Chamar Quo Vadis, Aida? de um filme de guerra seria um exagero
descomunal. Ao se apropriar de um recorte histórico conhecido como o maior
genocídio pós-guerra em solo europeu, o longa tece um acutilante retrato da
barbárie humana.
Em primeira análise, a direção de Jasmila Žbanić é marcada pela angústia
com que o enredo se desenrola. A premência situacional é estabelecida de modo
lesto, ao passo que o conhecimento histórico do público sobre a estória contada
é manipulado para concepção de uma atmosfera que premedita a hecatombe. A vigência
dessa apreensão é responsável por manter o espectador sempre tenso se
martirizando com as possibilidades do que poderá vir a acontecer, ruminando não
com a resolução dos eventos, mas em como eles chegarão ao ponto em que devem
chegar. Nesse sentido, a adição de semblantes fictícios permite que o roteiro
trabalhe com elementos de imprevisibilidade narrativa, fazendo com que o
assistente possa se envolver com as figuras em tela em detrimento de uma
abordagem totalmente documental.
Dito isso, a relação entre Aida e o público cresce organicamente de
acordo com o desenvolvimento do texto. O senso de empatia é gerado a partir da
gradação do entrecho, ao passo que a escala macro se afunila em um intimista
drama familiar que visa representar a aflição de todas as pessoas que tiveram
seus entes queridos friamente assassinados. Ainda pertinente à Aida, a película
dedica alguns minutos para destrinchar sua idiossincrasia, o que se manifesta,
além da performance estrondosa de Jasna Đuričić, através de uma sequência onírica
na qual o filme executa uma bem-vinda quebra tonal. Em outras palavras, tal
trecho fortifica o elo entre espectador e protagonista e atribui profundidade à
persona em destaque, além de atenuar momentaneamente a densidade temática
incumbida pelo script.
Concernente aos demais personagens, é imprescindível realçar o
comandante sérvio e o coronel e o major dos capacetes azuis. Começando por
estes, o longa consegue imprimir autenticidade às suas ações, colocando-os em
uma posição de impotência frente à uma situação desesperadora que, por sua vez,
denuncia a omissão da ONU e de países vizinhos com as atrocidades acometidas em
solo bósnio; o assistente sente o fardo sobre o ombro desses homens, o que é acentuado
pela ótima performance dos intérpretes. No que diz respeito ao general do exército
inimigo, sua confecção é unilateral, o que não é um demérito do roteiro, visto
que a película é baseada em fatos e a realidade pode ser muito mais simples e
hedionda do que a ficção.
Ademais, Jasmila Žbanić assina sua obra com traços detalhistas que
evocam uma agonia sem jamais recorrer a aspectos verborreicos visuais. Pelo
contrário, a diretora aposta em uma perspectiva mais sugestiva, deixando o público
especular com a insinuação de ideias e se molestar com o potencial imaginativo
de sua própria mente. Posto isto, os segmentos dialógicos corroboram a tensão
vigente, ao passo que o silêncio é articulado visando retratar o abalo
emocional das personagens e a amarga absorção das circunstâncias por parte
destas. Vale ressaltar, no mais, a trilha como um catalisador da melancolia
diegética que, aliada ao incremento de blocos em slow motion, salienta o
tom soturno apregoado pelo texto.
Em síntese, Quo Vadis, Aida? é um filme devastador, pungente e
revoltante que, acima de tudo, faz uma incisiva crítica a um dos maiores massacres em massa da contemporaneidade.
Matheus J. S.
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 20 de abril de 2021
Direção: Jasmila Zbanic
Elenco: Jasna Djuricic, Izudin Bajrovic, Boris
Isaković...
Gênero: Drama
Nacionalidade: Bósnia-Herzegovina
Sinopse
(Adoro Cinema):
Quo Vadis, Aida? é a
história de Aida (Jasna Djuricic), uma mulher que trabalha como tradutora para
uma equipe de manutenção da paz. Elá está em um acampamento onde seu marido e
seus dois filhos estão detidos juntos de milhares de cidadãos bósnios.
Avaliação:
IMDb: 7,8
Rotten: 100%
Metacritic: 97%
Filmow (média geral):
4,1
Adoro Cinema (adorocinema):
4,0
Kontaminantes (Matheus J. S.): 10
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