Roma, uma das produções mais aclamadas de 2018,
retrata as lembranças da infância de um dos cineastas mais conceituados da
atualidade: Alfonso Cuarón. De similar forma, 2019 encarrega-se de apresentar
ao mundo Dor e Glória, novo filme do espanhol Pedro Almodóvar que vem sendo
considerado sua obra mais intimista, quanto pessoal.
O primeiro passo que o difere do longa
supracitado, é o envolvimento que se cria com o espectador. Quase de imediato,
este vincula-se aos personagens, importando-se e concatenando-se à rotina dos
mesmos, o que é de suma importância, visto que a narrativa hodierna exige um
comprometimento preestabelecido entre assistente e protagonista. Ou seja, Dor e
Glória jamais se impõe como um audiovisual de grandes ambições, focando, por
outro lado, nas casualidades do dia a dia de Salvador e se apropriando de
elementos comuns à vida de todos para autenticar efetivamente a experiência do
público.
Dito isso, a película alterna-se entre expor,
no presente, a vida monótona de um cineasta profissionalmente inerte, e sua
infância – por intermédio de flashbacks
– apresentando os principais eventos que marcaram tal fase, mesclando e
complementando, portanto, tais segmentos organicamente à estrutura óssea do
roteiro. Sobretudo, Dor e Glória é sobre as memórias de um homem desamparado
ruminando sobre a própria existência, sobre Pedro Almodóvar refletindo sobre si
e contando uma estória que, mesmo inegavelmente atrelada a certas liberdades
ficcionais, articula-se como um autorretrato contemplativo e confessional. Há
uma declaração à sua mãe sobre os sentimentos que moldaram a relação entre eles
quando criança; seu aliciamento com a heroína no agora; o eterno amor por
Federico; os ressentimentos e mágoas com um dos intérpretes de um antigo filme
seu... Integralmente verazes ou não, tais capítulos, como afirmado pelo próprio
Almodóvar, são alegorias a trechos de sua vida e cicatrizes que delinearam sua
personalidade.
Bastante pragmática e comedida, a direção do
espanhol se atém a um caráter despojado permitindo que as minúcias do cotidiano
de Salvador atraiam todos os holofotes: não há grandes truques de câmera, travellings mirabolantes ou insanos
planos-sequência. No entanto, há uma cena que contradiz
tais parâmetros, onde Pedro recorre a um estilo documental e usufrui de
aspectos imagéticos e iconográficos para moldar um bloco mais engenhoso; em
contraparte, vale frisar que o mesmo, ainda que inventivo, é avulso e desconexo.
Inobstante, o diretor rapidamente se recompõe e presenteia o espectador com uma
ótima sequência final: é surpreendente, reveladora e muito bem elaborada.
No mais, Antonio Banderas é o cerne de todo
esse trabalho. Intérprete de um homem letárgico, resignado, cansado e abatido
por dores e deficiências físicas, o ator tem uma atuação introspectiva calcada
muito mais nas angústias internas de sua persona e no que o mesmo resguarda
somente para si; o brilhantismo de sua performance não centra-se no que é dito
ou externado, mas sim no calvário mudo de uma alma em intensa agonia. Por sua
vez, Penélope Cruz, tão talentosa quanto, encarna com proficiência as vestes de
uma mulher aguerrida que diariamente batalha para sustentar o filho e o lar.
Por Fim, Dor e Glória é uma obra doce, sensível
e minimalista que abarca muito mais conteúdo e grandeza do que Roma sequer
chegou perto de fazer pouco mais de um ano atrás.
Matheus J.
S.
Assista e Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 13
de junho de 2019
Direção: Pedro Almodóvar
Elenco: Antonio Banderas, Asier
Etxeandia, Penélope Cruz…
Gênero:
Drama
Nacionalidade: Espanha
Sinopse (Google):
Salvador Mallo, diretor de cinema em declínio,
relembra sua vida e carreira desde sua infância na cidade de Valência, nos anos
60. Salvador tem lembranças vívidas de seus primeiros amores, seu primeiro
desejo, sua primeira paixão adulta na Madrid dos anos 80 e seu interesse
precoce no cinema.
Avaliação:
IMDb: 7,6
Rotten:
97%
Metacritic:
88%
Filmow
(média geral): 4,2
Adoro
Cinema (usuários/adorocinema): 4,1/4,5
Kontaminantes
(Matheus J. S.): 9
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