13 de janeiro de 2022

Kontaminantes ☣ , Nitram , Drama-filme , Filmes ,

Nitram

Pôster

Longas sobre indivíduos famigerados com um histórico de mortes no currículo, geralmente tendem a narrativas exibicionistas onde o ataque às vítimas é o principal destaque. Nitram, produção australiana dirigida por Justin Kurzel, vai na contramão dessa leva ao apostar em uma jornada que pretere a violência gráfica.
Primeiramente, esta é uma película focada no algoz de um massacre ocorrido em 1996. Posto isto, o enredo apresenta desde os minutos iniciais as excentricidades que regem a personalidade de Nitram. Embora a princípio estas não demonstrem indícios de perigo, sua exposição incipiente é necessária para o desenvolvimento de circunstâncias futuras e para o espectador se habituar à maneira com a qual o personagem lida com diferentes situações do dia a dia. Logo, o primeiro ato é marcado por um forte senso de rotina que serve para estreitar a relação entre o público e o protagonista.
É também durante o primeiro terço do filme que se estabelece a atmosfera que irá viger ao longo de toda a sua extensão. Dentre as ferramentas utilizadas, se destaca uma câmera manual responsável por determinar a natureza caótica do assassino. A concepção cenográfica, junto com o figurino, é outro instrumento que corrobora o clima imposto; os ambientes sempre possuem alguma sujeira, bagunça ou até moscas, e Nitram está costumeiramente vestindo roupas encardidas e rasgadas. Por sua vez, a trilha, apesar de pouco realçada, é proficiente ao evocar sensações incômodas. É interessante observar, sobretudo, como tais recursos vão sendo apaziguados com o passar do longa e contrastam com a crescente instabilidade do protagonista; é como se o desequilíbrio emocional cada vez maior do personagem roubasse os holofotes e não precisasse mais do auxílio de artifícios para apregoar a sua loucura.
A inserção dos fatores supracitados é fundamental para instituir uma sensação de presságio e acentuar a tensão corrente. Essa característica é principalmente exposta a partir de um acontecimento envolvendo a personagem Helen que é essencial para consumar a imprevisibilidade das atitudes de Nitram. Dito isso, ainda que a figura em questão exerça um papel importante para o caminhar do entrecho, há algumas cenas que poderiam ser abscindidas e, consequentemente, desinchar o primeiro ato. Outrossim, vale ressaltar que os pulos temporais da estória, alguns vinculados ao arco da personagem, não são inteligíveis quanto ao tempo que se passou.
No que concerne aos seus debates, a obra é cautelosa ao abordar um evento delicado da história da Austrália. Desse modo, Nitram não está empenhado em procurar culpados isolados ou julgar seus personagens, mas sim em estudar uma sociedade omissa perante os sinais de uma catástrofe anunciada. Dentro desse contexto, a cena em que o protagonista compra as armas para perpetrar a chacina é uma crítica pungente à facilidade de se conseguir armamentos independente do país em que se esteja. É um trecho comprido e inquietante devido à ausência de empecilhos para a obtenção do material e a sua venda para uma pessoa nitidamente desestabilizada. Em face disso, quando o morticínio ocorre não há estilização, muito pelo contrário, a direção recorre a uma abordagem que preza pelas vítimas e não mostra sequer uma gota de sangue, contudo, o impacto é tão grande quanto.
Ademais, o relacionamento de Nitram com os seus progenitores é igualmente explorado. No que diz respeito ao pai, há um segmento estarrecedor que choca mediante o que havia sido imposto até então, porém, o bloco faz sentido e serve como complemento dos traços idiossincráticos do protagonista. Atinente à mãe, o filme destrincha toda a complexidade que envolve o laço dela com o filho; a urdidura é bastante sagaz nesse ponto, pois quando os assistentes pensam que a produção está caminhando para acusá-la, o script introduz camadas à personagem que ainda não haviam sido escrutinadas.
Por fim, é imprescindível enaltecer o desempenho do elenco. Essie Davis, como Helen, convence como uma mulher doce e acanhada, mas que sabe se impor quando necessário; é uma atuação de sutilezas, como o fato da atriz sempre se reprimir quando sorri por conta do aparelho usado. Anthony LaPaglia, como o pai de Nitram, faz um homem mais contido e compreensível com o filho, ao passo que Judy Davis incorpora com brilhantismo a austeridade de uma mãe que esconde mais sentimentos do que aparenta. No entanto, a estrela da película é Caleb Landry Jones. O ator vive com destreza todas as particularidades de sua persona, desde a forma de andar até de piscar os olhos. É, acima de tudo, uma performance polivalente, que passa por momentos infantis, violentos e histéricos que transmitem com perfeição o espectro conturbado da figura interpretada.
Em suma, Nitram é uma obra dilacerante que se propõe a retratar as mazelas de uma sociedade conivente em função de um dos assassinos mais hediondos da contemporaneidade sem jamais glorificá-lo - e isso é ótimo.
Matheus J. S.
 
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Ficha Técnica:
Data de lançamento (mundial): 16 de julho de 2021
Direção: Justin Kurzel
Elenco: Caleb Landry Jones, Essie Davis, Anthony LaPaglia…
Gênero: Drama
Nacionalidade: Austrália

Sinopse (Adoro Cinema):
Nitram vive com sua mãe e seu pai no subúrbio da Austrália em meados da década de 1990. Ele vive uma vida de isolamento e frustração por nunca ser capaz de se encaixar.

Avaliação:
IMDb: 7,2
Rotten: 89%
Metacritic: 82%
Filmow (média geral): 3,5
Kontaminantes (Matheus J. S.): 9
Avaliação


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