Analisando-se a premissa do longa, pode-se inferir que se trata de um
ponto de partida audacioso concebido a partir de muita engenhosidade.
Entretanto, o público em geral certamente se surpreenderá ao receber a
informação, ao fim da obra, de que tal estória é baseada nas vidas de Tim
Steiner e o artista belga Wim Delvoye, sendo que muitos trechos da película
reproduzem exatamente os fatos como ocorreram. Posto isto, o elemento da
criatividade adentra o roteiro no que diz respeito a capacidade deste debater
temas atuais, como a crise de refugiados e a objetificação do corpo humano.
Dirigido por Kaouther Ben Hania, O Homem que Vendeu sua Pele apresenta
características que tão logo saltam aos olhos. A recorrente utilização de
espelhos como parte de um requintado design de produção, além de
possibilitar que o diretor esbanje sua proficiência técnica ao brincar com a
inserção destes nas cenas, se alia a uma fotografia marcada pelo uso de cores
neon que evocam uma atmosfera elitista. Nesse sentido, a confecção de ambientes
faustosos exerce um persistente contraste com o status social do protagonista,
criando uma opressão visual que jamais permite que o espectador se sinta
confortável com a situação em tela.
O foco narrativo reside plenamente em Sam, o que impossibilita que
subnúcleos e inúteis personagens secundários tenham ênfase, felizmente.
Todavia, não é instantaneamente que o assistente se sente engajado pela
trajetória de Ali, haja visto que o primeiro ato contempla algumas manobras
pouco articuladas e a atuação apática de Yahya Mahayni não colabora para que
esse elo seja prontamente estabelecido. Em contraparte, o desdobramento da
trama e a irrupção de conflitos ensejam um laço orgânico entre público e
personagem que afere essencialmente a habilidade do roteiro em efetuar esse
vínculo. Dito isso, a insistência do filme em salientar a presença de Abeer na
vida de Sam serve para agregar camadas a este e extrair o máximo de afinidade
por parte do espectador.
Outrossim, o script é bastante competente ao encadear seu escopo
com a discussão de temáticas socialmente relevantes. O fato de Sam ser um
refugiado está sempre presente, fazendo o assistente questionar os motivos que
o levaram a atual situação e refletir acerca do sistema político sírio e do
hodierno cenário sociocultural enfrentado pelos cidadãos do país. Embora
presente, tal pauta poderia ser mais incisiva, considerando que o longa a
pretere para se concentrar majoritariamente nas indagações levantadas pela
venda do corpo do protagonista. Por sua vez, é uma vertente que propicia
intensos debates, tais como a definição de arte, o corpo como instrumento de
trabalho, desigualdade entre classes e exploração.
Por outro lado, o texto não dispõe dessa sagacidade em alguns outros
aspectos. A forma com que muitos tópicos são inoculados é mal-ajambrada, como
se a película simplesmente quisesse simplificar a introdução de seu entrecho
para rapidamente chegar ao que importa; não funciona, visto que as informações
se atropelam e facilitações narrativas são usadas. Desse modo, a construção e
evolução do relacionamento entre Sam e Jeffrey acontece permeada por relapsos
diegéticos, sendo que o mesmo pode ser dito sobre a estrutura que compõe o ato
final da obra. Porém, nada se compara aos últimos minutos, estes anticlimáticos
(inibem totalmente o impacto da cena anterior), frustrantes e forçados. Um bom
desfecho é importante para se deixar uma impressão positiva em qualquer
experiência fílmica, e nesse quesito, a produção peca lamentavelmente.
Candidato da Tunísia ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, O
Homem que Vendeu sua Pele provavelmente não será reconhecido na premiação, mas
ainda assim merece atenção como um exemplar curioso de um cinema tão distante
do nosso.
Matheus J. S.
Assista e
Kontamine-se
Comente,
Compartilhe e Siga Nosso Blog
Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 15 de março de 2021
Direção: Kaouther Ben Hania
Elenco: Yahya Mahayni, Dea Liane, Monica
Bellucci...
Gênero: Drama
Nacionalidade: Tunísia
Sinopse
(Adoro Cinema):
O Homem que Vendeu sua
Pele é a história de Sam Ali (Yahya Mahayni), um jovem e impulsivo sírio que
deixou seu país, pelo Líbano, para escapar da guerra. Almejando viajar para a
Europa e viver com o amor de sua vida, ele aceita ter suas costas tatuadas por
um dos artistas contemporâneos mais cultuados do mundo, transformando seu
próprio corpo em uma linda e prestigiosa obra de arte.
Avaliação:
IMDb: 7,0
Rotten: 97%
Metacritic: 67%
Filmow (média geral):
3,5
Kontaminantes (Matheus J. S.): 7
Nenhum comentário:
Postar um comentário