Crianças são popularmente conhecidas como sinônimo de pureza. Contudo, o
recente lançamento de Os Inocentes é a oportunidade que os espectadores têm
para rever suas crenças.
Em primeiro lugar, o título do filme é uma grande ironia comparado ao
que é visto em tela. Em face disso, desde os primórdios do entrecho o público
acompanha os personagens perpetrando atos de maldade, sendo estes acentuados
devido à crueza com que o enredo os aborda. Dito isso, não se utilizam métodos
para amenizar as circunstâncias assistidas, permitindo que o abalo seja
intensificado por conta da naturalidade com que as atrocidades acontecem e,
sobretudo, pelo fato de os infratores serem crianças. Logo, é comum que o
assistente crie uma aversão instantânea aos semblantes em cena, especialmente
no que diz respeito a Ben e Ida, além de se sentir intimidado por não saber o
quão maléfico eles ainda podem ser.
No que concerne aos poderes do quarteto, o longa é assaz cauteloso nesse
âmbito. Isto é, tendo em vista que a urdidura poderia facilmente descambar para
um tom caricato, a película lida com as habilidades das figuras mirins de modo
a evocar tanto ameaça quanto receio à medida que os dons de cada um se
desenvolvem ao longo da produção. Ao optar por não fornecer justificativas para
a origem dos poderes, o filme foge de exposições baratas e foca nas minúcias
que constituem o comportamento dos personagens e a relação deles com as
próprias faculdades; muitas vezes, o espectador não sabe ao certo o potencial de
cada um, e, em vez de verbalizar a respeito, o diretor recorre ao uso de
planos-detalhe para representar a manifestação de tais competências. Essa
ferramenta também tem como intuito gerar aflição no público, pois o simples
realce atribuído a um objeto (ou uma perna, por exemplo) faz com que o
assistente se contorça com as possíveis consequências do uso dos poderes de Ben
– principalmente – sobre aquele determinado ponto.
Outrossim, o longa consegue brincar com as emoções do público sem soar
manipulativo. Isto é, ao apresentar protagonistas impiedosos e colocar Anna – uma menina autista – no âmago do arco deles, o espectador teme pela personagem
e começa a imaginar as coisas terríveis que podem lhe acontecer, ou seja, se
institui um forte sentimento de presságio no ar. Os cenários minimalistas e a
trilha enervante são elementos que corroboram o vaticínio corrente, assim como
o desenrolar da trama à luz do dia que enseja destaque à performance do elenco
infantil em detrimento de jumpscares furados e outros vícios do gênero. Dessa
maneira, Rakel Fløttum, como Ida, faz a criança mais fria da película, porém, é
a que igualmente sofre maiores transformações e passa a esboçar emoções autênticas
de incômodo e perplexidade ao correr da obra. Em contraparte, Sam Ashraf tem um
papel que, ainda que conflituoso, expressa indiferença pelo sofrimento alheio e
certo sadismo em suas atitudes. Por sua vez, Alva Ramstad vive com consentaneidade
as fragilidades físicas e mentais de sua persona, enquanto Mina Asheim incorpora uma menina gentil que faz o
contrapeso das várias crueldades vistas em tela; (SPOILERS
A SEGUIR) sua morte é impactante, porque, além dela ser a única pessoa
genuinamente benigna, ela é a responsável pela evolução e proteção de Anna dentro
da narrativa. (FIM DOS SPOILERS)
Embora não seja o foco, o roteiro suscita eventuais influenciadores para
o comportamento de Ben. O relacionamento conturbado com a mãe surge como
possível motivador, enquanto um subnúcleo envolvendo bullying é um fator
adicional para as terríveis ações executadas. Nesse contexto, o filme discute brevemente
como a violência replica violência, apesar de as principais reflexões ficarem
ao encargo do assistente e sua capacidade de divagar a respeito. Atinente a
Ida, o seu plot é o que possui maior argamassa, em outras palavras, a garota
passa por uma jornada de retratação onde ela aprende a lidar com os próprios
impulsos e conviver com a irmã. Por outro lado, ao passo que o roteiro é
perspicaz em suas abordagens mais dramáticas, o mesmo não pode ser dito acerca do
progresso das habilidades de Ben durante o avanço do script. Mesmo que o
gérmen destas não seja necessário ser explicado, como já ressaltado anteriormente,
há uma discrepância no que tange ao seu desenvolvimento, pois elas ganham
proporções gigantescas sem qualquer harmonia em sua evolução.
Em última instância, Os Inocentes é uma produção dura, difícil e
perturbadora, mas que não deve ser perdida por nenhum fã do gênero.
Matheus J. S.
Assista e
Kontamine-se
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Ficha
Técnica:
Data de lançamento (mundial): 11 de julho de
2021
Direção: Mina Asheim
Elenco: Rakel Fløttum, Sam Ashraf, Alva Ramstad,
Mina Asheim...
Gênero: Terror
Nacionalidade: Noruega
Sinopse
(Filmow):
Ida, uma menina de nove
anos, e sua família mudam-se para os arredores de Oslo, Noruega, durante o
verão. Junto com sua irmã Anna, que possui autismo, a menina tenta se ajustar
ao novo ambiente e faz amizade com duas outras crianças. Quando estão longe dos
adultos, esses quatro amigos descobrem que possuem poderes sobrenaturais.
Avaliação:
IMDb: 7,0
Rotten: 100%
Filmow (média geral):
3,7
Kontaminantes (Matheus J. S.): 9
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