Lançado em 2016 cercado por polêmicas, Raw é o filme de estreia da
diretora francesa Julia Ducournau que, segundo dizem, fez as pessoas desmaiarem
nas salas de cinema. Cinco anos depois e mais controverso ainda, chegou às
telonas Titane, nova obra da cineasta que conquistou a Palma de Ouro em Cannes e
estreia hoje na plataforma de streming da Mubi.
Em primeiro lugar, Titane é um longa para ser degustado. Mais importante
do que entender ou não, a experiência proposta pelo enredo desperta uma
cosmologia de emoções que abrange raiva, nojo, curiosidade, aflição e, acima de
tudo, estranhamento. A escolha por uma narrativa abstrata, nesse sentido, é justificada
por meio da finalidade de criar uma estória que, como a própria Ducournau
afirmou, fala sobre amor, mas tem como intuito final tocar cada espectador de
uma forma íntima e pessoal. Alguns recursos usados pela diretora reiteram a
proposta supracitada, como a fotografia pontuada pelo amarelo, rosa e vermelho
que engendra uma atmosfera surrealista, e a ênfase em objetos simbólicos que
apresentam significados distintos para cada assistente.
Embora a trama propicie inúmeras interpretações, esta não carece de uma
diretriz para orientar o público. Dito isso, desde o princípio é apregoado a
personalidade estrambólica de Alexia e o seu vínculo com automóveis, dois
elementos fundamentais para se ter um ponto de partida acerca do qual divagar.
Dessa maneira, as cenas heteróclitas da produção são orquestradas com o fito de
tirar o espectador de sua zona de conforto e fazê-lo refletir a respeito das
excentricidades que as compõem. O emaranhado de questões oriundo de tais sequências
permite que os assistentes tracem divergentes linhas de raciocínio, contudo,
todas sob o beneplácito do roteiro, ensejando, em decorrência, pautas que
discutem temas como solidão, sexualidade, identidade de gênero, fetichismo,
maternidade, paternidade, traumas, aceitação e rejeição.
Sobretudo, Titane é uma película intensa. O plano-sequência ao início do filme é uma característica que reitera a asserção, visto que os assistentes
são imbuídos no entrecho por intermédio de um único take que segue a
protagonista e estabelece uma relação de proximidade com o público. Esse laço é
acentuado ao correr da produção por conta de a narrativa progredir
majoritariamente sob a perspectiva de Alexia, possibilitando que o espectador a
veja durante os momentos mais insólitos e acompanhe o seu desenvolvimento
enquanto passa a simpatizar com a personagem independente das atrocidades
cometidas anteriormente. O estranho relacionamento que a figura em questão
possui com o próprio corpo também não é omitido, sendo esta vertente o gérmen
de trechos angustiantes que, quando não explícitos, causam incômodo em função
do uso agudo do som e as feições manifestadas pela atriz. Logo, mesmo sem ver
com clareza, o assistente sabe o que está ocorrendo e pode imaginar o quão
excruciante a situação é.
Outrossim, a maquiagem e a utilização de efeitos práticos se encarregam
de tornar as transformações físicas pelas quais Alexia passa ainda mais
inquietantes; há, simultaneamente, um elevado grau de realismo fruto do
excelente trabalho técnico que contrasta com o absurdo da circunstância vigente.
Por sua vez, a inserção de Vincent é essencial para que o script amplie as
discussões referentes ao elo com o próprio corpo e origine segmentos tão
desconfortáveis quanto. Vale frisar que a performance de Vincent Lindon para
viver o papel carrega toda a austeridade que o personagem precisa, porém, sem
perder o misto de sentimentos que se acobertam sob camadas rústicas. De similar
modo, Agathe Rousselle dá vida a uma jovem que se esconde através de
demonstrações de raiva e desconfiança; é uma atuação bastante inflamada, mas
que se equilibra com sutis momentos de prazer e afeto.
Todavia, a obra não é perfeita. Posto isto, algumas transições de uma
cena à outra acontecem de forma abrupta, especialmente no que concerne a breve
passagem em que Justine e Alexia se relacionam. Ademais, alguns semblantes são
inoculados de maneira problemática, como é o caso da mãe do Adrien que aparece
somente para efetuar uma fala expositiva, e o Rayane, que acaba caindo no
clichê do coadjuvante que inveja a protagonista.
Apesar dos defeitos frisados, Titane continua sendo um longa ímpar que coloca
novamente Julia Ducournau nos holofotes da indústria.
Matheus J. S.
Assista e
Kontamine-se
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Ficha
Técnica:
Data de lançamento (Mubi): 28 de janeiro de 2022
Direção: Julia Ducournau
Elenco: Vincent Lindon, Agathe Rousselle,
Garance Marillier…
Gênero: Suspense
Nacionalidade: França
Sinopse:
Um violento acidente de
carro faz com que uma criança tenha que carregar uma placa de titânio na cabeça.
Avaliação:
IMDb: 6,7
Rotten: 88%
Metacritic: 75%
Filmow (média geral):
3,5
Adoro Cinema (adorocinema):
4,0
Kontaminantes (Matheus J. S.): 9
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