Divergências criativas, problemas de set, troca
de diretores... pois bem, pode-se dizer que a produção caótica de Bohemian
Rhapsody não fez bem ao resultado final.
Bohemian Rhapsody é um filme repleto de
irregularidades. Tendo como intuito abordar quinze anos da banda Queen desde
sua criação até a performance no Live Aid, o longa se atropela e articula uma
narrativa episódica. Apesar das duas horas e quinze, a produção, que jamais se
entrega plenamente à veracidade dos eventos retratados ou se assume definitivamente
como uma ficção somente inspirada por fatos, tem um ritmo apressado que visa à
maior abordagem possível de capítulos marcantes da carreira da banda e seu
líder. Todavia, visto que a obra atenua e omite certos detalhes da respectiva
biografia, a maioria das ocorrências realçadas são tratadas com
superficialidade, já que não denotam completa genuinidade e logo são
sobrepostas por algum outro acontecimento que o roteiro insiste em inocular à
trama mesmo sem espaço.
Considerando que os quinze anos são basicamente
explorados de forma corrida e glamourizada, muita coisa interessante se perde
no caminho. Não há tempo para o espectador estabelecer um vínculo com o
protagonista, e os pequenos detalhes que enriquecem a trajetória do Queen são
deliberadamente deixados de lado: o nome da banda simplesmente surge; o icônico
visual de Freddie é inferido abruptamente e a aceitação deste por parte do
público, visto que ele é ridicularizado em seu primeiro show como vocalista, se
dá de modo antinatural e repentino. A maneira aflorada com que o script
lida com as situações impõe à película um caráter extremamente inverossímil, ou
seja, tudo dá certo, praticamente não há empecilhos e o assistente jamais é
convidado a desbravar as entrelinhas do texto. Embora eventuais contratempos
existam, a forma patente e emplumada com que o filme se desenvolve nunca
permite estes ganharem real peso dramático e surpreender o espectador.
A concepção da banda também é falha. Sem antes
firmar uma relação convincente entre os membros do grupo, o longa os apinha
todos juntos num palco e tenta vender a ideia de uma "família"; não
há química, os personagens são cuspidos na trama e a banda milagrosamente se
forma e alcança o topo. Para o público que não sabe quem são os integrantes do
Queen, é quase impossível recordar os nomes dos membros além do Mercury, já que
nenhum possui embasamento e estes só estão lá para completar o arco do
protagonista. Para uma produção que quer ser a cinebiografia do Queen, Bohemian
Rhapsody individualiza exacerbadamente um rosto de seu elenco.
Conforme a existência de subtramas no entrecho,
algumas são profícuas e outras não. O subnúcleo familiar de Freddie e os
conflitos com seu pai são introduzidos ao início da película e depois
esquecidos, ganhando uma cena pretensiosamente comovente próximo ao fim para
dizer que o plot teve um desfecho. A contração da AIDS e a
homossexualidade de Mercury estão na obra, no entanto sem nunca ser o foco, o
que por um lado é positivo, mas por outro se tornam apenas mais dois elementos
avulsos sem aprofundamento; não há consonância entre relevância e método de
abordagem. Em contraparte, o relacionamento de Freddie com Mary, que começa de
modo convencional, evolui, ganha camadas e se transforma numa complexa amizade;
é o vínculo entre personagens mais bem destrinchado e coeso do filme.
Após tantos aspectos negativos sublinhados,
está na hora de abranger as melhores qualidades de Bohemian Rhapsody. Rami
Malek, astro do longa, está muito bem incorporando a montanha-russa de emoções
da vida de um Freddie Mercury exótico, obstinado, ambicioso, arrojado, de
trejeitos singulares e vigorosos; até a fala do ator ganha uma conotação sonora
diferente. A caracterização e a maquiagem que compõe os integrantes da banda se
mostra precisa ao deixá-los semelhantes ao Queen verdadeiro. Ademais, a
confecção dos shows é bastante frenética e impetuosa, com imprescindível
destaque para o Live Aid que é o auge da produção. Com a apresentação de
alguns dos maiores sucessos da banda e uma reprodução fiel de Malek ao emular
gestos e movimentos do vocalista interpretado, o espetáculo denota uma incrível
interação entre público e músicos, além da edição imprimir um timing incansável
de captura do telespectador, transmitir com eloquência toda a energia presente
no momento e encerrar a obra em sua melhor forma.
Bohemian Rhapsody, em suma, tem uma atuação
central dedicada e vinte minutos finais de tributo à banda Queen, porém o filme
se compromete com um roteiro inchado, medíocre, afoito, raso e romantizado.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Reino Unido):
24 de outubro de 2018
Direção: Bryan Singer
Elenco: Rami Malek, Gwilym Lee,
Lucy Boynton…
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA
Sinopse:
Freddie Mercury, Brian May, Roger Taylor e John
Deacon formam a banda de rock Queen em 1970. Quando o estilo de vida agitado de
Mercury começa a sair de controle, o grupo precisa encontrar uma forma de lidar
com o sucesso e os excessos de seu líder.
Avaliação:
IMDb:
8,2
Rotten:
62%
Metacritic:
49%
Filmow
(média geral): 4,2
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 4,6/3,0
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 3,5
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