Reconhecido mundialmente como um dos diretores
mais polêmicos e audaciosos da atualidade, Gaspar Noé chega com Climax a seu quinto
longa-metragem. Premiado em Cannes e ovacionado pela crítica especializada, o
novo trabalho do cineasta argentino é mais uma obra esdrúxula e controversa.
Climax é um filme que se apropria de muitas
características antes já vistas na cinebiografia de Noé, o que se resume à fotografia
psicodélica, extensos planos-sequência, câmera inquieta e subversões
estruturais, ou seja, o diretor está se aventurando por um terreno seguro. No
entanto, embora isso devesse antecipar uma maior probabilidade de acertos, acaba
sendo o tendão de Aquiles do longa, visto que Gaspar se acomoda com um enredo
raso apostando em elementos técnicos que anteriormente obtiveram êxito em sua
carreira; Climax é uma produção tecnicamente bem-feita, mas narrativamente deficiente.
Exemplificando, os créditos finais apresentados
durante os primeiros minutos da película e os nomes dos atores e integrantes da
equipe expostos com mais de meia hora de filme - habitualmente introduzidos nos
instantes iniciais -, representam com exatidão o grande problema do longa: o cineasta
se vê no direito de fazer algo só porque no passado deu certo, porém dessa vez o
faz sem sequer se preocupar com contextualizações. Outro exemplo decorre das duas
cenas de abertura que são bastante atípicas e curiosas, mas pouco agregam à
trama, provando que ser diferente e singular não significa ser necessariamente
bom.
O "primeiro ato" (se é que se pode
chamar assim), todavia, é o que desponta como o auge da película, considerando
que posteriormente a mesma se vê em um declínio qualitativo sem precedentes. O
grande destaque deste é o plano-sequência que o abre, onde ocorre um gigantesco
ensaio composto por vinte e quatro integrantes; é uma cena estupenda, de vários
minutos e extremamente bem coreografada, em que o conjunto funciona como um só
contribuindo para criar uma experiência imersiva, intensa, sensual, esquisita e
peculiar. A forma com que o segmento é filmado denota a proficiência do
diretor, haja visto que ele possui total controle do espaço e como usá-lo a seu
favor, a hora de estabilizar a câmera, mexê-la e passeá-la em meio aos
personagens visando extrair o máximo de sentimento da dança sempre com a melhor
perspectiva possível. O elenco, por sua vez, está completamente entregue à
sequência, cada personagem com ao menos uma pontinha de realce implantando um
pouco de sua cultura e estilo, sem ninguém cometer gafes ou comprometer a
respectiva sintonia corporal; é uma realização difícil em todas suas nuances que
simboliza o apogeu da obra e de seus atores.
Em seguida, Climax se estende por uma série de diálogos
banais e muito mais dança. Nesse sentido, as conversações se articulam com
naturalidade, nada daquilo parece ensaiado ou premeditado, é assaz espontâneo. Nesse
meio tempo, a câmera migra, sem cortes, de um personagem a outro, vasculhando
os cenários a esmo enquanto o filme estabelece seus parâmetros de condução
narrativa: muita câmera na mão, planos zenitais, ângulos distorcidos, música
eletrônica e a predominância de cores néon com ênfase no vermelho e amarelo,
salvo alguns toques azuis e requintes verdes, sendo todos elementos que corroboram
enfaticamente a concepção atmosférica mentecapta. Também vale frisar a
utilização de cortes secos que permitem a continuidade da mesma cena como se estes
nem tivessem acontecido, adicionando mais um item ímpar e irrelevante à direção
desconstruída de Noé.
Entretanto, quanto mais o longa caminha, piores
as coisas ficam. O que começa como um retrato cru e externo de uma "bad
trip" coletiva, termina em uma bagunça sensorial abstrata que para
alguns não tem nenhum sentido. Claro, Climax merece reconhecimento pela
transição quase que imperceptível da ordem ao caos que arrebata o espectador de
assalto, expondo mais um mérito da direção que trabalha com primor a
ambientação que tem em mãos, fazendo com que salões espaçosos, por intermédio
de uma câmera cada vez mais estreita e
agitada, dêem lugar a corredores comprimidos e cenários claustrofóbicos. Contudo,
as virtudes cessam por aí.
Transcorridos vários minutos de pura estagnação
narrativa, a película fica sem rumo, arrastada, repetitiva, vaga e redundante,
até a interação entre os personagens passa a ser só mais um meandro para o
filme se esticar de forma interminável. As atuações, que antes se resumiam a
qualquer comportamento fora do normal, tornam-se histriônicas; a ausência de um
protagonista e um fio condutor concreto começam a pesar; e a inexistência de um
elo entre o público e os personagens faz com que o assistente não se importe nem
um pouco com as consequências trágicas vistas em tela.
No mais, há algumas frases impostas ao correr
do longa que possuem o intuito de fornecer uma diretriz para compreensão de uma
suposta tentativa de transmissão de mensagem, o que é falho, considerando que a
inserção destas é dispersa e gratuita. Ademais, a produção tem uma forte
conotação sexual que é totalmente despropositada, e a breve abordagem do tema
maternidade é superficial. Por fim, a estética da obra, anteriormente lúcida e objetiva,
termina em um imbróglio visual.
Climax, em suma, é um filme autoindulgente,
irregular e pretensioso.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 31
de janeiro de 2019
Direção: Gaspar Noé
Elenco: Sofia Boutella, Romain
Guillermic, Souheila Yacoub…
Gênero: Drama
Nacionalidade: França
Sinopse (Google):
Nos anos 90, um grupo de dançarinos urbanos se
reúne em um isolado internato, localizado no coração de uma floresta, para um
importante ensaio.
Avaliação:
IMDb:
7,1
Rotten:
70%
Metacritic:
67%
Filmow
(média geral): 3,7
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,2/3,5
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 4,5
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