimentações instáveis dos veículos aéreos e as ambientações claustrofóbicas
que, aliadas a primeiríssimos planos e planos-detalhe, salientam a tensão dos
respectivos segmentos e o desconforto dos pilotos. O figurino característico e o
design de produção meticuloso são outros fatores que corroboram para imersão do
público; também vale ressaltar a trilha sonora épica que faz dos momentos icônicos
ainda mais emblemáticos. Em contraparte, Chazelle, periodicamente, abusa de zooms
desconexos que não fazem sentido técnico ou exercem qualquer tipo de
pertinência dentro do entrecho.
Apesar do elenco gigantesco, nenhum ator além
do Ryan Gosling (e da Claire Foy) usufrui um tempo considerável em tela. Portanto,
é comum que o assistente estabeleça um vínculo compacto com o personagem, o que
se acentua pelo percurso penoso deste e sua convicção que é um importante
elemento impulsor da trama. Igualmente é perspícuo que o embasamento da persona
é fundamental para a empatia do público, e o roteiro é assaz cauteloso neste
âmbito. Ao utilizar o luto como cerne da odisseia de Neil, o script
desenvolve seu protagonista a partir de uma perca central e consecutivas infelicidades
funestas que cercam-lhe rotineiramente, o que gradativamente o endurecem, deixam-no
amargurado e criam um processo de introspecção que o faz encontrar no trabalho
seu único subterfúgio; para Armstrong, ir à Lua não era nenhum tipo de honra ou
ato patriótico, mas sim um débito que tinha consigo motivado pelo passado lúgubre.
Tais investidas tornam extremamente agonizantes as sucessivas falhas de
realização do projeto, tanto para o personagem quanto para o espectador, fazendo
da chegada à Lua algo ainda mais grandioso e um bem-vindo refrigério.
(SPOILERS A SEGUIR) Como adendo, o plot de Neil tem um
desfecho demasiado repentino após seu retorno da Apollo 11. Teria sido profícuo
analisar como a conclusão de sua trajetória espacial o influenciaria dali em
diante tendo em vista todos os seus traumas e conflitos. (FIM
DOS SPOILERS)
Jason Clarke, um dos nomes a integrar o
mencionado elenco estelar, tem uma boa participação e desempenha um papel que,
exclusos Neil e Janet, conquista a simpatia do público (ele é um rosto que
seria interessante ter pouco mais de tempo em cena). Aproveitando o gancho, Janet,
mulher do Neil, representa o eixo estável do núcleo familiar que agrega, ou
seja, ela é a responsável por apaziguar o ar domiciliar e, por vezes, servir de
alicerce emocional para Armstrong. Claire Foy, intérprete da respectiva, transita
com destreza pelos estados de medo, preocupação, aflição e impotência da persona
vivida perante a profissão altamente arriscada do marido. Ryan Gosling, por sua
vez, incorpora com aptidão um homem austero, determinado, que retrai seus
sentimentos e sofre em silêncio; é uma atuação focada na angústia latente de um
homem martirizado.
O Primeiro Homem também é perspicaz em seu molde
de pano de fundo que intertextualiza um embate político entre duas potências
mundiais e um cenário nacional conturbado permeado por controvérsias e ideais
dissidentes. Isto é, a película utiliza a Guerra Fria e suas intrínsecas consequências,
tais como a corrida espacial e revoltas populares, para não glorificar, mas sim
impor reflexões quanto ao custo financeiro e em vidas que os EUA gastaram em
sua ambição por chegar à Lua; embora o objetivo tenha sido alcançado, a obra
nos faz questionar se realmente valeu a pena.
Genuíno, cativante e humano, O Primeiro Homem é
uma cinebiografia tecnicamente apurada que se distingue dos fastidiosos parâmetros
narrativos convencionais do gênero, e que oferece uma experiência cognitiva praticamente
palpável.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Austrália):
11 de outubro de 2018
Direção: Damien
Chazelle
Elenco: Ryan
Gosling, Claire Foy, Jason Clarke...
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Google):
O astronauta estadunidense Neil Armstrong
embarca na histórica e perigosa jornada à Lua em 1969.
Avaliação:
IMDb:
7,5
Rotten:
88%
Metacritic:
84%
Filmow
(média geral): 3,7
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 4,1/5,0
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 9
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