Muito além de orgulhar-se de ostentar em seu elenco o cineasta mais
velho indicado ao Oscar de Melhor Ator, Meu Pai é um filme com inúmeras
virtudes que não deve passar batido do radar de qualquer cinéfilo que se preze.
Em primeira análise, Meu Pai é um longa que possui características que não
dariam certo em outras produções, mas aqui funcionam muito bem. Uma delas diz
respeito a estrutura típica de um sci-fi ou películas com temáticas de
viagem no tempo que, imposta como base do esqueleto narrativo, salienta a
desorientação do protagonista e se articula como elemento primordial da submersão
do público na estória. Trata-se de uma desconstrução do gênero, haja visto que
dramas como este frequentemente optam por entrechos mais singelos com enfoque
na performance do elenco.
O outro ponto é sobre as idas e vindas dos personagens ao correr da
trama. Embora essa dispersão geralmente seja considerada um grave erro
organizacional, faz sentido considerando a proposta do filme que visa
introduzir o espectador dentro da mente desordenada do Anthony. Dito isso, o
longa graceja com a perspectiva do público no que remete ao tempo, espaço, local
e identidade, impondo sobre este a mesma sensação de incerteza que rege a atual
fase da vida do protagonista e, por consequência, fortalecendo o laço que
aproxima assistente e personagem.
Outrossim, a direção de Florian Zeller é bastante hábil ao brincar com a
percepção e os sentimentos dos espectadores com relação ao que está sendo
visto. A primeira cena, por exemplo, começa com um forte senso de urgência
sublinhado pelos passos apressados da persona em destaque e uma música que
enaltece a premência situacional. Entretanto, logo em seguida descobre-se que a
canção, até o momento extradiegética, está sendo apreciada pelo próprio Anthony
em seus fones de ouvido e não há qualquer iminência vigente. Em síntese, é uma ótima
forma de desestruturar os convencionais moldes narrativos e desarmar as
expectativas do público.
Nesse sentido, Zeller manipula a concepção de realidade dos assistentes
ao confeccionar sequências de leitura ambígua. (SPOILERS
A SEGUIR) Durante o segmento em que Paul estapeia Anthony e o intérprete
deste muda de ator de um corte para o outro, pode-se interpretar tal
ato como uma intolerância ao espectro da terceira idade, apatia e a falta de
compaixão nos relacionamentos sociais. Em contraparte, também pode-se inferir,
sob uma ótica alegórica, que o trecho se trata de uma abstração psicológica do
protagonista como uma manifestação inconsciente de seu medo em ser despachado
para um asilo ou se tornar um peso para sua família. (FIM
DOS SPOILERS)
Destarte, a película desperta uma variedade de emoções em seu
espectador, fazendo-o se revoltar com algumas atitudes em tela, se comover com
determinadas ocorrências e se apiedar com outras. Todavia, o diretor jamais se
entrega a uma abordagem tendenciosa que seria o caminho mais fácil a se tomar,
levando o público, por outro lado, a ver Anthony de modo impudico e até se
irritar com ele em certos momentos. Posto isto, a trilha, que muitas vezes
exerce a função de cadenciar o tom da obra, tem participações concisas que
servem para intensificar o impacto das cenas; é um recurso pouco usado, porém que
apresenta imane eficiência quando recrutado.
Ainda que Meu Pai seja majoritariamente assistido sob a visão de
Anthony, a personagem da Olivia Colman também tem seu realce. A transição da
perspectiva de uma figura a outra se dá naturalmente e permite que a estrutura
do filme respire, abrindo espaço para que o roteiro mature suas principais
pautas acerca da velhice, paternidade, amor e o comportamento humano frente as
adversidades. Dessa maneira, a curta duração do longa igualmente corrobora para
que a estratégia diegética escolhida não se torne enfadonha. No entanto, vale
ressaltar que o script não tem essa mesma sensibilidade atinente a
uma revelação que é necessária ser feita, contudo desdobra-se de forma óbvia e
contradiz o tato até então demonstrado.
Concernente a cenografia, Florian tem um proficiente controle sobre o
palco minimalista em que o enredo se desenrola. Desenvolvida praticamente toda
dentro de um apartamento, a película utiliza a movimentação de um cômodo a
outro para efetuar a troca de percepção dos personagens e consumar visualmente
o labirinto de memórias vivido por Anthony. Nesse aspecto, Hopkins incorpora
com muito realismo a doença de sua persona, transmitindo fragilidade no
caminhar levemente curvado e vagaroso, no olhar distante e nas divagações
verbais, mostrando-se também assaz verdadeiro ao interpretar o lado rabugento
do papel. Por sua vez, Olivia Colman está tão bem quanto seu parceiro de
profissão, fazendo uma mulher dedicada que zela pelo pai, mas que está cansada
e silenciosamente clama por libertação.
Em suma, Meu Pai é um poderoso estudo cinematográfico da débil condição
humana na terceira idade e a fina camada que reveste os elos familiares.
Matheus J. S.
Assista e
Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 11 de março de 2021
Direção: Florian Zeller
Elenco: Anthony Hopkins, Olivia Colman, Rufus
Sewell...
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA
Sinopse
(Adoro Cinema):
Em Meu Pai, um homem idoso
recusa toda a ajuda de sua filha à medida que envelhece. Ela está se mudando
para Paris e precisa garantir os cuidados dele enquanto estiver fora, buscando
encontrar alguém para cuidar do pai. Ao tentar entender suas mudanças, ele
começa a duvidar de seus entes queridos, de sua própria mente e até mesmo da
estrutura da realidade.
Avaliação:
IMDb: 7,8
Rotten: 98%
Metacritic: 88%
Filmow (média geral):
4,4
Adoro Cinema (adorocinema):
4,0
Kontaminantes (Matheus J. S.): 9,5
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