Yorgos Lanthimos é um diretor responsável pela
autoria de alguns dos filmes mais estrambólicos da atualidade. Com uma carreira
notória pela concepção de obras engenhosas e intrépidas, o cineasta grego tem
migrado de sua terra natal para países onde o cinema possui maior tradição e
repercussão, tais como o Reino Unido e os Estados Unidos. Em A Favorita,
terceiro longa de Lanthimos em língua inglesa, o diretor se apropria ainda mais
de características que marcam o audiovisual ocidental.
A Favorita é a produção com os pés mais
calcados na realidade da cinebiografia de Yorgos. Fato justificado conforme a
confecção do roteiro baseado em fatos e escrito por outros que não o próprio
Lanthimos (esta é a primeira vez que o diretor não dirige e escreve ao mesmo
tempo), a película apresenta uma estória pouco arrojada que inevitavelmente não
se abstém de liberdades poéticas, as quais o grego utiliza para imprimir sua
imagem. Entretanto, visto que este não possui total liberdade sobre o produto,
as poucas investidas audaciosas do texto que carregam apenas um dedinho do
mesmo são falhas, ou seja, nem sempre há um equilíbrio de tom entre o plausível
e o extravagante, pois o roteiro tem um rosto, e Yorgos outro. Por outro lado,
a direção conduzida por atributos singulares é a encarregada de assinalar sobre
A Favorita um pouquinho da genuinidade do diretor.
Bruscos movimentos de câmera horizontais e
verticais; sobreposição concomitante de cenas; distorções visuais; sequências
em slow motion; trilha sonora enervante à base de instrumentos sinfônicos...
estes são alguns dos artifícios que o cineasta usa para desconfortar o público
e deixar um pouco de si na obra, além do fecho abrupto que desconcerta o
assistente e acentua o timing quase que cirúrgico do diretor; o filme
começava a se esticar mais que o ideal. Apesar dos aspectos insólitos, o script
não corresponde à altura e entrega uma trama acanhada que não omite a impressão
de que poderia ousar mais, o que jamais aconteceria se Lanthimos estivesse no
comando criativo da produção. Em contraparte, o cineasta tropeça ao dividir a
obra em vários capítulos intitulados com alguma frase proferida durante o
respectivo; é algo simplesmente presunçoso e despropositado no enredo.
Considerando o que foi dito até agora, também
não se pode negar que o roteiro possua méritos. Desinibido na forma com que
explora os laços de seu trio principal, A Favorita concebe um intrincado jogo
de interesses que permite o destrinchar dos mais primitivos sentimentos
humanos: inveja, ciúmes, egoísmo, ganância, cobiça, luxúria, orgulho, amor... O
longa articula com assaz naturalidade a versatilidade de emoções e graus pelos
quais os relacionamentos centrais transitam, seja nas suspeitas iniciais entre
Sarah e Abigail que logo se transformam em rivalidade, nas desconfianças entre
Abigail e Anne que mais tarde se tornam uma íntima e abusiva relação velada, e no
mútuo afeto entre Anne e Sarah que posteriormente é maculado por incertezas e
ceticismo. Outro ponto a realçar diz respeito ao tempo de tela e relevância de
cada personagem, isto é, todas exercem suma pertinência no entrecho, são
conflituosas e possuem praticamente o mesmo espaço em cena; é quase impossível
categorizar uma protagonista e dizer quem se destaca mais.
Neste cenário, o pano político é deixado em
segundo plano, servindo somente para contextualizar o período histórico e
enfatizar a influência de Sarah e Abigail sobre as decisões da rainha. Falando
em período histórico, o design de produção se mostra fiel ao moldar a época
retratada e grifar as exuberâncias e lauréis da vida monarca. Em
consentaneidade, o figurino faustoso e a maquiagem profusa enaltecem as
vestimentas luxuosas e o status opulento da classe exaltada. Ademais, é neste
palco narrativo em que se desdobram os momentos mais cômicos da película, sendo
que a jocosidade aqui provém do absurdo e das situações pouco comuns ao
espectador.
Concernente às atuações, o trio é bastante
talentoso. Emma Stone incorpora uma mulher astuta, sagaz e maliciosa; Rachel
Weisz vive uma nobre severa e autoritária, mas também perspicaz e detentora de
sentimentos; e Olivia Colman interpreta uma rainha exigente, histérica,
confusa, impulsiva e emocionalmente maleável e manipulável.
Em suma, A Favorita é um filme esteticamente
suntuoso, de direção exótica e que proporciona uma experiência no mínimo
intrigante, mas que também ostenta um texto que nunca é tão mordaz quanto deveria.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
Comente, Compartilhe e Siga Nosso Blog
Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 24
de janeiro de 2019
Direção: Yorgos Lanthimos
Elenco: Olivia Colman, Rachel
Weisz, Emma Stone...
Gênero: Comédia
Nacionalidades: EUA, Reino Unido
e Irlanda
Sinopse (Google):
Na Inglaterra do século 18, Sarah Churchill, a
Duquesa de Marlborough, exerce sua influência na corte como confidente,
conselheira e amante secreta da Rainha Anne. Seu posto privilegiado, no
entanto, é ameaçado pela chegada de Abigail, nova criada que logo se torna a
queridinha da majestade e agarra com unhas e dentes essa oportunidade única.
Avaliação:
IMDb: 7,8
Rotten:
93%
Metacritic:
90%
Filmow
(média geral): 3,9
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,6/4,0
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 6,5
Nenhum comentário:
Postar um comentário