Spotlight, A Grande Aposta, Vice... a abordagem
de eventos controversos que à sua maneira marcaram a história dos Estados
Unidos parece ser um dos temas preferidos de Hollywood. Dentre os novos títulos
que passaram a agregar esta vasta safra, destaca-se O Relatório, filme que se
propõe a explorar o famoso caso da descoberta de metodologias escusas utilizadas
pela CIA para coagir prisioneiros à transmissão de informações que poderiam
futuramente impedir atentados terroristas.
A priori, a agilidade com que executa-se o
roteiro é o elemento que efetua maior eficácia no longa. Incumbida de engrenar
a trama, a montagem caracteriza-se pela imposição de um dinamismo narrativo que
se alterna entre a apresentação dos fatos investigados - o que se dá por meio do
uso de flashbacks - e a investigação em si liderada pelo personagem Daniel
Jones. De similar forma, articula-se o frenesi judicial que molda o palco dos
derradeiros embates entre CIA e Senado.
Outra grande virtude da obra se resume à sua concepção
visual. Isto é, a película se intercala entre colorações que, cada qual ao seu
modo, transmitem um espírito diferente, seja o azul que exprime o isolamento
demandado pelo trabalho exercido por Daniel, o amarelo manchado que difunde o
desconforto dos salões de tortura, e tons metálicos salpicados por um pontual
branco e preto que evocam os requintes dos ambientes mais formais. Da mesma maneira,
o filme, conforme a autenticidade com que constrói seus cenários, imprime com
sucesso a enervante atmosfera que compõe os interrogatórios ministrados pela
CIA, desde o sofrimento lancinante que aflige os cativos e o ar claustrofóbico
dos ínfimos recintos em que os mesmos são interrogados, até a inquietante
sonoridade à base de trechos de trash metal que permeia majoritariamente
a confecção do polêmico procedimento.
O Relatório também possui méritos, em parte, no
que diz respeito à explanação do enredo. Usufruindo de uma linguagem de fácil
assimilação, o texto é inteiramente compreensível, pecando somente na redundância
de informações já consolidadas que, consequentemente, terminam subestimando o
público. A nequice é repetidamente projetada pela senadora Feinstein, personagem
patética usada como intermédio do script para questionamentos acerca de
afirmações que Daniel acabara de fazer. Aproveitando a deixa, a intérprete da
mesma (Annette Bening) é tão insossa quanto à persona incorporada, totalmente
aquém das vocações políticas que a personagem deveria ter e jamais chegando a
convencer o telespectador da genuinidade de qualquer palavra que saia de sua
boca.
Por sua vez, Adam Driver é o oposto da atriz
com quem contracena. Único rosto interessante do longa, Daniel, vivido pelo
respectivo, demonstra aptidão como um homem convicto, obstinado e envolto pelo
trabalho e por suas pesquisas. Completamente avesso aos métodos conduzidos pela
CIA, o assistente sente seu repúdio, revolta e ânsia por justiça. É sobre essa ferrenha
personalidade que a película ensaia acometer reflexões de maior peso vinculadas
aos efeitos físico-mentais que a obsessão de Dan pode despertar, o que é
pincelado com superficialidade e não denota a pujança necessária para se elencar
um patamar acima.
Outro núcleo explorado de forma supérflua é o
que constitui as pautas éticas da conduta adotada pela agência de inteligência dos
Estados Unidos. Embora presentes, tais debates nunca alcançam a relevância
esperada, sendo impostos mais por obrigatoriedade e cumprimento de alguma norma
preestabelecida pelos roteiristas, do que por complemento pertinente e
previamente trabalhado pelo entrecho. Nesse sentido, os integrantes do serviço supracitado
são todos nefastos, gananciosos e unilaterais; as únicas exceções são uns
poucos personagens que, isentados do programa, auxiliam as investigações de Daniel,
evidenciando uma típica facilitação narrativa do gênero.
Ao tomar como ponto de partida uma cadeia de
eventos que incriminam e expõem os relapsos de todo um sistema que,
teoricamente, se apresenta como o mais perfeito do mundo, é de se esperar neutralidade
e rigor no tratamento do caso, todavia não é o que acontece. Por outro lado, a
produção opta por enaltecer e glorificar seus "heróis injustiçados",
inferindo a velha ideia de que os Estados Unidos são uma nação clemente e
altruísta que reconhece seus próprios erros e encontra uma forma de prosperar
independente dos percalços. Sobretudo, o longa, apesar do caráter informativo e
o ritmo enérgico, em nenhum momento é instigante o bastante para fazer o
espectador pesquisar por conta própria o caso mais a fundo.
No mais, O Relatório tem uma ótima atuação
central e uma montagem assaz empolgante, mas é genérico e conta uma estória de
cunho temporário na memória do público, este que, salvo uma mudança aqui e outra acolá,
já viu inúmeras produções similares.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 7 de
novembro de 2019
Direção: Scott Z. Burns
Elenco: Adam Driver, Annette
Bening, Jon Hamm…
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Adoro Cinema):
Após os atentados terroristas de 11 de setembro
de 2001, a CIA passou a adotar o uso da tortura como meio de obter informações
de pessoas consideradas ameaças ao país. Trabalhando para a senadora Dianne
Feinstein, o agente Daniel J. Jones inicia, em 2007, uma investigação interna
acerca de denúncias sobre a destruição de fitas de interrogatório por parte da
CIA, divulgadas através de reportagem publicada pelo jornal New York Times. Com
muita dificuldade em conseguir os documentos necessários, Daniel dedica-se ao
relatório por quase uma década, sem saber se um dia as descobertas por ele
feitas serão expostas ao público.
Avaliação:
IMDb: 7,2
Rotten:
82%
Metacritic:
66%
Filmow
(média geral): 3,4
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 3,2/2,5
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 6,5
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