A imagem da mulher sempre esteve subjugada ao homem ao correr da História.
Ainda que hoje diversos movimentos tenham ganhado força em prol dos direitos
femininos, é patente que inúmeras mulheres permanecem oprimidas por algum tipo
de figura masculina, seja física e/ou psicologicamente. Em face disso, Ridley
Scott se apropria de eventos reais ocorridos na França centenas de anos atrás
para traçar paralelo com a contemporaneidade e engendrar lancinantes críticas
socioculturais.
Em primeira análise, convém mencionar que as circunstâncias retratadas
abrangem uma escala de vários anos. Essa organização narrativa caracteriza uma
montagem dinâmica que não perde tempo com frivolidades e se dirige sempre aos
pontos que culminarão no principal confronto da película. Pode-se dizer,
portanto, que a trama clama pela estrutura escolhida, visto que as distintas
perspectivas abordadas e as consecutivas situações responsáveis por desencadear
o conflito final comportam um espaço bastante grande no enredo.
Nesse sentido, os diferentes pontos de vista explorados, apesar dos
intervalos temporais, permitem que a personalidade dos personagens seja traçada
a partir das semelhanças entre as versões contadas. O público também tem a
oportunidade de melhor se contextualizar com os jogos políticos e os interesses
que regem ambas as partes do duelo, podendo, por conseguinte, tirar suas próprias
conclusões acerca das motivações de cada um dos semblantes envolvidos. Esse método
de contar a estória expande o escopo de participantes e subnúcleos do entrecho,
o que é essencial para o espectador compreender como o desenrolar dos
acontecimentos afeta pessoas de divergentes círculos no longa.
Posto isto, o filme utiliza as reações da população sobre a acusação de
estupro para alfinetar os valores da época, visto que, mesmo no lugar de vítima,
a mulher era desacreditada e considerada culpada. As similaridades com os
incontáveis casos assistidos diariamente na televisão não são por acaso, pois o
roteiro se respalda nessa vertente para dialogar com a realidade e propor
reflexões que englobam a autonomia e o papel da mulher em sociedade, objetificação
do corpo feminino e patriarcalismo. É pertinente observar como o terceiro bloco
(sob a percepção de Marguerite) apregoa hábitos do período que denunciam a
impotência de moças e senhoras perante o homem, tais como a falta de
independência na escolha da própria roupa e a completa submissão entre quatro
paredes. Vale ressaltar, sobretudo, que as cenas de teor sexual são
extremamente repulsivas e transmitem com genuinidade a angústia de Marguerite.
A reconstrução da Idade Média é, por sua vez, assaz convincente. O
figurino realça os trajes opulentos vestidos pelos nobres do período, enquanto
as infindáveis camadas de couro e ferro atribuem verossimilhança às armaduras
usadas no campo de batalha. Não obstante, a maquiagem se encarrega de conferir aos
soldados as cicatrizes que eles acumularam ao longo dos anos, ao passo que a
sonoplastia enseja uma experiência sensorialmente imersiva ao imprimir o tilintar
de aço contra aço durante a contenda e causar arrepios com os sons de
guerreiros sendo mortos brutalmente. Dito isso, as sequências beligerantes,
apesar da câmera trêmula em certos momentos, são violentas e conseguem evocar a
selvageria e o caos da guerra.
Atinente às atuações, Jodie Comer faz uma lady a princípio tímida, mas
que demonstra ser doce e gentil, além de tenaz para defender o seu
posicionamento. Cabe salientar que é um trabalho de muita entrega e coragem,
pois encenar as situações humilhantes pelas quais a sua persona repetidamente passa
não é fácil. No que lhe concerne, Matt Damon vive um escudeiro bronco e
impetuoso que tem a maquiagem (já mencionada) como auxílio para a
caracterização de seu caráter obtuso. Ademais, Alex Lawther, embora com pouco
tempo de tela, incorpora com proficiência um monarca sádico e perverso. Em
contrapartida, Adam Driver, ainda que interprete um dos protagonistas da obra,
apresenta uma performance engessada que pouco convence como um indivíduo
mulherengo.
No mais, O Último Duelo, mesmo que não extraia a melhor performance de
um de seus atores, possui um discurso relevante sobre a função da mulher na
História que se entrelaça às pautas feministas dos dias atuais.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
Comente, Compartilhe e Siga Nosso
Blog
Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 14 de outubro de 2021
Direção: Ridley Scott
Elenco: Jodie Comer, Matt Damon, Adam Driver...
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA
Sinopse (Filmow):
Em plena Idade Média
francesa, sob pena de ser condenada à fogueira por injúria e falso testemunho,
Marguerite de Carrouges (Jodie Comer) acusa Jacques LeGris (Adam Driver), o
melhor amigo de Jean de Carrouges (Matt Damon), seu marido, de estuprá-la.
Avaliação:
IMDb: 7,5
Rotten: 85%
Metacritic: 67%
Filmow (média geral): 3,9
Adoro Cinema (usuários/adorocinema):
3,8/4,0
Kontaminantes (Matheus J. S.): 9
Nenhum comentário:
Postar um comentário