Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, ovacionado
pela crítica e franco favorito aos troféus que premiam o melhor filme em língua
estrangeira do ano, Parasita é uma obra que aborda temáticas atuais e relevantes.
Impulsor de acirrados debates, o longa não é perfeito, mas ainda assim tem algo
a dizer.
A começar por seus principais artifícios, Parasita
é uma produção fácil de ser assistida. Fluida e dinâmica, a estrutura desta se
apropria de uma resiliência que a faz transitar entre gêneros sem perder a
impetuosidade. A princípio usufruindo de uma atmosfera mais descontraída, a
película faz com que o assistente seja facilmente entretido, tanto através da
trilha lúdica pontuada por toques melindrosos cadenciados pelas artimanhas dos
personagens, quanto pela concepção criativa de segmentos em slow motion auxiliados
pela musicalidade leve que atribuem tenuidade ao enredo. Esta é, portanto, uma
estratégia eficiente que induz o espectador a matutar quase que inconscientemente
acerca de tópicos vinculados à consciência de classe e desigualdade social, enquanto
o filme, inteiramente, matura seu miolo em uma crescente de emoções e densidade
narrativa.
Tocante à direção, esta é assaz caprichosa. Brilhante
ao evocar o senso de causa e consequência, a câmera, entrosada aos personagens,
se movimenta ligeiramente entre o cenário que molda o pano de fundo das cenas, exaltando
o vínculo existente entre uma circunstância e outra e a forma que estas afetam
o comportamento dos personagens. O diretor Bong Joon-ho também demonstra aptidão
ao expor conceitos sem verbalizá-los, o que é sempre positivo. Em outras
palavras, o longa apresenta o quadro paupérrimo dos integrantes da família central
apenas por intermédio de ocorrências que evidenciam a carência monetária dos
mesmos, como é perspícuo quando eles estão à procura assídua pelo sinal de Wi-Fi
dos vizinhos.
Outrossim, o cineasta conduz habilmente o
contraste que imbui as vidas das famílias protagonistas. (SPOILERS A SEGUIR) Ao exibir Yeon-kyo e o
Sr. Park se relacionando sexualmente e logo em seguida impor Kim e seus filhos na
inconfortável situação de encontrarem a própria casa inundada pela chuva, Bong
Joon-ho leva o público a vivenciar dois polos: o ápice do regozijo carnal e o
cume da extrema miséria. (FIM DOS SPOILERS) Não obstante, o diretor demonstra sagacidade ao utilizar
o olfato da família abastada como uma forma velada e irracional de ratificar a
suposta "supremacia" desta, o que, analogamente, expressa uma superioridade
inata daqueles socialmente mais opulentos.
Por sua vez, o roteiro denota imane
engenhosidade. Dito isso, a inserção de Kim e seus entes queridos na casa do Sr.
Park é inventiva, orgânica e, sobretudo, crível e hilária. Nesse sentido, não é
ilógico dizer que o script manuseia o absurdo como advento para construção
de uma estória permeada pela comicidade, porém ainda assim verossímil o bastante
para sustentar a proximidade dos mundos que separam espectador e personagens. Ademais,
é louvável a metodologia usada pela película para redigir uma trama de discussões
socialmente pertinentes, fazendo o público refletir e questionar ao mesmo tempo
que o mantém imerso nas reviravoltas do entrecho que servem como mero verniz para
a conferência de pautas muito mais significativas.
No que diz respeito aos atributos técnicos, Parasita
é irretocável. Ou seja, a cinematografia é límpida e polida, salientando o esmero
da caracterização cenográfica que se encarrega de distinguir a luxuosidade que
reveste a mansão do Sr. Park, das penúrias que delineiam a espelunca habitada por
Kim e sua família. Diante deste palco, o design de produção destaca-se ao
ilustrar o sofisticado interior da moradia mais rica, realçando,
exponencialmente, a expansão de seus cômodos e a arquitetura minuciosa e
perfeccionista, o que, além do mais, acentua-se pela iluminação precisa que faz
incidir sobre a mesma um ar ainda mais lustroso. Enquanto isso, o lar inópio
ganha ênfase conforme a infraestrutura pequenina, as paredes manchadas, a
disposição mal-ajambrada de utensílios e a maneira grosseira com que seus residentes
lidam com as tarefas hodiernas sem a provisão de objetos comuns ao dia a dia.
Concernente à montagem, o filme dispõe desta
para injetar agilidade e divertimento ao enredo, tendo como respaldo principal a
química que rege a orgânica interação entre os personagens e a atuação consentânea
do elenco. Nesse âmbito, a atenção dos holofotes dirige-se majoritariamente aos intérpretes de Kim e sua família, haja visto que estes incorporam - com
destreza, deve-se ressaltar - as personas em si e os papeis encenados por estes
para conseguirem adentrar o círculo de convívio do Sr. Park. No entanto, há uma
ressalva que faz menção a uma sequência em que os personagens estão
embriagados, onde a performance dos atores é um tanto quanto forçada.
Enfim, é impreterível falar de Parasita e não
discorrer sobre suas mensagens e críticas. Ancorado em um pensamento
sociopolítico claro e bem definido, o longa usa a instabilidade econômica de
uma Coréia do Sul em crise para comentar problemáticas sociais. Por
conseguinte, o roteiro, ao escolher protagonizar uma família pobre e desfavorecida,
predefine seus heróis e automaticamente projeta a imagem de vilão sobre todo
aquele minimamente mais privilegiado. Impostos tais parâmetros, a película
concebe uma estória que, salvo uma indulgência aqui e um julgamento mais
assíduo ali, leva o assistente a se indagar sobre o certo e o errado, exprimindo
a ideia de universos completamente opostos e a perspectiva a ser defendida por
cada um.
Apesar do posicionamento estabelecido de
antemão pela película, existem litígios, intencionais ou não, que permitem o
assistente interpretar e sentenciar por conta própria as ações dos personagens.
Isto é, será que a família do Sr. Park tinha alguma culpa da infeliz circunstância
vivida por Kim e seus dependentes? É justo o fato de todos os desvalidos da
trama, só por ser financeiramente necessitados, se aproveitarem, de algum modo,
dos mais fartos? Mas, em contraparte, dá para condenar o usufruto, mesmo que eticamente
dúbio, de uma vida faustosa por parte daqueles que passaram anos na indigência?
(SPOILERS A SEGUIR) Tem como julgar as impulsivas atitudes de um homem que perdeu a casa,
é frequentemente humilhado e acabou de ver a filha ser assassinada em frente aos seus olhos? (FIM DOS SPOILERS) Tais incógnitas se proliferam ao longo do filme, sublinhadas pelos
dilemas morais do espectador que, mediante o convívio integral com ambas as
famílias, sente pelas mazelas que as afetam sem a preferência específica por
uma ou outra.
No mais, os segmentos finais são ininteligíveis,
tanto aqueles remetentes ao caos que se instaura na festa de aniversário de Da-song,
quanto os que se referem aos apressados e bagunçados momentos derradeiros da
obra, onde o público se vê embasbacado a respeito do que é real, sonho, imaginação
ou devaneio.
Parasita, em suma, é um longa envolvente, instigante
e enérgico, mas infrator de pecados que não podem ser ignorados em sua
avaliação.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 7 de
novembro de 2019
Direção: Joon-ho Bong
Elenco: Kang-Ho Song, Woo-sik
Choi, Park So-Dam…
Gênero: Suspense
Nacionalidade: Coréia Do Sul
Sinopse (Google):
Toda a família de Ki-taek está desempregada,
vivendo em um porão sujo e apertado, mas uma obra do acaso faz com que ele
comece a dar aulas de inglês a uma garota de família rica. Fascinados com a
vida luxuosa destas pessoas, pai, mãe e filhos bolam um plano para se
infiltrarem também na família burguesa, um a um. No entanto, os segredos e
mentiras necessários à ascensão social custam caro a todos.
Avaliação:
IMDb:
8,6
Rotten:
99%
Metacritic:
96%
Filmow
(média geral): 4,5
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 4,3/3,5
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 8
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