3 de abril de 2021

Kontaminantes ☣ , Meu Pai , Drama-filme , Filmes ,

Meu Pai


Muito além de orgulhar-se de ostentar em seu elenco o cineasta mais velho indicado ao Oscar de Melhor Ator, Meu Pai é um filme com inúmeras virtudes que não deve passar batido do radar de qualquer cinéfilo que se preze.
Em primeira análise, Meu Pai é um longa que possui características que não dariam certo em outras produções, mas aqui funcionam muito bem. Uma delas diz respeito a estrutura típica de um sci-fi ou películas com temáticas de viagem no tempo que, imposta como base do esqueleto narrativo, salienta a desorientação do protagonista e se articula como elemento primordial da submersão do público na estória. Trata-se de uma desconstrução do gênero, haja visto que dramas como este frequentemente optam por entrechos mais singelos com enfoque na performance do elenco.
O outro ponto é sobre as idas e vindas dos personagens ao correr da trama. Embora essa dispersão geralmente seja considerada um grave erro organizacional, faz sentido considerando a proposta do filme que visa introduzir o espectador dentro da mente desordenada do Anthony. Dito isso, o longa graceja com a perspectiva do público no que remete ao tempo, espaço, local e identidade, impondo sobre este a mesma sensação de incerteza que rege a atual fase da vida do protagonista e, por consequência, fortalecendo o laço que aproxima assistente e personagem.
Outrossim, a direção de Florian Zeller é bastante hábil ao brincar com a percepção e os sentimentos dos espectadores com relação ao que está sendo visto. A primeira cena, por exemplo, começa com um forte senso de urgência sublinhado pelos passos apressados da persona em destaque e uma música que enaltece a premência situacional. Entretanto, logo em seguida descobre-se que a canção, até o momento extradiegética, está sendo apreciada pelo próprio Anthony em seus fones de ouvido e não há qualquer iminência vigente. Em síntese, é uma ótima forma de desestruturar os convencionais moldes narrativos e desarmar as expectativas do público.
Nesse sentido, Zeller manipula a concepção de realidade dos assistentes ao confeccionar sequências de leitura ambígua. (SPOILERS A SEGUIR) Durante o segmento em que Paul estapeia Anthony e o intérprete deste muda de ator de um corte para o outro, pode-se interpretar tal ato como uma intolerância ao espectro da terceira idade, apatia e a falta de compaixão nos relacionamentos sociais. Em contraparte, também pode-se inferir, sob uma ótica alegórica, que o trecho se trata de uma abstração psicológica do protagonista como uma manifestação inconsciente de seu medo em ser despachado para um asilo ou se tornar um peso para sua família. (FIM DOS SPOILERS)
Destarte, a película desperta uma variedade de emoções em seu espectador, fazendo-o se revoltar com algumas atitudes em tela, se comover com determinadas ocorrências e se apiedar com outras. Todavia, o diretor jamais se entrega a uma abordagem tendenciosa que seria o caminho mais fácil a se tomar, levando o público, por outro lado, a ver Anthony de modo impudico e até se irritar com ele em certos momentos. Posto isto, a trilha, que muitas vezes exerce a função de cadenciar o tom da obra, tem participações concisas que servem para intensificar o impacto das cenas; é um recurso pouco usado, porém que apresenta imane eficiência quando recrutado.
Ainda que Meu Pai seja majoritariamente assistido sob a visão de Anthony, a personagem da Olivia Colman também tem seu realce. A transição da perspectiva de uma figura a outra se dá naturalmente e permite que a estrutura do filme respire, abrindo espaço para que o roteiro mature suas principais pautas acerca da velhice, paternidade, amor e o comportamento humano frente as adversidades. Dessa maneira, a curta duração do longa igualmente corrobora para que a estratégia diegética escolhida não se torne enfadonha. No entanto, vale ressaltar que o script não tem essa mesma sensibilidade atinente a uma revelação que é necessária ser feita, contudo desdobra-se de forma óbvia e contradiz o tato até então demonstrado.
Concernente a cenografia, Florian tem um proficiente controle sobre o palco minimalista em que o enredo se desenrola. Desenvolvida praticamente toda dentro de um apartamento, a película utiliza a movimentação de um cômodo a outro para efetuar a troca de percepção dos personagens e consumar visualmente o labirinto de memórias vivido por Anthony. Nesse aspecto, Hopkins incorpora com muito realismo a doença de sua persona, transmitindo fragilidade no caminhar levemente curvado e vagaroso, no olhar distante e nas divagações verbais, mostrando-se também assaz verdadeiro ao interpretar o lado rabugento do papel. Por sua vez, Olivia Colman está tão bem quanto seu parceiro de profissão, fazendo uma mulher dedicada que zela pelo pai, mas que está cansada e silenciosamente clama por libertação.
Em suma, Meu Pai é um poderoso estudo cinematográfico da débil condição humana na terceira idade e a fina camada que reveste os elos familiares.
Matheus J. S.
 
Assista e Kontamine-se
 
Comente, Compartilhe e Siga Nosso Blog
 
Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 11 de março de 2021
Direção: Florian Zeller
Elenco: Anthony Hopkins, Olivia Colman, Rufus Sewell...
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA

Sinopse (Adoro Cinema):
Em Meu Pai, um homem idoso recusa toda a ajuda de sua filha à medida que envelhece. Ela está se mudando para Paris e precisa garantir os cuidados dele enquanto estiver fora, buscando encontrar alguém para cuidar do pai. Ao tentar entender suas mudanças, ele começa a duvidar de seus entes queridos, de sua própria mente e até mesmo da estrutura da realidade.
 
Avaliação:
IMDb: 7,8
Rotten: 98%
Metacritic: 88%
Filmow (média geral): 4,4
Adoro Cinema (adorocinema): 4,0
Kontaminantes (Matheus J. S.): 9,5


Nenhum comentário:

Postar um comentário