Mais que o novo filme de M. Night Shyamalan,
Vidro completa uma trilogia que conta com dois excelentes capítulos: Corpo
Fechado e Fragmentado. Incumbido de encerrá-la à altura, será que o mais
recente trabalho do cineasta indiano cumpre com suas obrigações?
Sem delongas, Vidro falha em sua missão. Apesar
de algumas boas ideias, o longa demonstra irregularidades majoritariamente
vinculadas ao ritmo enfadonho e a concepção mal-ajambrada de personagens e
arcos adjacentes. Isto é, ao manter confinados seus protagonistas durante
grande parte do enredo, a película adquire um cadenciamento maçante que
desperdiça as melhores faculdades de seus astros enquanto introduz subtramas
pífias sem qualquer tipo de desenvolvimento. Casey passa o filme todo dispersa
ao núcleo central saturando o texto em tentativas falhas deste romantizar sua
relação com Kevin; é algo que não há explicação ou sequer ganhe camadas. Já
Joseph em instante algum justifica sua participação no longa, assim como a mãe
de Elijah que é regurgitada na trama; ambos existem para reciclar papeis de
dezenove anos atrás como forma da produção se mostrar mais atrativa do que
realmente é. Vale ressaltar uma cena pretensiosamente tocante na qual os três
últimos citados dão as mãos e se emocionam por um determinado motivo; é tosco,
clichê e não faz sentido, até porque o espectador jamais consegue se envolver
sentimentalmente com os mesmos.
A Dra. Ellie é outro desastre. Insossa e
desinteressante, a personagem é a responsável pela exposição preguiçosa de
alguns pontos-chave do script e por fastidiosas repetições acerca de sua
tese sobre as figuras centrais; é exaustivo, além do texto claramente
subestimar seu público. Entretanto, essa mesma persona é a encarregada de ser
um fio condutor bastante engenhoso do roteiro.
Desastrosa também é a utilização de
flashbacks. Frívolo em sua maioria, o recurso, da maneira mais obvia
possível, procura reiterar alguns elementos que já foram verbalmente
enfatizados, o que torna a película redundante e pouco entusiástica. Neste
âmbito, o assistente é convidado a desbravar pouco mais do passado de Kevin,
porém sem o aprofundamento devido e, novamente, de modo patente. Outros
artifícios usados, tais como alongados planos-sequência, primeiríssimos plano,
inversos jogos de câmera e paleta de cores onírica e cartunesca, não exercem
efeito, visto que a falta de inspiração do roteiro inibe o potencial de todas
as outras vertentes da obra, quaisquer sejam suas intenções.
As sequências antagônicas entre Kevin e David
que deveriam ser o auge recreativo do longa são, a grosso modo,
"brochantes". Minimalistas e frustrantes (há apenas dois segmentos em
que os personagens se confrontam ao longo de todo o filme), as respectivas não
acompanham a trilha atmosférica que deveria ditá-las, não possuem a
verossimilhança necessária para emular uma luta de verdade, e muito menos a
extravagância requerida por um embate fictício de grandes proporções. Isto se
deve ao uso excessivo de planos faciais e da câmera subjetiva que nunca
permitem o espectador ter um panorama limpo e completo do que se passa, ademais
da coreografia ser - na ausência de um termo melhor - bisonha.
Na contramão de tudo até então mencionado, está
Elijah. Último dos três protagonistas a dar as caras (o que eleva as
expectativas em torno de sua aparição), o personagem mantém a filosofia prezada
em Corpo Fechado e é o motriz de algumas guinadas cabais do roteiro. Mais que
um singelo vilão ou herói unidimensional, Elijah é o arquiteto de um esquema
arrojado que se entrelaça as principais reflexões do entrecho, como:
autoaceitação, fé e o que é ser um super-herói. Embora sua genialidade seja bem
explorada, o Sr. Vidro se vê refém da autoindulgência da película que, em menos
de quinze minutos, articula três plot twists determinantes para o arco do
mesmo e de seus companheiros de tela. Tais reviravoltas denotam eficácia
somente para alguns, ou seja, estas dependem exclusivamente das expectações do
assistente e a receptividade deste para com o absurdo.
Concernente as atuações, James McAvoy indubitavelmente
se destaca. Mais uma vez perfeito na maleabilidade com que interpreta múltiplas
personalidades, o ator, além das facetas antes incorporadas, tem a oportunidade
de viver, mesmo que brevemente, personas inusitadas da mente de Kevin, o que
ratifica seu talento e versatilidade. Seja nos trejeitos, maneirismos, feições,
forma de andar, se portar, entonação da voz, McAvoy veste cada identidade com primor e deslumbre: Kevin é o mais
conflituoso e instável da Horda; Hedwig o mais pueril e inócuo; Patricia a mais
perspicaz, fria e inteligente; e a Fera (ou Besta) a mais amedrontante, de
imponente e intimidante presença física, totalmente visceral e selvagem. Ademais,
Hedwig é a veia cômica instrumental e coesa do longa, assim como a abrupta
mudança de personalidades de Kevin em específicos momentos que, considerando a
discrepância de algumas de suas identidades, resulta num hilário contraste.
No que se refere ao restante do elenco, Samuel
L. Jackson está bastante confortável em seu papel: sagaz e audacioso. Bruce
Willis, em contraparte, não apresenta vigor, ele simplesmente atua e não
demonstra preocupação em se entregar genuinamente ao projeto; é uma performance
comum e indolente. Anya Taylor-Joy, por sua vez, tem um desempenho consentâneo
ao texto que lhe é dado (o que não é muita coisa), em outras palavras, a atriz
fica com “cara de choro” o filme inteiro.
No mais, Vidro, apesar de unir criativamente
dois universos fabulosos de Shyamalan, não funciona individualmente: é
arrastado, problemático, dissonante e desleixado.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil) 17 de
janeiro de 2019
Direção: M. Night Shyamalan
Elenco: James McAvoy, Bruce Willis,
Samuel L. Jackson…
Gênero: Suspense
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Google):
Kevin Crumb, um homem com 24 personalidades
diferentes, passa a ser perseguido por David Dunn. O jogo de gato e rato entre
o homem inquebrável e a Fera é influenciado pela presença de Elijah Price, que
manipula seus encontros e guarda segredos sobre os dois.
Avaliação:
IMDb:
6,7
Rotten:
37%
Metacritic:
43%
Filmow
(média geral): 3,5
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 4,0/4,5
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 4
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