12 de outubro de 2019

Kontaminantes ☣ , Midsommar , Filmes , TerrorHorror-filme ,

Midsommar

Pôster


Em uma época onde reboots, remakes, adaptações literárias, filmes baseados em HQs e séries teen dominam o cenário audiovisual, é mais que gratificante poder deliciar obras que desafiam nossas mentes e se propõem a algo mais do que simplesmente entreter. Felizmente Midsommar é um desses raros exemplares.
Sem delongas, Midsommar é uma obra que discute assuntos atuais de maneira única e, sobretudo, utilizando uma linguagem bastante peculiar. Isto é, para alicerçar o enredo o diretor (Ari Aster) conduz o espectador aos recônditos da Suécia para desbravar um mundo completamente novo, este moldado por componentes folclóricos excêntricos e inexplorados pelo grande público. Nesse sentido, as particularidades que agregam a esdrúxula sociedade mostram-se fundamentais para fomentar o desconforto do assistente, visto que a não familiaridade deste serve como gatilho para seu estranhamento e incômodo frente aos vários aspectos tradicionais da respectiva comunidade.
Outrossim, o roteiro é audacioso na construção desse universo sem igual e na submersão continuamente inquietante do espectador. Ou seja, este se apropria desde eventos simples (refeições) até os menos singelos (ritos de passagem e cerimônias de acasalamento) para manter o público apreensivo durante todo o tempo e afrontar os preceitos de normalidade e tolerância do mesmo. Reiterando, destaca-se o espanto dos personagens perante a série de singularidades vistas em tela que servem para acentuar o estarrecimento do próprio assistente. Ademais, o longa também usa o visual grotesco de um de seus coadjuvantes para testar mais uma vez os valores éticos e conceituais do espectador.
Pouco literal, Midsommar é uma produção de caráter predominantemente especulativo. Dito isto, a direção porta-se com perspicácia ao atribuir ênfase a determinadas coisas e deixar o público ruminando sobre o porquê de tal enfoque. Para isso, é comum o uso de planos-detalhe que exaltam a presença de algum objeto, além de planos com maior amplitude panorâmica que sugestivamente exercem o contraste de uma unicidade do cenário (como um urso enjaulado ou um templo amarelo) com o restante da paisagem. Esses mesmos planos constituem pitorescas imagens que, respaldadas pela vivacidade cenográfica, formam belíssimos e intrigantes enquadramentos.
Dentre os elementos que dão vida a esse mundo, convém realçar o minucioso trabalho de caracterização cultural. Considerando que todas as vertentes técnicas influenciam diretamente a respectiva concepção, a película realiza uma hábil amostra de equilíbrio e sinergia ao fazê-las executarem suas funções jamais de forma concorrente, mas sim de modo simultâneo e complementar. Isto é, enquanto a cenoplastia responsabiliza-se por criar ambientações dionisíacas que evocam uma atmosfera onírica, as vestimentas brancas transmitem um suspeito sentimento de imaculidade e a trilha diegética composta por cantorias típicas mostra-se tão enervante quanto os toques extradiegéticos, o longa transforma-se gradualmente em um pesadelo fílmico de intenso grau imersivo e caos crescente.
Da mesma maneira, articula-se o fato da região visitada pelos personagens nunca anoitecer completamente, o que possibilita a película abordar métodos arrojados e diversos para desestabilizar o assistente. Como sublinhado pelo tosco subtítulo recebido no Brasil (O Mal Não Espera a Noite), o filme, ademais de despachar o ambiente noturno como palco narrativo (tão habitual em produções de horror), igualmente subverte outras convenções do gênero e investe no impacto psicológico da trama para embasá-la. Em outras palavras, Midsommar é mais um integrante da recente leva de obras conhecida como Pós-Terror, um movimento marcado por um forte viés dramático que objetiva amedrontar seu público através de um engajamento emocional compacto despindo-se de estigmas como recursos baratos que visam à conquista do susto fácil.
Estabelecido tais parâmetros, a película não recorre à utilização de jumpscares ou outras ferramentas gratuitas, acionando, em contraparte, artifícios que, além de todos aqueles supracitados, molestam intimamente o espectador. Entre eles, cabe ressaltar a pontualidade com que o filme recruta a violência gráfica, chocando o público por conta de sua exposição cru, ríspida e impudica. É importante frisar que há quebra de paradigmas até no modo escolhido para se fazer as filmagens (mérito do cinegrafista), haja visto que o longa opta sempre por travellings calmos e passeios de câmera sutis e pacientes, prevalecendo na contramão de produções que orbitam a mesma esfera. No mais, a película periodicamente se propõe a arremetidas mais intrépidas, concebendo segmentos de ponta-cabeça e brincando com a perspectiva do assistente, colocando este sob a mesma distorção cognitiva que afeta as figuras em tela decorrente do uso de certos entorpecentes; nesse quesito, o espectador jamais tem convicções quanto ao que é ou não real.
A comicidade é outro fator que merece notoriedade. Ainda que Midsommar seja um horror, o filme por vezes aposta em um humor ímpar proveniente do absurdo de algumas cenas; é um humor que nasce do esquisito e bizarro, provocando um riso arbitrário e automeditativo. Por outro lado, o personagem do Will Poulter (Mark) efetua o contraponto leve do script, exercendo uma jocosidade funcional e narrativamente bem-vinda.
Entretanto, nenhum dos itens até então mencionados obteriam êxito se não fossem alicerçados por um sólido pano de fundo. Tecido por metáforas e simbologias, o longa se propõe a debates relevantes que condensam seu conteúdo em algo mais do que uma simples produção cinematográfica, o que é feito de forma inteligente sem se tornar pretensioso e sem subestimar a capacidade do público. Dessa maneira, o entrecho se enraíza em pautas que agregam temas como luto, empatia, mágoa, solidão, sofrimento, perda, traição, desamparo, aceitação e, principalmente, relacionamentos tóxicos. Concernente a este, a película faz o assistente se indagar a partir de que ponto uma relação passa a ser insustentável, além de inferir reflexões que abrangem os papeis e responsabilidades que permeiam uma interação amorosa.
No mais, é imprescindível enaltecer o desempenho cênico de Florence Pugh que calibra o texto e externa com consentaneidade e proficiência toda a carga emocional deste. Performance calcada em dor e martírio, a atriz transmite com muita autenticidade o calvário da personagem, tornando-o palpável ao espectador e atribuindo maior densidade à experiência como um todo. Contudo, ademais dos trechos que reverberam a angústia da persona, Florence também exibe talento mediante a versatilidade de sentimentos que o roteiro a impõe, transitando por facetas que se alternam entre resignada, negligenciada e acolhida. Já no que se refere ao restante do elenco, todas as atuações são ordinárias.
Em suma, Midsommar é um filme curioso, perturbador, indigesto e autoral.
Matheus J. S.

Assista e Kontamine-se

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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 19 de setembro de 2019
Direção: Ari Aster
Elenco: Florence Pugh, Jack Reynor, Will Poulter...
Gênero: Terror
Nacionalidade: EUA

Sinopse (Google):
Dani e Christian formam um jovem casal americano com um relacionamento prestes a desmoronar. Mas depois que uma tragédia familiar os mantém juntos, Dani, que está de luto, convida-se para se juntar a Christian e seus amigos em uma viagem para um festival de verão único em uma remota vila sueca.

Avaliação:
IMDb: 7,3
Rotten: 83%
Metacritic: 72%
Filmow (média geral): 3,7
Adoro Cinema (usuários/adorocinema): 3,0/4,0
Kontaminantes (Matheus J. S.): 9
Avaliação

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