Interestelar, A Chegada, Blade Runner 2049... ao
se analisar alguns dos títulos sci-fi que estrearam nos últimos anos,
chega-se a conclusão que esta tem sido uma década qualitativamente prolífera para
o gênero. Nesse sentido, Ad Astra é o incumbido da vez de preservar a boa fama
de seus precedentes. Será que ele consegue?
Levando-se em consideração que um bom filme de
ficção científica consegue equilibrar as infinitas possibilidades que o gênero
oferece, mantendo os pés calcados na realidade, Ad Astra merece ponto por usufruir
dessa virtude. Ainda que o roteiro não use conceitos ou terminologias complexas,
este se permite desenrolar passeando por vertentes claramente fictícias, mas que
não fogem ao absurdo ou às expectativas criadas mediante um futuro próximo. É
esse estreito distanciamento com a percepção de mundo que nos é real, que se
responsabiliza por estabelecer um vínculo de maior estofo com o assistente, ganhando
camadas mais densas conforme o destrinchar da complexidade humana e seus
sentimentos.
Dito isso, Ad Astra é uma obra sobre traumas,
isolamento, desapego à humanidade e, acima de tudo, sobre as relações humanas. Partindo
desse princípio, o longa utiliza a paternalidade como axioma para o debate de
temas vinculados a abandono, incapacidade de seguir em frente e um ostracismo
autoinoculado, olhando, em primeira instância, para o interior de seus
personagens e suas angústias. Em um segundo momento, o enredo volta-se para o espaço
- onde o entrecho está exponencialmente alicerçado - e se vê divagando acerca
de pautas que questionam a obsessão do ser humano em alcançar os limiares
do universo e, consequentemente, o preço cobrado por esta.
Para transmissão das respectivas emoções, a
direção recorre ao uso de flashbacks como forma de veicular sua trama. O
arranjo destes é sutil e propositalmente desordenado, salientando a turbulência
emocional de Joy e insinuando os efeitos conseguintes desta sem se deixar levar
por exposições gratuitas. Aliás, exposição é algo com que a película lida de modo
incerto, demonstrando, por um lado, eficácia ao explorar os sentimentos do protagonista
através de suas avaliações psicológicas - o que é estruturalmente orgânico e viável
-, e, por outro, pecando ao martelar em um voice over que se articula
como facilitação narrativa para ratificar conceitos já sacramentados.
Traçando um paralelo com o artifício supracitado,
é evidente que Ad Astra possui imensa preocupação com a capacidade de
discernimento de seu espectador. A película visa insistentemente à conquista do
público em sua totalidade, objetivando tornar o texto sempre o mais palatável e
dinâmico possível. Para tal, acovarda-se em meio à sequências mais frenéticas,
que apesar de bem dirigidas (como a dos piratas e dos primatas), existem
somente para cativar uma seara mais popular. Os vários planos que constituem
uma mesma cena é outro elemento imposto com o intuito de criar a falsa sensação
de agilidade, enquanto o voice over, anteriormente citado, inclui-se
também com a finalidade de enxertar euforia a segmentos considerados mais
"chatos" e "monótonos".
Por outro lado, a preferência por planos gerais
e de maior amplitude panorâmica difundem com grandeza e volume a vastidão negra
do espaço e a magnitude dos planetas. Outrossim, embora o filme não especifique
em que ano a trama se passa, o mesmo imprime o senso futurístico a partir de
aparatos tecnológicos que estão à frente do nosso tempo, bem como por intermédio
da inserção de informações que corroboram a vigência de parâmetros de uma época
futura. Nesse aspecto, o design de produção destaca-se na confecção de detalhes
cenográficos, auxiliado pelo figurino característico que evoca eficazmente a
atmosfera dos desígnios exercidos pela profissão de Joy. Ademais, a cinematografia
é belíssima, realçando com esmero as particularidades de cada planeta ou
similar novo visitado, chegando muitas vezes a tecer enquadramentos lisérgicos e
oníricos.
Por fim, convém enaltecer a atuação de Brad
Pitt, provavelmente em um dos melhores papeis de sua carreira. Ao interpretar
um homem frio, macambúzio e solitário, Pitt tem uma performance de muita introspecção,
focada principalmente nas dores latentes de seu personagem. No mais, Tommy Lee
Jones, apesar do pouco tempo de tela, convence como um indivíduo velho,
reticente e repleto de suspeitas.
Em suma, Ad Astra é uma produção intrigante e apurada
que tem o potencial enfaticamente reduzido perante um esforço constante e
desnecessário em se fazer mais interessante e entusiástica para atingir uma
maior parcela do público.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 26
de setembro de 2019
Direção: James Gray
Elenco: Brad Pitt, Tommy Lee
Jones, Ruth Negga…
Gênero: Ficção científica
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Google):
Um homem viaja pelo interior de um sistema
solar sem lei para encontrar seu pai desaparecido - um cientista renegado que
representa uma ameaça à humanidade.
Avaliação:
IMDb:
6,8
Rotten:
84%
Metacritic:
80%
Filmow
(média geral): 3,4
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,6/3,5
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 7
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