4 de abril de 2021

Kontaminantes ☣ , A Voz Suprema do Blues , Drama-filme , Filmes ,

A Voz Suprema do Blues

 


Durante as primeiras décadas do século XX, quantidades massivas de negros fugiam das péssimas condições de vida do Sul dos Estados Unidos motivados pela promessa de acolhimento e emprego no Norte. Conhecido como Grande Migração, o período serve como pano de fundo de A Voz Suprema do Blues, último trabalho da carreira de Chadwick Boseman.
A priori, o filme tem início enfatizando manchetes de jornais e indivíduos afrodescendentes trabalhando que serve como breve contextualização histórica. Dito isso, logo de cara pode-se inferir que o longa irá abordar temas vinculados ao racismo, pauta que está intimamente ligada ao surgimento do Blues e as figuras que protagonizam a obra. Nesse sentido, o enredo lida com duas abordagens narrativas distintas que desequilibram a estória, haja visto que uma obtém êxito enquanto a outra falha miseravelmente.
A concepção de sequências que visam apregoar como o preconceito está socialmente enraizado se dá de forma blasé e derivada. Não há qualquer sutileza nos trechos, são narrativamente improdutivos e tão óbvios que estes já foram replicados diversas vezes em outras películas com similar conteúdo. Os próprios diálogos entre os personagens são demasiado compelidos e prolixos, verbalizando tópicos que já estão claros ao espectador. Ademais, a Ma é insuportável, o que dificulta o estabelecimento de laço com ela por parte do público e faz com que os segmentos mais duros a envolvendo no papel de vítima sejam insípidos.
Por outro lado, o filme esbanja destreza ao incorporar o racismo à trama quando não recorre a elementos verborrágicos, manifestando-se, em contraparte, através da cenografia, do design de produção e do figurino. A ambientação escura e claustrofóbica evoca os compartimentos reclusos de navios negreiros, as sofisticadas vestimentas quentes simbolizam uma súplica por aceitação social, e os objetos em cena, tais como um sapato amarelo e uma porta, refletem parte das angústias de Levee.
Por sua vez, a dinâmica que rege o relacionamento entre os integrantes da banda é excelente. A conversa entre estes flui com naturalidade, eles falam sobre tudo, discutem, se alfinetam e brincam, tudo envolto por muita verdade. É em meio a esses palratórios que se firma a personalidade dos personagens e o assistente pode compreender um pouco mais a respeito de cada um. Entretanto, apesar do elenco econômico, alguns rostos são subaproveitados, como é o caso da Mae (Taylour Paige), que serve ao arco do Levee, mas é individualmente inexplorada. O mesmo pode ser dito acerca do Sylvester (Dusan Brown) que integra a equipe de atores somente para gerar algumas poucas piadas.
Tratando-se de uma obra sobre o blues, o longa dedica um tempo considerável ao gênero que decide homenagear. As sequências são orquestradas sem pressa, com cada membro da banda tendo seu momento de destaque. As reações da plateia são captadas, a paixão da Ma pelo que faz é enaltecida e as interações entre os próprios músicos são sublinhadas. O diretor (George C. Wolfe) se deleita sobre tais blocos, extraindo o máximo dos atores e imergindo o espectador sob a contagiante atmosfera.
Além dos pontos ressaltados, a produção evidencia certos problemas no terceiro ato. Muitas situações se repetem, saturando o entrecho e inibindo o impacto da primeira inserção destas. Por conseguinte, ainda que a duração da película não seja grande, esta aparenta perdurar muito mais do que realmente dura, tornando algumas cenas completamente desnecessárias. Todavia, o roteiro se redime próximo ao fim ao apresentar um desfecho poderoso e interpretativo.
Por fim, algumas atuações merecem nota. Viola Davis, que está com a fisionomia praticamente idêntica a verdadeira Ma Rainey, faz uma cantora extremamente difícil de se lidar. Desde o princípio ela conquista a antipatia do público com sua arrogância, ao passo que também marca presença em tela como uma mulher convicta e empoderada. Com relação a Chadwick Boseman, seu desempenho é fascinante. Intérprete de um homem tempestuoso, o eterno Pantera Negra tem uma performance grifada pelo vigor onde cada gesto e expressão denunciam uma cólera engarrafada. Seu olhar tem muito ódio, assim como uma lancinante dor que está sempre à espreita. Apesar disso, o ator consegue calibrar com a mesma impetuosidade as outras facetas de sua persona, transitando entre malícia, esperança e carisma.
Embora algumas cenas pudessem ser enxutas, A Voz Suprema do Blues tem um clímax arrebatador e atuações pujantes, é visualmente alegórico e, quando não se submete a verborreia dialógica, tem muito a discutir.
Matheus J. S.
 
Assista e Kontamine-se
 
Comente, Compartilhe e Siga Nosso Blog
 

Ficha Técnica:

Data de lançamento (Netflix): 18 de dezembro de 2020
Direção: George C. Wolfe
Elenco: Viola Davis, Chadwick Boseman, Colman Domingo...
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA

Sinopse (Adoro Cinema):
A Voz Suprema do Blues acompanha Ma Rainey (Viola Davis) em Chicago, 1927, numa sessão de gravação de álbum mergulhada em tensão entre seu ambicioso trompista Levee (Chadwick Boseman) e a gerência branca que está determinada a controlar a incontrolável "Mother of the Blues". Porém, uma conversa no local revela verdades que irão abalar a vida de todos.
 
Avaliação:
IMDb: 7,1
Rotten: 98%
Metacritic: 87%
Filmow (média geral): 3,6
Adoro Cinema (usuários/adorocinema): 3,7/3,5
Kontaminantes (Matheus J. S.): 7

Nenhum comentário:

Postar um comentário