Ao se ligar a televisão, é comum ouvir-se notícias que remetam à violência
contra o sexo feminino. Desde agressões domésticas a assédio sexual e estupros,
diariamente se escuta falar sobre uma infinidade de casos que denunciam algum
tipo de ataque contra a mulher. Desse modo, Bela Vingança, primeira produção
cinematográfica da carreira de Emerald Fennell, se realça como uma obra que
visa dar voz a esse tipo de crime e apregoar sua nota de repúdio.
Introdutoriamente, é pertinente frisar que o filme, apesar da premissa
entusiasmante, jamais é tão mordaz quanto poderia. Detentor de um
posicionamento forte, este, contudo, tenta firmá-lo sendo politicamente
correto, o que torna muitos eventos propulsores da trama inverossímeis e até bobos,
além de enfraquecer a mensagem final sob uma perspectiva holística. A partir de
então, o longa se aproveita de uma série de conveniências e facilitações
narrativas que exigem uma incrível suspensão de descrença por parte do público.
A representação do semblante masculino aqui é outro ponto de destaque.
Praticamente todos os homens que integram o enredo são predadores sexuais, o
que, apesar de ser uma visão genérica da classe escarnecida, faz sentido dentro
da proposta da película. Para tal, o filme utiliza alguns planos-detalhe que
exaltam essa selvageria em cada gesto e movimento destes. Em contraparte,
Emerald perde o tato em alguns planos que sexualizam a atriz Carey Mulligan, o
que é contraditório e extremamente bizarro considerando o escopo do roteiro.
Ademais, o romance entre Cassie e Ryan é hediondo. Embora o arco
saliente uma parcela das angústias da protagonista atinentes à relacionamentos
amorosos e o tormento oriundo do trauma que sua melhor amiga vivenciou, este
toma rumos patentes e manipulativos. A cena em que ela dança com o namorado na
farmácia ao som de "Stars Are Blind" (Paris Hilton) com os
momentos mais felizes do casal passando em tela, é formulaica, boba e
sentimentalmente coerciva. Aproveitando o gancho, a trilha é majoritariamente
intrusiva e repleta de escolhas obvias, invadindo passagens que obteriam maior êxito
apenas com a parcimônia do silêncio e saturando trechos que exigiam somente uma
breve e sutil musicalidade ao fundo.
Entretanto, Bela Vingança não é de todo ruim. O terceiro ato, que
manifesta o pico do longa, é tragicamente hilário; há segmentos que usufruem de
um ácido humor negro que provocam gargalhadas assim como estimulam a culpa no
assistente por rir da desgraça alheia. Dessa maneira, Joe, personagem que dá as
caras apenas ao fim do entrecho, é, para todos os efeitos, o grande alívio cômico
da obra.
(SPOILERS A SEGUIR) Contudo, o principal momento da parte final se dá quando Cassie é
assassinada. Nesse quesito, a diretora constrói uma sequência extremamente
aflitiva, seja através de sua longa duração, iluminação sombria, música soturna
e, exponencialmente, através da perversidade brutalmente retratada. (FIM DOS SPOILERS)
Mais adiante, a película é certeira ao brincar com as expectativas do espectador
acerca do que irá ocorrer, fornecendo, por fim, um desfecho satisfatório e
surpreendente; o charme não está no que acontece, mas em como o script
se desenrola até chegar lá.
No mais, é imprescindível enaltecer o desempenho cênico de Carey
Mulligan. Pontuada pela volatilidade de seu estado de espírito, a atuação de
Carey transita por polos emocionais que tecem o contraste entre quem ela finge
ser e quem realmente é. Posto isto, sua persona convence tanto estando
"embriagada" quanto sóbria, conseguindo transparecer perspicácia e
convicção ao passo que internamente luta contra uma culpa pungente. Por sua
vez, o elenco de apoio contempla performances ordinárias em papeis medíocres,
tendo ênfase, todavia, a mãe da protagonista como uma personagem extremamente
afetada e burlesca. Como adendo, vale mencionar a cinematografia marcada pelo
uso de tonalidades extravagantes que, de certa forma, servem de contraponto à densidade
dos temas pautados.
Mesmo com seus problemas, Bela Vingança é um filme que, a partir do
momento que o público compra a ideia proposta, torna-se fácil de assistir. A
atuação central de Carey Mulligan é notável, e a concepção de um terceiro ato
poderoso corrobora para que uma boa impressão seja deixada.
Matheus J. S.
Assista e
Kontamine-se
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 22 de abril de 2021
Direção: Emerald Fennell
Elenco: Carey Mulligan, Bo Burnham, Alison Brie...
Gênero: Suspense
Nacionalidade: EUA
Sinopse
(Adoro Cinema):
Em Bela Vingança, Cassie
(Carey Mulligan) é uma mulher com muitos traumas do passado que frequenta bares
todas as noites e finge estar bêbada. Quando homens mal-intencionados se
aproximam dela com a desculpa de que vão ajudá-la, Cassie entra em ação e se vinga
dos predadores que tiveram o azar de conhecê-la.
Avaliação:
IMDb: 7,5
Rotten: 90%
Metacritic: 72%
Filmow (média geral):
3,9
Kontaminantes (Matheus J. S.): 6,5
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