6 de fevereiro de 2019

Kontaminantes ☣ , Green Book , Comédia-filme , Filmes ,

Green Book

Pôster


Intocáveis, O Auto da Compadecida, Antes de Partir, Artista do Desastre... e Green Book. O que esses longas têm em comum? Além da qualidade inquestionável e o gênero similar, as respectivas produções se assemelham ao apresentar como protagonistas dois homens distintos que, segundo determinadas ocorrências, constroem uma sólida amizade ou fortificam a relação, seja entre Driss e Philippe, João e Chicó, Edward e Carter, Tommy e Greg e, no mais recente caso, Tony e Don.
Apesar de baseado em fatos, Green Book tem uma estória que, em pleno 2019, não demonstra nada de inusitado. Todavia, embora a direção seja ordinária, se resguarde a investidas lacônicas e o espectador com maior acervo cinematográfico já tenha visto este filme, Green Book em momento algum tem suas qualidades afetadas pela narrativa habitual. Isto se deve fundamentalmente a dois elementos: a química sublime entre os protagonistas, e o timing perfeito com que o diretor cadencia a leveza da dinâmica central à acidez vinculada aos ramos racistas do entrecho. Vale retificar que, apesar do comando pouco arrojado de Peter Farrelly, o cineasta trabalha habilmente as vertentes convencionais de seu posto, tal como o ritmo harmônico comprova.
Concernente à dupla de astros, tanto as personas quanto os atores são formidáveis. Estereótipos contrários de suas etnias, Tony e Don, ademais de subverterem arquétipos sociais, contrastam em todos os aspectos, e isso gera um cômico, orgânico e eficiente baque entre mundos que se defasam. Tony é, no mais claro português, "relaxado", despretensioso, impulsivo, sagaz, desprovido de educação, bons modos e linguajar culto. Já Don é pragmático, preza pela calma e seriedade, elegância, resoluções dialógicas, comportamento requintado e falas rebuscadas. Embora airoso, sua imagem só é laureada quando sobre o palco, pois os caucasianos o repudiam e os negros não o aceitam consoante seu status. Tais exclusões concebem uma vida dolorosa e solitária para Don que transcende a polarização racial. Vale ressaltar a sutileza de certas sequências que frisam o vazio e o martírio latente do personagem.
Tony, que possui pouco mais tempo de tela, tem sua personalidade primordialmente bem introduzida. Assaz carismática, a figura instantaneamente cai nas graças do público, contudo na mesma velocidade se acentuam seus pensamentos preconceituosos. Tais princípios são essenciais para sua evolução na trama, assim como para estabelecer a forma com que o racismo é tratado na película. Com ressalvas para esporádicos eventos de violência física, o caráter segregacionista dos anos 60 é delineado na maneira revoltante, mas natural com que as pessoas encaravam os negros, seja ao disponibilizarem banheiros próprios e indignos para estes, não permitir com que experimentem roupas e até mesmo adentrem específicas localidades. O próprio título faz alusão a um guia que os motoristas recebem para saber como lidar com um afrodescendente como passageiro e os potenciais "contratempos", o que é tremendamente absurdo, mas visto como algo normal na época.
Considerando que Tony é o reflexo cru de tudo dito - o que se sobressai em suas pressuposições e rotulagens genéricas acerca da raça negra -, é inevitável uma tensão inicial entre Tony e Don, porém o roteiro é categórico ao estimular a criação do elo entre os dois a partir desse choque incipiente. Fluido e humano, ambos têm o relacionamento desenvolvido conforme se intensificam as situações racistas durante a viagem que realizam, o que se mostra um método eficaz de inocular condescendência e empatia à figura do Tony. A discrepância que há entre a idiossincrasia dos personagens é outro fator que alicerça a amizade, visto que são as hilárias divergências que os aproximam, proporcionam mútuo aprendizado e transformam a perspectiva dos mesmos.
Green Book é, sobretudo, um filme sobre a concepção de laços humanos. Isto é, além da forte relação entre os protagonistas, um ponto bastante ratificado pelo script é o envio de cartas de Tony à sua mulher. Aparentemente banal, tal arremetida, ademais de atribuir camadas a figura, serve para reiterar a conexão que há entre o casal mesmo estando distantes. É um elemento sucinto da trama que corrobora veementemente com a mensagem a ser transmitida.
No que se refere ao desempenho cênico, Viggo incorpora com magnificência seu papel, seja no modo despreocupado com que se porta, desleixado com que come e inconsequente com que age. A atuação também é marcada por um físico robusto e um sotaque italiano carregado. Mahershala, por sua vez, exprime tranquilidade e um ar sábio, eloquência na forma com que se comunica, graciosidade na maneira constante com que ajeita o terno e desajeito ao provar um frango. Entretanto, resignação com o preconceito vigente igualmente realça a performance, assim como um único e expressivo episódio de catarse. Pode-se dizer que os prêmios até então conquistados são mais que justificáveis.
Não obstante, a confecção do período retratado é fantástica, seja na arquitetura das casas e monumentos, no design de produção consentâneo e nas vestimentas características. Deve-se exaltar a trilha sonora que dita o tom lúdico nos devidos momentos, e denota presença mostrando-se congruente à época em destaque.
No mais, Green Book tem atuações impecáveis, enredo contagiante e um equilíbrio tonal primoroso.
Matheus J. S.

Assista e Kontamine-se

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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 24 de janeiro de 2019
Direção: Peter Farrelly
Elenco: Viggo Mortensen, Mahershala Ali, Linda Cardellini…
Gênero: Comédia dramática
Nacionalidade: EUA

Sinopse (Google):
Tony Lip, um dos maiores fanfarrões de Nova York, precisa de trabalho após sua discoteca fechar. Ele conhece um pianista que o convida para uma turnê. Enquanto os dois se chocam no início, um vínculo finalmente cresce à medida que eles viajam.

Avaliação:
IMDb: 8,3
Rotten: 81%
Metacritic: 69%
Filmow (média geral): 4,2
Adoro Cinema (usuários/adorocinema): 4,2/4,0
Kontaminantes (Matheus J. S.): 9,5
Avaliação

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