Durante as primeiras décadas do século XX, quantidades massivas de
negros fugiam das péssimas condições de vida do Sul dos Estados Unidos
motivados pela promessa de acolhimento e emprego no Norte. Conhecido como
Grande Migração, o período serve como pano de fundo de A Voz Suprema do Blues, último
trabalho da carreira de Chadwick Boseman.
A priori, o filme tem início enfatizando manchetes de jornais e indivíduos
afrodescendentes trabalhando que serve como breve contextualização histórica.
Dito isso, logo de cara pode-se inferir que o longa irá abordar temas
vinculados ao racismo, pauta que está intimamente ligada ao surgimento do Blues
e as figuras que protagonizam a obra. Nesse sentido, o enredo lida com duas
abordagens narrativas distintas que desequilibram a estória, haja visto que uma
obtém êxito enquanto a outra falha miseravelmente.
A concepção de sequências que visam apregoar como o preconceito está socialmente
enraizado se dá de forma blasé e derivada. Não há qualquer sutileza nos
trechos, são narrativamente improdutivos e tão óbvios que estes já foram
replicados diversas vezes em outras películas com similar conteúdo. Os próprios
diálogos entre os personagens são demasiado compelidos e prolixos, verbalizando
tópicos que já estão claros ao espectador. Ademais, a Ma é insuportável, o que
dificulta o estabelecimento de laço com ela por parte do público e faz com que
os segmentos mais duros a envolvendo no papel de vítima sejam insípidos.
Por outro lado, o filme esbanja destreza ao incorporar o racismo à trama
quando não recorre a elementos verborrágicos, manifestando-se, em contraparte,
através da cenografia, do design de produção e do figurino. A ambientação
escura e claustrofóbica evoca os compartimentos reclusos de navios negreiros,
as sofisticadas vestimentas quentes simbolizam uma súplica por aceitação social,
e os objetos em cena, tais como um sapato amarelo e uma porta, refletem parte
das angústias de Levee.
Por sua vez, a dinâmica que rege o relacionamento entre os integrantes
da banda é excelente. A conversa entre estes flui com naturalidade, eles falam
sobre tudo, discutem, se alfinetam e brincam, tudo envolto por muita verdade. É
em meio a esses palratórios que se firma a personalidade dos personagens e o
assistente pode compreender um pouco mais a respeito de cada um. Entretanto,
apesar do elenco econômico, alguns rostos são subaproveitados, como é o caso da
Mae (Taylour Paige), que serve ao arco do Levee, mas é individualmente inexplorada. O mesmo
pode ser dito acerca do Sylvester (Dusan Brown) que integra a equipe de atores somente para
gerar algumas poucas piadas.
Tratando-se de uma obra sobre o blues, o longa dedica um tempo considerável
ao gênero que decide homenagear. As sequências são orquestradas sem pressa, com
cada membro da banda tendo seu momento de destaque. As reações da plateia são
captadas, a paixão da Ma pelo que faz é enaltecida e as interações entre os próprios
músicos são sublinhadas. O diretor (George C. Wolfe) se deleita sobre tais blocos, extraindo o máximo
dos atores e imergindo o espectador sob a contagiante atmosfera.
Além dos pontos ressaltados, a produção evidencia certos problemas no
terceiro ato. Muitas situações se repetem, saturando o entrecho e inibindo o
impacto da primeira inserção destas. Por conseguinte, ainda que a duração da
película não seja grande, esta aparenta perdurar muito mais do que realmente
dura, tornando algumas cenas completamente desnecessárias. Todavia, o roteiro
se redime próximo ao fim ao apresentar um desfecho poderoso e interpretativo.
Por fim, algumas atuações merecem nota. Viola Davis, que está com a
fisionomia praticamente idêntica a verdadeira Ma Rainey, faz uma cantora
extremamente difícil de se lidar. Desde o princípio ela conquista a antipatia
do público com sua arrogância, ao passo que também marca presença em tela como
uma mulher convicta e empoderada. Com relação a Chadwick Boseman, seu
desempenho é fascinante. Intérprete de um homem tempestuoso, o eterno Pantera
Negra tem uma performance grifada pelo vigor onde cada gesto e expressão
denunciam uma cólera engarrafada. Seu olhar tem muito ódio, assim como uma
lancinante dor que está sempre à espreita. Apesar disso, o ator consegue
calibrar com a mesma impetuosidade as outras facetas de sua persona,
transitando entre malícia, esperança e carisma.
Embora algumas cenas pudessem ser enxutas, A Voz Suprema do Blues tem um
clímax arrebatador e atuações pujantes, é visualmente alegórico e, quando não
se submete a verborreia dialógica, tem muito a discutir.
Matheus J. S.
Assista e
Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Netflix): 18 de dezembro de
2020
Direção: George C. Wolfe
Elenco: Viola Davis, Chadwick Boseman, Colman
Domingo...
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA
Sinopse
(Adoro Cinema):
A Voz Suprema do Blues acompanha Ma Rainey (Viola Davis) em Chicago, 1927, numa sessão de gravação de
álbum mergulhada em tensão entre seu ambicioso trompista Levee (Chadwick
Boseman) e a gerência branca que está determinada a controlar a incontrolável
"Mother of the Blues". Porém, uma conversa no local revela verdades
que irão abalar a vida de todos.
Avaliação:
IMDb: 7,1
Rotten: 98%
Metacritic: 87%
Filmow (média geral):
3,6
Adoro Cinema
(usuários/adorocinema): 3,7/3,5
Kontaminantes (Matheus J. S.): 7
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