Longas sobre indivíduos famigerados com um histórico de mortes no currículo,
geralmente tendem a narrativas exibicionistas onde o ataque às vítimas é o
principal destaque. Nitram, produção australiana dirigida por Justin Kurzel,
vai na contramão dessa leva ao apostar em uma jornada que pretere a violência
gráfica.
Primeiramente, esta é uma película focada no algoz de um massacre
ocorrido em 1996. Posto isto, o enredo apresenta desde os minutos iniciais as
excentricidades que regem a personalidade de Nitram. Embora a princípio estas não
demonstrem indícios de perigo, sua exposição incipiente é necessária para o
desenvolvimento de circunstâncias futuras e para o espectador se habituar à maneira
com a qual o personagem lida com diferentes situações do dia a dia. Logo, o
primeiro ato é marcado por um forte senso de rotina que serve para estreitar a
relação entre o público e o protagonista.
É também durante o primeiro terço do filme que se estabelece a atmosfera
que irá viger ao longo de toda a sua extensão. Dentre as ferramentas
utilizadas, se destaca uma câmera manual responsável por determinar a natureza
caótica do assassino. A concepção cenográfica, junto com o figurino, é outro
instrumento que corrobora o clima imposto; os ambientes sempre possuem alguma
sujeira, bagunça ou até moscas, e Nitram está costumeiramente vestindo
roupas encardidas e rasgadas. Por sua vez, a trilha, apesar de pouco realçada, é proficiente
ao evocar sensações incômodas. É interessante observar, sobretudo, como tais
recursos vão sendo apaziguados com o passar do longa e contrastam com a
crescente instabilidade do protagonista; é como se o desequilíbrio emocional
cada vez maior do personagem roubasse os holofotes e não precisasse mais do auxílio
de artifícios para apregoar a sua loucura.
A inserção dos fatores supracitados é fundamental para instituir uma
sensação de presságio e acentuar a tensão corrente. Essa característica é principalmente
exposta a partir de um acontecimento envolvendo a personagem Helen que é essencial
para consumar a imprevisibilidade das atitudes de Nitram. Dito isso, ainda que
a figura em questão exerça um papel importante para o caminhar do entrecho, há algumas
cenas que poderiam ser abscindidas e, consequentemente, desinchar o primeiro ato. Outrossim, vale
ressaltar que os pulos temporais da estória, alguns vinculados ao arco da
personagem, não são inteligíveis quanto ao tempo que se passou.
No que concerne aos seus debates, a obra é cautelosa ao abordar um
evento delicado da história da Austrália. Desse modo, Nitram não está empenhado
em procurar culpados isolados ou julgar seus personagens, mas sim em estudar
uma sociedade omissa perante os sinais de uma catástrofe anunciada. Dentro
desse contexto, a cena em que o protagonista compra as armas para perpetrar a
chacina é uma crítica pungente à facilidade de se conseguir armamentos
independente do país em que se esteja. É um trecho comprido e inquietante
devido à ausência de empecilhos para a obtenção do material e a sua venda para
uma pessoa nitidamente desestabilizada. Em face disso, quando o morticínio
ocorre não há estilização, muito pelo contrário, a direção recorre a uma
abordagem que preza pelas vítimas e não mostra sequer uma gota de sangue,
contudo, o impacto é tão grande quanto.
Ademais, o relacionamento de Nitram com os seus progenitores é igualmente
explorado. No que diz respeito ao pai, há um segmento estarrecedor que choca
mediante o que havia sido imposto até então, porém, o bloco faz sentido e serve
como complemento dos traços idiossincráticos do protagonista. Atinente à mãe, o
filme destrincha toda a complexidade que envolve o laço dela com o filho; a
urdidura é bastante sagaz nesse ponto, pois quando os assistentes pensam que a
produção está caminhando para acusá-la, o script introduz camadas à
personagem que ainda não haviam sido escrutinadas.
Por fim, é imprescindível enaltecer o desempenho do elenco. Essie Davis, como
Helen, convence como uma mulher doce e acanhada, mas que sabe se impor quando
necessário; é uma atuação de sutilezas, como o fato da atriz sempre se reprimir
quando sorri por conta do aparelho usado. Anthony
LaPaglia, como o pai de Nitram,
faz um homem mais contido e compreensível com o filho, ao passo que Judy Davis
incorpora com brilhantismo a austeridade de uma mãe que esconde mais
sentimentos do que aparenta. No entanto, a estrela da película é Caleb Landry
Jones. O ator vive com destreza todas as particularidades de sua
persona, desde a forma de andar até de piscar os olhos. É, acima de tudo, uma
performance polivalente, que passa por momentos infantis, violentos e histéricos
que transmitem com perfeição o espectro conturbado da figura interpretada.
Em suma, Nitram é uma obra dilacerante que se propõe a retratar as mazelas de uma sociedade conivente em função de um dos
assassinos mais hediondos da contemporaneidade sem jamais glorificá-lo - e isso é ótimo.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
Comente, Compartilhe e Siga Nosso
Blog
Ficha Técnica:
Data de lançamento (mundial): 16 de julho de 2021
Direção: Justin Kurzel
Elenco: Caleb Landry Jones, Essie Davis, Anthony LaPaglia…
Gênero: Drama
Nacionalidade: Austrália
Sinopse (Adoro
Cinema):
Nitram vive com sua mãe e
seu pai no subúrbio da Austrália em meados da década de 1990. Ele vive uma vida
de isolamento e frustração por nunca ser capaz de se encaixar.
Avaliação:
IMDb: 7,2
Rotten: 89%
Metacritic: 82%
Filmow (média geral): 3,5
Kontaminantes (Matheus J. S.): 9
Nenhum comentário:
Postar um comentário