30 de janeiro de 2018

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A Forma da Água

Pôster


ATENÇÃO: A divagação a seguir apresenta uma perspectiva autoral e impopular permeada por sarcasmo e alfinetadas que pode incomodar alguns leitores. Continue por sua conta e risco.

Extremamente aclamado em meio a sites avaliativos e críticos reputados, indicado a 13 estatuetas do Oscar, vencedor do Leão de Ouro em Veneza, de Melhor Filme no Critics' Choice Awards e do PGA Awards (prêmio do Sindicato de Produtores), detentor do Globo de Ouro de Melhor Direção e de mais uma enxurrada de elogios, prêmios e ovações, A Forma da Água é mais um que prova que troféus e prestígio "especializado" não garantem um bom filme.
Mistura mal-feita de King Kong com A Bela e a Fera (sem falar da acusação de plágio acerca da peça Let Me Hear You Whisper de 1969, e da outra acusação que envolve o curta holandês de 2015 The Space Between Us), o longa parte duma premissa convencional e batida que não se sustenta pelo próprio enredo inconsistente. Repleto de problemas, a película lida com personagens fabricados sem o mínimo esforço de atribuir-lhes verossimilhanças ou algum papel distinto do que lhes é rotulado, como é nítido na figura dos malvados, arrogantes e autoritários militares que tratam a pobre criatura como propriedade sua e fazem questão de enfatizar a respectiva postura com o constante entoar de ridículas frases de efeito. O "grande" antagonista da trama exemplifica bem o que foi dito, o estereótipo do homem mau movido estritamente pelo ego, ódio e insolência, isento de quaisquer camadas que autenticamente o humanizem ou justifiquem suas ações além do obvio senso vilanesco. (SPOILERS A SEGUIR) Outra hedionda nequice diz respeito às inúmeras contradições narrativas, como na cena em que a criatura apresenta hesitação e rispidez ao primeiro contato com Elisa e, após, cercada por diversas pessoas que nunca viu numa situação pouco convencional e de extremo estresse, o ser se comporta com indiferente calma e simpatia, quando uma reação histérica e defensivamente agressiva seria o natural.
A ausência de diligência do script ao lidar com os relacionamentos que expõe também se destaca, especialmente entre Elisa e o anfíbio humanoide que se dá de forma demasiado apressada e não permite que o espectador sinta, se envolva e se convença da evolução daquela relação, acarretando num vínculo compelido e de pouca química que rende momentos sacais que se apoderam de nudez e sexo gratuitos e incongruentes (quem faz sexo com um Homem-Peixe que você conhece não faz nem um mês? As tentativas de romantizar esse "namoro" são jecas). Outro exemplo que evidencia a dissonância do roteiro em trabalhar os elos entre seus personagens e a falta de genuinidade da estória consta quando Giles, relutante em concordar com o plano de resgate do animal marinho (plano executado com tamanha facilidade, visto que o prédio é uma instalação do governo que habita um ser exótico que pode alterar o mundo), logo muda de ideia - mudança impulsionada por motivos BANAIS, deve-se dizer, que vai levá-lo a uma missão que pode LHE CUSTAR A VIDA - e se mostra reticente para com a criatura, mas já na sequência seguinte desenvolve uma intimidade infundada e irreal. Você aceitaria na sua casa, passivamente, um bicho monstruoso e ainda interagiria com ele, sem a menor demonstração de medo ou nervosismo? (FIM DOS SPOILERS)
Muitas das músicas que compõem a trilha sonora, com direito a canção brasileira, são desarmônicas e modelam um grotesco contraste com os eventos em tela, sendo o caso mais expressivo o da própria Chica Chica Boom Chic (Carmen Miranda). As investidas cômicas são irregulares e dispostas com insucesso. Os arcos menores, como o do Dr. Robert Stuhlbarg e da Zelda, são irrelevantes e enfadonhos, apesar da personagem interpretada pela Octavia Spencer ser a mais carismática de todo o filme, artifício que não pode ser encontrado em Elisa, figura insossa vivida por Sally Hawkins que, embora tenha de transmitir os sentimentos e emoções da persona apenas por gestos e expressões (ela é muda), tem um desempenho dentro dos parâmetros exigidos ao se incorporar uma pessoa com tal deficiência, uma atuação visando escancaradamente o Oscar (a Academia adora esse tipo de performance), mas que não apresenta nada de extraordinário. Ademais, todos os outros atores estão passáveis em seus papéis.
Clichê no explorar de suas vertentes "reflexivas", o longa tenta impor, de forma barata e infrutuosa, questionamentos acerca das diferenças entre um ser humano e o Homem-Anfíbio, bem como procura salientar, por meio de "sutis" segmentos, a ótica racista, homofóbica e machista da época, todas tentativas falhas e discrepantemente introduzidas. O pano de fundo revestido pela Guerra Fria está lá exata e somente para confecção de cenário, já que o plot sobre o mesmo concernente a espionagem é banal e mal-aproveitado. Além, a película é emotivamente manipulativa, induzindo covardemente o público a se afeiçoar pela criatura por meio de torturas e fragilidades incumbidas à mesma. Ainda referente ao animal marinho, o enredo é superficial ao misticismo que o envolve, imbuindo especulativa e preguiçosamente habilidades injustificáveis a mesma com o único intuito de embelezar e fantasiar o filme, convergindo num desfecho "bonitinho", mas esperado, que soterra o impacto desejado e mais uma vez contradiz determinados fatores lógicos.
Todavia, até durante a noite mais escura se é possível encontrar o brilho de uma estrela. A maquiagem que concebe o personagem humanoide é fantástica (embora a caracterização seja uma cópia descarada de Abe, o Homem-Peixe de Hellboy), e o longa, apesar de todas suas cincas, nunca estafa, embora o turbilhão de acontecimentos sejam mal-ajambrados. A película consegue instigar seu público, é o típico caso da novela ruim e de final obvio, mas que o espectador quer conferir com os próprios olhos. Infelizmente essas poucas ressalvas não salvam a experiência.
A Forma da Água esbanja arquétipos e previsibilidades, é incoerente, artificial e formulaico, um prato cheio para a Academia, os autoproclamados “cinéfilos de mente aguçada” e os ditos "profissionais degustadores da sétima-arte".
Matheus J. S.

Assista e Kontamine-se

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Ficha Técnica (Adoro Cinema):
Data de lançamento (Brasil): 01 de fevereiro de 2018 (2h 03min)
Direção: Guillermo del Toro
Elenco: Sally Hawkins, Michael Shannon, Richard Jenkins…
Gêneros: Fantasia; Drama; Romance                   
Nacionalidade: EUA

Sinopse (Adoro Cinema):
Década de 60. Em meio aos grandes conflitos políticos e transformações sociais dos Estados Unidos da Guerra Fria, a muda Elisa (Sally Hawkins), zeladora em um laboratório experimental secreto do governo, se afeiçoa a uma criatura fantástica mantida presa e maltratada no local. Para executar um arriscado e apaixonado resgate ela recorre ao melhor amigo Giles (Richard Jenkins) e à colega de turno Zelda (Octavia Spencer).

Avaliação:
IMDb: 7,9
Rotten: 92%
Metacritic: 86%
Filmow (média geral): 4,1
Adoro Cinema (adorocinema): 5,0
Kontaminantes (Matheus J. S.): 2
Avaliação

2 comentários:

  1. Maravilhosa produção, todos os elementos deste filme estão muito bem cuidados. Michael Shannon fez um ótimo trabalho no filme. Eu vi que seu próximo projeto, Fahrenheit 451 será lançado em breve. Acho que será ótimo! Adoro ler livros, cada um é diferente na narrativa e nos personagens, é bom que cada vez mais diretores e atores se aventurem a realizar filmes baseados em livros. Acho que Fahrenheit 451 sera excelente! Se tornou em uma das minhas histórias preferidas desde que li o livro, quando soube que seria adaptado a um filme, fiquei na dúvida se eu a desfrutaria tanto como na versão impressa. Acabo de ver o trailer da adaptação do livro, na verdade parece muito boa, li o livro faz um tempo, mas acho que terei que ler novamente, para não perder nenhum detalhe. Sera um dos melhores filmes ficção cientifica acho que é uma boa idéia fazer este tipo de adaptações cinematográficas.

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    1. Oi Luciana, obrigado pelo comentário. Nós aqui do Kontaminantes também adoramos ler e conferir as adaptações quando lançadas, tanto que no blog há as divagações dos livros Paciente 67 e It, bem como suas adaptações cinematográficas, além de outras mais. O próprio A Forma da Água foi produzido de forma concomitante ao livro de mesmo nome também escrito pelo del Toro. Já em relação ao Michael Shannon, ele realmente está bem no filme, assim como em outro recente longa: Animais Noturnos. Ademais, sei muito pouco sobre a adaptação do Fahrenheit 451, embora tenho conhecimento de que o livro se trata duma distopia com reflexões bastante interessantes, tomara que o filme as aproveite bem. Mais uma vez, obrigado Luciana!

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