15 de dezembro de 2019

Kontaminantes ☣ , Parasita , Filmes , Suspense-filme ,

Parasita

Pôster


Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, ovacionado pela crítica e franco favorito aos troféus que premiam o melhor filme em língua estrangeira do ano, Parasita é uma obra que aborda temáticas atuais e relevantes. Impulsor de acirrados debates, o longa não é perfeito, mas ainda assim tem algo a dizer.
A começar por seus principais artifícios, Parasita é uma produção fácil de ser assistida. Fluida e dinâmica, a estrutura desta se apropria de uma resiliência que a faz transitar entre gêneros sem perder a impetuosidade. A princípio usufruindo de uma atmosfera mais descontraída, a película faz com que o assistente seja facilmente entretido, tanto através da trilha lúdica pontuada por toques melindrosos cadenciados pelas artimanhas dos personagens, quanto pela concepção criativa de segmentos em slow motion auxiliados pela musicalidade leve que atribuem tenuidade ao enredo. Esta é, portanto, uma estratégia eficiente que induz o espectador a matutar quase que inconscientemente acerca de tópicos vinculados à consciência de classe e desigualdade social, enquanto o filme, inteiramente, matura seu miolo em uma crescente de emoções e densidade narrativa.
Tocante à direção, esta é assaz caprichosa. Brilhante ao evocar o senso de causa e consequência, a câmera, entrosada aos personagens, se movimenta ligeiramente entre o cenário que molda o pano de fundo das cenas, exaltando o vínculo existente entre uma circunstância e outra e a forma que estas afetam o comportamento dos personagens. O diretor Bong Joon-ho também demonstra aptidão ao expor conceitos sem verbalizá-los, o que é sempre positivo. Em outras palavras, o longa apresenta o quadro paupérrimo dos integrantes da família central apenas por intermédio de ocorrências que evidenciam a carência monetária dos mesmos, como é perspícuo quando eles estão à procura assídua pelo sinal de Wi-Fi dos vizinhos.
Outrossim, o cineasta conduz habilmente o contraste que imbui as vidas das famílias protagonistas. (SPOILERS A SEGUIR) Ao exibir Yeon-kyo e o Sr. Park se relacionando sexualmente e logo em seguida impor Kim e seus filhos na inconfortável situação de encontrarem a própria casa inundada pela chuva, Bong Joon-ho leva o público a vivenciar dois polos: o ápice do regozijo carnal e o cume da extrema miséria. (FIM DOS SPOILERS) Não obstante, o diretor demonstra sagacidade ao utilizar o olfato da família abastada como uma forma velada e irracional de ratificar a suposta "supremacia" desta, o que, analogamente, expressa uma superioridade inata daqueles socialmente mais opulentos.
Por sua vez, o roteiro denota imane engenhosidade. Dito isso, a inserção de Kim e seus entes queridos na casa do Sr. Park é inventiva, orgânica e, sobretudo, crível e hilária. Nesse sentido, não é ilógico dizer que o script manuseia o absurdo como advento para construção de uma estória permeada pela comicidade, porém ainda assim verossímil o bastante para sustentar a proximidade dos mundos que separam espectador e personagens. Ademais, é louvável a metodologia usada pela película para redigir uma trama de discussões socialmente pertinentes, fazendo o público refletir e questionar ao mesmo tempo que o mantém imerso nas reviravoltas do entrecho que servem como mero verniz para a conferência de pautas muito mais significativas.
No que diz respeito aos atributos técnicos, Parasita é irretocável. Ou seja, a cinematografia é límpida e polida, salientando o esmero da caracterização cenográfica que se encarrega de distinguir a luxuosidade que reveste a mansão do Sr. Park, das penúrias que delineiam a espelunca habitada por Kim e sua família. Diante deste palco, o design de produção destaca-se ao ilustrar o sofisticado interior da moradia mais rica, realçando, exponencialmente, a expansão de seus cômodos e a arquitetura minuciosa e perfeccionista, o que, além do mais, acentua-se pela iluminação precisa que faz incidir sobre a mesma um ar ainda mais lustroso. Enquanto isso, o lar inópio ganha ênfase conforme a infraestrutura pequenina, as paredes manchadas, a disposição mal-ajambrada de utensílios e a maneira grosseira com que seus residentes lidam com as tarefas hodiernas sem a provisão de objetos comuns ao dia a dia.
Concernente à montagem, o filme dispõe desta para injetar agilidade e divertimento ao enredo, tendo como respaldo principal a química que rege a orgânica interação entre os personagens e a atuação consentânea do elenco. Nesse âmbito, a atenção dos holofotes dirige-se majoritariamente aos intérpretes de Kim e sua família, haja visto que estes incorporam - com destreza, deve-se ressaltar - as personas em si e os papeis encenados por estes para conseguirem adentrar o círculo de convívio do Sr. Park. No entanto, há uma ressalva que faz menção a uma sequência em que os personagens estão embriagados, onde a performance dos atores é um tanto quanto forçada.
Enfim, é impreterível falar de Parasita e não discorrer sobre suas mensagens e críticas. Ancorado em um pensamento sociopolítico claro e bem definido, o longa usa a instabilidade econômica de uma Coréia do Sul em crise para comentar problemáticas sociais. Por conseguinte, o roteiro, ao escolher protagonizar uma família pobre e desfavorecida, predefine seus heróis e automaticamente projeta a imagem de vilão sobre todo aquele minimamente mais privilegiado. Impostos tais parâmetros, a película concebe uma estória que, salvo uma indulgência aqui e um julgamento mais assíduo ali, leva o assistente a se indagar sobre o certo e o errado, exprimindo a ideia de universos completamente opostos e a perspectiva a ser defendida por cada um.
Apesar do posicionamento estabelecido de antemão pela película, existem litígios, intencionais ou não, que permitem o assistente interpretar e sentenciar por conta própria as ações dos personagens. Isto é, será que a família do Sr. Park tinha alguma culpa da infeliz circunstância vivida por Kim e seus dependentes? É justo o fato de todos os desvalidos da trama, só por ser financeiramente necessitados, se aproveitarem, de algum modo, dos mais fartos? Mas, em contraparte, dá para condenar o usufruto, mesmo que eticamente dúbio, de uma vida faustosa por parte daqueles que passaram anos na indigência? (SPOILERS A SEGUIR) Tem como julgar as impulsivas atitudes de um homem que perdeu a casa, é frequentemente humilhado e acabou de ver a filha ser assassinada em frente aos seus olhos? (FIM DOS SPOILERS) Tais incógnitas se proliferam ao longo do filme, sublinhadas pelos dilemas morais do espectador que, mediante o convívio integral com ambas as famílias, sente pelas mazelas que as afetam sem a preferência específica por uma ou outra.
No mais, os segmentos finais são ininteligíveis, tanto aqueles remetentes ao caos que se instaura na festa de aniversário de Da-song, quanto os que se referem aos apressados e bagunçados momentos derradeiros da obra, onde o público se vê embasbacado a respeito do que é real, sonho, imaginação ou devaneio.
Parasita, em suma, é um longa envolvente, instigante e enérgico, mas infrator de pecados que não podem ser ignorados em sua avaliação.
Matheus J. S.

Assista e Kontamine-se

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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 7 de novembro de 2019
Direção: Joon-ho Bong
Elenco: Kang-Ho Song, Woo-sik Choi, Park So-Dam…
Gênero: Suspense
Nacionalidade: Coréia Do Sul

Sinopse (Google):
Toda a família de Ki-taek está desempregada, vivendo em um porão sujo e apertado, mas uma obra do acaso faz com que ele comece a dar aulas de inglês a uma garota de família rica. Fascinados com a vida luxuosa destas pessoas, pai, mãe e filhos bolam um plano para se infiltrarem também na família burguesa, um a um. No entanto, os segredos e mentiras necessários à ascensão social custam caro a todos.

Avaliação:
IMDb: 8,6
Rotten: 99%
Metacritic: 96%
Filmow (média geral): 4,5
Adoro Cinema (usuários/adorocinema): 4,3/3,5
Kontaminantes (Matheus J. S.): 8
Avaliação

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