Adaptações cinematográficas da vida de indivíduos famosos não possuem um
repertório favorável em Hollywood, basta observar o recente King Richard.
Entretanto, Spencer, tema da presente análise, é dirigido por Pablo Larraín,
diretor que possui um currículo invejável e habituado a lidar com a respectiva
abordagem. Nesse sentido, o cineasta mais uma vez se aventura pela empreitada e
obtém sucesso, assim como em seus trabalhos anteriores.
Em primeira análise, Spencer é um filme sobre a angústia de Diana em um
mundo do qual ela não faz parte. Desde o princípio, o longa exalta a busca por
liberdade da protagonista, contudo, é a partir da chegada da princesa ao
Palácio de Buckingham que o enredo pode articular o desespero da personagem em
função do ambiente que a cerca. Dito isso, o diretor utiliza os imensos pátios
e salões da residência para salientar a solidão de Diana, bem como usa a
quantidade infindável de ornamentos para contrastar com o vazio abissal da
jovem moça. É também entre as luxuosas paredes da mansão que a película
estabelece a frieza de seus residentes e o rigor dos procedimentos que ditam o
convívio ali dentro.
Posto isto, a produção desmistifica a glamourização que existe entorno
da família real. Em outras palavras, por trás dos opulentos jantares há uma
série de condutas que alimentam a indiferença entre o relacionamento daqueles
que deveriam ser os mais próximos. A exigência pela impecabilidade é o que
desumaniza essas pessoas e molda as máscaras fotografadas por incontáveis paparazzi
que vendem uma imagem falaz, mas rentável: a ideia da vida perfeita. Desse
modo, o filme, por meio de sutis e profundos diálogos, não exime o público da
culpa de ser o progenitor de tal indústria. Portanto, Spencer é, acima de tudo,
o retrato lídimo de uma mulher que se rebela contra as tradições de um sistema
que perdura há séculos.
Em face do exposto, a jornada de Diana é conduzida sob o olhar intimista
de Larraín. O cineasta mantém o foco integral na princesa, permitindo que
alguns coadjuvantes se destaquem brevemente apenas para auxiliar a construção
atmosférica dos três dias explorados pelo entrecho, ou seja, tudo o que
acontece é em prol dela. Outrossim, a câmera está sempre perto de seu rosto
para representar a incessante sensação de claustrofobia da personagem. Por sua
vez, o desalento que a aflige é traçado a partir da concepção de sequências
progressivamente incômodas; a trilha enervante se eleva, a protagonista fica
cada vez mais desconfortável e as circunstâncias tomam rumos absurdos que se
manifestam como catarse alegórica de seu martírio.
(SPOILERS A SEGUIR) Nesse contexto, apesar do desfecho clichê, independente se os eventos
vistos em tela realmente aconteceram ou não, é um alívio assistir Diana tendo
um pouco de paz após tanto sofrimento. (FIM DOS
SPOILERS) Dessa maneira, é importante frisar que a performance de
Kristen Stewart é crucial para a eficiência da obra. Isto é, a atriz incorpora
com maestria a personalidade de uma pessoa sufocada. A atuação é marcada por
pequenos gestos que denunciam uma ansiedade cáustica, o que é incorporado por
uma constante inquietude, agitação das mãos e um visível incômodo com os trajes
vestidos. Ademais, vale mencionar que Jack Farthing interpreta um príncipe
Charles álgido e impassível que, embora presente em poucas cenas, é
bem-sucedido ao despertar a antipatia dos assistentes.
Por fim, o longa é sublime no que concerne aos aspectos técnicos. A
utilização de planos abertos possibilita que os espectadores apreciem a
suntuosa vista externa do Palácio de Buckingham, e a película,
concomitantemente, esbanje o seu primor cenográfico na reconstituição da
célebre residência. O público também tem a oportunidade de visitar o interior
da mansão e desfrutar dos pomposos cômodos que a integram; o design de
produção é assaz caprichoso, o que é constatado pela imensidão de detalhes que
confeccionam a variedade de adornos de cada enquadramento. O figurino,
igualmente majestoso, evoca a altivez da realeza com as mais distintas e
exuberantes vestes usadas pelas personagens. Convém ressaltar, no entanto, que
um diálogo expositivo a respeito de uma balança impede que a obra seja
perfeita.
Dessarte, Spencer é um filme quase irretocável; o texto é afiado, a
direção de Larraín é segura e a performance central de Kristen Stewart é a melhor
de sua carreira.
Matheus J. S.
Assista e Kontamine-se
Comente, Compartilhe e Siga Nosso
Blog
Ficha Técnica:
Data de lançamento (Brasil): 11 de dezembro de 2021
Direção: Pablo Larraín
Elenco: Kristen Stewart, Timothy Spall, Jack Nielen...
Gênero: Drama
Nacionalidade: Reino Unido e Alemanha
Sinopse (Filmow):
1991. Durante os feriados
de fim de ano, a Princesa Diana (Kristen Stewart) percebe que seu casamento com
o Príncipe Charles não está dando mais certo e resolve renegar um caminho que a
colocava na linha de sucessão da coroa.
Avaliação:
IMDb: 6,8
Rotten: 84%
Metacritic: 76%
Filmow (média geral): 3,8
Kontaminantes (Matheus J. S.): 9,5
Nenhum comentário:
Postar um comentário