Aproximadamente um ano atrás Gary Oldman
recebia o Oscar de Melhor Ator por sua atuação interpretando um político
coberto de maquiagem que exerceu suma influência histórica. Doze meses depois,
a história está para se repetir.
Falar sobre Vice é falar sobre Adam McKay.
Diretor de longas como Os Outros Caras, Tudo Por Um Furo e, principalmente, A
Grande Aposta, o cineasta trás consigo artifícios que marcaram seu último filme
e mais uma vez sublinham seu trabalho. Com indubitável destaque para a edição,
a película fisga a atenção de seu público a partir da montagem enérgica, cômica
e sarcástica que se reinventa a cada cena. Para tal, o longa intercala vídeos e
fotos concernentes ao que se passa na trama, usufrui de iconografias, brinca
com a percepção do público e desconstrói padrões diegéticos, além de usar
metáforas correlacionando assuntos políticos a situações rotineiras como
frequente recurso narrativo. A trilha sonora também faz sua parte ao cadenciar
o tom lúdico nos respectivos momentos, deixando-se levar pela seriedade de
específicos trechos acentuando a intensidade de seus toques.
Apesar de Vice ser, por vezes, demasiado
escrachado, a postura justifica-se mediante as propostas satíricas do enredo.
Referente à utilização do voice over, o mesmo não pode ser dito, pois
embora mantenha o assistente informado e devidamente contextualizado, não o
instiga - como é objetivado - para saber a quem a voz pertence, o que no fim se
mostra ser alguém desinteressante e dispensável. Contudo, o grande charme do
longa está em sua estrutura ímpar que é um eficaz e recreativo método de
alimentar o entusiasmo do espectador e mantê-lo entretido. Aliás, é um método
que não permite que a trama se torne maçante durante os segmentos mais
burocráticos, mas sim possibilita uma abordagem distinta que transforma em
diversão as sequências mais banais e entediantes do entrecho.
Acima de tudo, Vice é sobre a ascensão de um
alcoólatra fracassado até o posto de um homem privilegiado e suas questionáveis
ações em prol da humanidade. Para representação desta jornada, o filme leva uma
hora até instaurar o Dick Cheney que será o protagonista, o que se concretiza
de forma ágil pelo roteiro ao focar nos principais eventos que culminaram na
vice-presidência. Por outro lado, a narrativa torna-se pouco fluida e
episódica, sobretudo afetada por bagunçados flashbacks que visam frisar
descartáveis e já explorados momentos do passado do personagem.
Quando a personalidade de Dick se estabelece, a
produção ganha novos rumos. Com intuito de escrutinar uma figura extremamente
importante para o curso do mundo, mas que não muitos conhecem, Vice apresenta
um cargo político pouco debatido no cinema, esmiuçando todo o poderio e
relevância que o cerca. É neste cenário que a película tece suas críticas,
abordando atitudes e posicionamentos radicais do personagem e sua influência ao
longo de fatídicos eventos da história dos EUA que se entrelaçam a polêmicos
temas que vão desde controversos procedimentos de investigação até a famigerada
Guerra do Iraque. Apesar da colocação bem definida do longa a respeito de
certas políticas e do próprio Cheney, o assistente se pega refletindo acerca da
índole deste e da complexidade de suas decisões. Vale ressaltar que o filme
jamais o uniteraliza e que, embora o intuito seja destrinchar os conflitos
políticos enfrentados pelo personagem e não fazer um retrato intimista de sua
vida, os sucessivos infartos do mesmo servem para humanizá-lo.
Christian Bale está voraz como
Dick Cheney. A princípio
desestabilizado e inconsequente, o ator incorpora a transformação moral da
figura interpretada com bastante destreza, tornando-se progressivamente um
homem astuto, sábio, ambicioso, sagaz, preciso, focado e pragmático. Sua
maneira de se portar realça toda a envergadura e formalidade do cargo exercido,
enquanto sua fala paciente denota a perspicácia e cautelosidade de seu caráter.
Amy Adams, como a esposa de Dick, vive uma mulher firme, arguciosa, de postura compacta e
retórica persuasiva. A dinâmica que concebe a
relação entre tais personas é gloriosa: ambos se respeitam, admiram-se, tomam
decisões juntos e têm suas vidas entrelaçadas à do outro. Neste aspecto, Lynne
(Amy Adams) é um exemplo de representatividade feminina, pois ela é a
responsável pela guinada na vida do marido e por atos influentes na trajetória
política do mesmo; se não fosse seu monólogo arrebatador ao início da película,
Dick jamais teria mudado.
No que se refere ao elenco de apoio, Steve
Carell atua em sua zona de conforto, um tanto quanto arrogante, mas na maior
parte do tempo debochado. Sam Rockwell, como George W. Bush, interpreta um
presidente operante em sua ingenuidade durante o pouco tempo de tela que lhe é
disponibilizado; a atuação, neste caso, é competente com o texto que lhe é
atribuída, visto que a performance não requer um grandioso empenho dramático.
Ademais dos quilos adicionais que exaltam o
comprometimento de Bale para com o projeto, a maquiagem se mostra um fator
fundamental para confecção do envelhecimento e caracterização dos personagens.
Como adendo, as subtramas paralelamente impostas ao arco central saturam o
enredo, excluso o plot da filha de Dick que promove sucintas, mas
pertinentes reflexões sobre homossexualidade, política e conservadorismo.
No mais, Vice é uma produção irreverente,
peculiar, divertida, didática e que adere relevância a uma figura da história
americana que passou despercebida por milhões.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 31
de janeiro de 2019
Direção: Adam McKay
Elenco: Christian Bale, Amy Adams, Steve Carell…
Gênero: Comédia
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Google):
Acompanhe a ascensão de Dick Cheney ao se
tornar o homem mais poderoso do mundo. Vice-presidente de George W. Bush, ele
remodelou os Estados Unidos e o mundo, gerando mudanças que permanecem até os
dias de hoje.
Avaliação:
IMDb: 7,2
Rotten:
66%
Metacritic:
61%
Filmow
(média geral): 3,5
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,8/4,0
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 7,5
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